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Papa Francisco se Insurge contra a Banca, Corruptora de Igrejas – 3ª Parte: Continuação de Algumas Pontualizações no Contexto Contemporâneo e Conclusão

Data da publicação: 21/02/2019

sob o título “Alguma Pontualizações no Contexto Contemporâneo”, nas “Considerações para um discernimento ético sobre alguns aspectos do atual sistema econômico-financeiro” (Considerações), que continuaremos transcrevendo e comentando.

“Uma grande ajuda, com o objetivo de evitar crises sistêmicas, seria delinear uma clara definição e separação, para os intemediadores bancários de crédito, do âmbito da atividade de gestão de crédito ordinário e dos recursos destinados ao investimento e aos negócios. Tudo isto com o objetivo de evitar o mais possivelmente situações de instabilidade financeira.

“Um sistema financeiro sadio exige também a máxima informação possível, de modo que cada sujeito possa tutelar em plena e consciente liberdade o seus interesses: de fato, é importante saber se os próprios capitais são empregados em fins especulativos ou não, assim como conhecer claramente o grau de risco e a congruidade do preço dos produtos financeiros que se subscrevem”

“Ocorre sinalizar, uma série de comportamentos moralmente criticáveis na gestão dos recursos por parte dos consultores financeiros: uma excessiva movimentação da carteira de títulos com o objetivo prevalente de aumentar os ganhos originários das comissões pela intermediação; uma diminuição da devida imparcialidade na oferta de instrumentos de poupança, em regime de acordos ilícitos com alguns bancos, quando produtos de outros se adaptariam melhor às exigências do cliente; a falta de uma adequada diligência ou uma negligência dolosa por parte dos consultores, em relação à tutela dos interesses relativos aos ganhos dos próprios clientes; a concessão de um financiamento, por parte de um intermediário bancário, em via subordinada à contextual subscrição de outros produtos financeiros emitidos pelo mesmo, talvez não conveniente ao cliente” (III. Algumas pontualizações no contexto contemporâneo 22, nas “Considerações”).

Neste trecho parece-me nítida a necessidade de intervenção do Estado. Quem mais, além de um poder acima do mercado, poderia “delinear clara definição e separação” das atividades financeiras, sem se submeter aos interesses de cada uma delas? E a quem, senão o Estado, caberia zelar pelo bem comum? E pela aplicação da justiça onde os comportamentos, mais do que criticáveis, constituem ilícitos?

Jessé Souza (O engodo do combate à corrupção: ou como imbecilizar pessoas que nasceram inteligentes?, in Jessé Souza e Rafael Valim (coords), “Resgatar o Brasil”, Contacorrente/Boitempo, SP, 2018) afirma: ”a corrupção que se realiza de “verdade”, quantitativamente, sem exagero retórico, literalmente centenas de vezes maior que toda corrupção política somada, (vem) do dinheiro desviado via dívida pública, sonegação de impostos, juros extorsivos, isenções fiscais multibilionárias abusivas da gigantesca rapina da sociedade pela elite financeira”.

Continuemos as “Considerações”.

“Não é mais possível ignorar fenômenos como o difundir-se no mundo de sistemas bancários paralelos ou “sombra” (Shadow banking system), os quais, mesmo compreendam também tipologias de intermediação cuja operatividade não aparece imediatamente crítica, de fato têm determinado uma perda de controle do sistema de parte das autoridades de vigilância nacionais. Tem-se favorecido assim de maneira desconsiderada, o uso da chamada finança criativa, cujo motivo principal de investimento dos recursos financeiros é sobretudo de caráter especulativo, se não predatório, e não constitui um serviço à economia real. Por exemplo, muitos concordam que a existência de tais sistemas “sombra” seja uma das principais concausas que favoreceram o desenvolvimento e a difusão global da recente crise econômico-financeira, iniciada nos Estados Unidos, com a crise dos empréstimos subprime no verão de 2007”.

“Exatamente de tal desígnio especulativo nutre-se o mundo das finanças offshore, que, mesmo oferencendo também outros serviços lícitos, mediante muitos e difusos canais de elusão fiscal, quando não de evasão e de lavagem de dinheiro fruto do crime, constitui um ulterior empobrecimento do normal sistema de produção e distribuição de bens e de serviços. É árduo distinguir se muitas de tais situações dêem vida a casos de imoralidade próxima ou imediata: certamente é evidente que tais realidades, do momento em que tiram injustamente a linfa vital da economia real, dificilmente podem encontrar uma legitimação, seja do ponto de vista ético, seja do ponto de vista da eficiência global do sistema econômico mesmo”.

“Na segunda metade do século passado, nasce o mercado offshore dos eurodólares, lugar financeiro de trocas fora de qualquer quadro normativo oficial. Mercado que, a partir de um importante país europeu, difundiu-se em outros países do mundo, dando lugar a uma verdadeira e própria rede financeira alternativa ao sistema financeiro oficial e às jurisdições que o protegiam” (III. Algumas pontualizações no contexto contemporâneo 29 e 30, nas “Considerações”).

Chegamos a uma delicada situação política. Os paraísos fiscais só existem porque Estados Nacionais os permitem, ou seja, admitem que os recursos deles oriundos possam transitar pelas suas economias. Ora, isto exige a frouxidão dos controles, a permissividade que gera corrupção e ilícitos de diversas ordens. Mas estes países são considerados democráticos. Percebemos, então, a profundidade do texto pontifício sobre as novas bases em que a sociedade deve estar assentada, especialmente a sociedade ocidental, do Atlântico Norte, onde mais se constatam estes procedimentos reprováveis.

Voltemos às “Considerações” em seu tópico Conclusão.

“Diante da imponência e difusão dos contemporâneos sistemas econômico-financeiros, poderemos ser tentados a cedermos ao cinismo e a pensar que com as nossas pobres forças podemos fazer bem pouco. Na realidade, cada um de nós pode fazer muito, especialmente se não permanece só.

“Numerosas associações provenientes da sociedade civil representam neste sentido uma reserva de consciência e de responsabilidade social das quais não podemos prescindir. Hoje, mais do que nunca, somos todos chamados a vigiar como sentinelas por uma vida de qualidade e a tornar-nos intérpretes de um novo protagonismo social, orientando a nossa ação na busca do bem comum e fundando-a sobre os sólidos princípios da solidariedade e da subsidiariedade.

“Cada gesto da nossa liberdade, mesmo que possa parecer frágil e insignificante, se verdadeiramente orientado para o bem autêntico, apoia-se Naquele que é o Senhor bom da história, e torna-se parte de uma positividade que supera as nossas pobres forças, unindo indissoluvelmente todos os atos de boa vontade em uma rede que liga céu e terra, verdadeiro instrumento de humanização do homem e do mundo. É disto que precisamos para viver bem e para nutrir uma esperança que seja à altura da nossa dignidade de pessoas humanas” (IV. Conclusão 34, nas “Considerações”).

Recente artigo ((Putin’s Lasting State) de Vladislav Surkov, assessor de Vladimir Putin, teve comentário do “Moon of Alabama” (A Nação Profunda da Rússia), traduzido por Vila Mandinga, de onde retirei um trecho para meu comentário.

A ideologia que se espalha hoje, no Planeta, é a neoliberal. “Moon of Alabama” sintetiza um pensamento de Surkov: “há muito tempo a Rússia alerta contra os perigos da globalização e neoliberalização comandadas pelos EUA que tenta pôr fim ao estado-nação”. Acabamos de ver, no documento do Papa, a necessidade do Estado para por freio às iniquidades do sistema financeiro internacional.

E, como é óbvio, não será um Estado Mundial, mas Estados-Nações que poderão se desincumbir do desafio enorme que é enfrentar o poderoso sistema. Não é outra a motivação das campanhas pelo Estado Mínimo, pelas privatizações, reformas que retiram recursos dos Estados, quer pela redução do trabalho e da produção, quer pela transferência de encargos próprios dos Estados, como a execução tributária, transferindo-a por artifícios jurídicos, como a securitização, para empresas financeiras privadas.

Estas Considerações são oportunas e merecem aprofundamento de católicos e não católicos pois tratam da vida e felicidade do ser humano.

Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado

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