A AEPET entrevista Guilherme Estrella, geólogo aposentado da Petrobrás que ocupou a Gerência Executiva do Cenpes e a Diretoria de Exploração e Produção (E&P). Estrella foi o Diretor que liderou o E&P quando a Petrobrás encontrou o pré-sal. O geólogo falou sobre a organização do Cenpes na reestruturação da Petrobrás
1. Qual a importância do modelo de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia Básica (PD&E) adotado pelo Cenpes? Como você avalia os resultados históricos e a importância do modelo PD&E para o futuro da Petrobrás?
2. A Petrobrás está reorganizando sua estrutura corporativa. O objetivo seria reduzir a complexidade, o custo de overhead gerencial e obter ganhos de eficiência. Uma das alternativas resulta na desintegração do Cenpes, com as Engenharias Básicas sendo incorporadas à Engenharia. Como você avalia esta opção?
GUILHERME ESTRELLA: Prefiro responder conjuntamente as 2 perguntas pois estão entrelaçadas e focam num mesmo ponto.
As questões levantadas concentram-se no conceito básico do que se denomina “gestão estratégica” dentro de um sistema de produção industrial.
Ainda que, em termos gerais, originado há mais de 500 anos com a criação, no século xv, pelo governo português, da estrutura organizacional a que chamaram “escola de sagres” – cujos resultados todos conhecem – mesmo nos dias atuais empresas industriais, incluíndo grandes organizações, demonstram alguma dificuldade em aceitar e mais ainda implantar o modelo de sagres, respeitadas todas as diferenças culturais, políticas e civilizatórias que nos separam daqueles tempos.
A gestão estratégica tem como ponto de partida a visão mais clara possível das necessidades de uma empresa para construir bases de conhecimento e competência para planejar, projetar, construir, operar, modificar e inovar sempre processos e sistemas produtivos industriais. De modo a garantir permanente sustentabilidade em seus negócios centrais e crescente competitividade no ambiente industrial em que atua.
Afloram neste contexto fatores imprescindíveis – e que estavam indiscutivelmente inseridos e praticados no modelo sagres: a visão de longo prazo e – ainda que àquela época de forma intuitiva – um claro entendimento do que é o pano de fundo da gestão estratégica: a capacitação tecnológica.
O “negócio” do petróleo e do gás natural é certamente – dentre todas as atividades industriais que a humanidade desenvolve – uma das que mais dependem da gestão estratégica e, consequentemente, do desenvolvimento tecnológico endógeno. A causa disto é o nível muito elevado do conjunto de imprevisibilidades que caracteriza o setor, tanto no montante como no jusante, como todos sabemos.
A Petrobrás tem uma história muito exitosa de implantação da gestão estratégica e das atividades de desenvolvimento tecnológico, reconhecida internacionalmente até pelo indiscutível sucesso industrial alcançado ao longo de sua existência, centrado na colocação à disposição da nação brasileira de recursos energéticos e de matéria prima petroqúimica e de fertizizantes que fornecem ao nosso país a soberania e a autodeterminação, a longo prazo, destes insumos fundamentais para o desenvolvimento nacional.
Mas esta não foi uma história estéril de conflitos e disputas por poder e prestígio internos à empresa, causados basicamente pelo não entendimento integral do próprio conceito de tecnologia.
Atingimos finalmente a implantação da gestão estratégica e tecnológica plena da companhia com a criação, no Cenpes, da área da engenharia básica, primeiro do refino e depois do E&P. O “E” de engenharia básica foi finalmente adicionado ao “P&D” na desgnação das atividades do Cenpes.
A razão disto é que consiste, se materializa efetivamente no projeto básico todo o conjunto de conhecimentos científicos e competências operacionais do sistema industrial em que a empresa atua, a ter como único objetivo o atendimento das necessidades do refino e do E&P e da petroquímica para produzirmos e refinarmos todo o petróleo e gás natural que produzimos.
Nesta realidade torna-se indispensável um feito difícil de ser conseguido nas grandes organizações – inclusive muitas empresas petrolíferas: o modelo de “gestão compartilhada”, aplicado ao Cenpes desde meados da década de 80, depois, como disse, de muita disputa interna, e que consiste no planejamento completamente integrado das atividades do Cenpes com os chamados órgãos operacionais – órgãos que vão efetivamente operar as tecnologias – do E&P, do refino e da petroqúimica. Operamos desta forma um enriquecedor processo de “feed-back” contínuo aos projetos básicos na medida em que dificuldades ou novos desafios e necessidades operacionais são trazidos aos projetistas do Cenpes que por sua vez introduzem nos novos projetos as inovações/avanços destinados a superá-los. É neste momento que surge como imperativa a junção da engenharia básica com o “P&D”, integralizando-se então o conceito de P,D&E e de tecnologia.
Esquartejar esta integração – sob qualquer argumento – é desconhecer um modelo de gestão universalmente reconhecido.
Importante dizer que a Petrobrás, neste quesito, como em muitos outros, é reconhecida no setor petrolífero mundial de maneira referencial. E é igualmente opinião unânime, em toda a indústria, que o grande sucesso industrial da Petrobrás deve-se à gestão compartilhada Cenpes/órgãos operacionais que a empresa pratica.
Prova deste fato são as constantes premiações internacionais concedidas à Petrobrás nas últimas décadas, na dimensão das inovações tecnológicas.
Aqui cabem também – por ser parte das perguntas – algumas considerações sobre a área de serviços da Petrobrás, onde se aloja a atividade chamada de engenharia.
É preciso que tenhamos em conta que à engenharia dos serviços é atribuída uma tarefa magna: tendo em mãos os projetos básicos oriundos do Cenpes e elaborados em completa integração com os órgãos operacionais (para algumas áreas ainda não fazemos, temos adquirir fora), contratar, comprar equipamentos, fiscalizar e acompanhar as atividades de construção , montagem ou ampliação/adaptação das instalações que compõem o gigantesco e complexo sistema industrial da Petrobrás, com foco na qualidade, nos prazos e nos custos destes empreendimentos.
Ao mesmo tempo, conduzir iniciativas – hoje com importantes oportunidades de muito crescerem – que visem o desenvolvimento de fornecedores brasileiros dos materiais e equipamentos empregados nas nossas instalações industriais, na medida em que as imensas oportunidades trazidas ao brasil pelas atividades da Petrobrás sejam efetivamente aproveitadas por empresas nacionais e, em consequência disto, alavancar o desenvolvimento da engenharia genuinamente brasileira e a permanente criação de empregos cada vez mais qualificados para a sociedade de nosso país.
Estas atividades – repito da maior importância para a Petrobrás – exibem ligação periférica, não essencial com os aspectos tecnológicos centrais do sistema industrial produtivo operado pela Petrobrás.
Considero portanto que transferir a engenharia básica do Cenpes para a área de serviços é decisão que não encontra qualquer sustentação, tanto no campo conceitual do desenvolvimento/inovação tecnológica endógeno da Petrobrás tampouco no aspecto das atribuições específicas e fundamentais da engenharia-serviços.
Será um formidável salto para trás, um monumental retrocesso que certamente trará risco para a trajetória de extraordinário e como tal mundialmente reconhecido êxito nas atividades fins da companhia.