Não é de hoje que as principais correntes teóricas da ciência econômica – clássica e heterodoxa – divergem quanto à dinâmica de funcionamento de uma economia capitalista. Em recente artigo veiculo pelo jornal Folha de São Paulo, Luiz Gonzaga Belluzzo e Pedro Paulo Zaluth Bastos expõem essas diferenças: “[A teoria neoclássica] herda a previsão feita por Adam Smith e radicalizada pelo modelo de equilíbrio geral que, mantidos livres em sua interação, os indivíduos alcançariam um equilíbrio estável e maximizador, orientados pelo sistema de preços para alocar recursos escassos. (…) Ao invés de reduzir a ação a um indivíduo representativo, [na teoria heterodoxa] os indivíduos são classificados e posicionados em uma estrutura que os divide como sujeitos sociais cuja harmonia não pode ser pressuposta: trabalhadores e capitalistas, empresários, banqueiros e rentistas. A estrutura é assimétrica pois certos indivíduos controlam a riqueza, mas é mutável e interage com as estratégias de organizações empresariais, classes e grupos sociais, Estados e sistemas econômicos nacionais que têm poder desigual e que não podem ser previstas”.
A partir dessas premissas, cada uma das teorias enxerga o horizonte temporal de modo completamente distinto: para a teoria neoclássica, se os agentes econômicos tiverem plena liberdade para realizar alocações de recursos, a economia tende ao equilíbrio no longo prazo, enquanto que para a teoria heterodoxa, a estrutura assimétrica e incerta da economia capitalista, num cenário de ausência de coordenação, pode gerar longos períodos de depressão econômica.
A atual estratégia para a condução do setor de petróleo, confeccionada pelo governo Temer, materializa essa divergência entre a visão neoclássica e heterodoxa. Entre 2003 e 2014, principalmente até 2011, a política do setor petrolífero seguiu uma visão mais heterodoxa privilegiando um conjunto de ações para fortalecer e integrar uma série de cadeias da indústria nacional – metal-mecânica, naval, petroquímico, biocombustíveis etc. – utilizando a Petrobras como o principal agente indutor dessas ações. Nesse sentido, a política de conteúdo nacional, a transformação da empresa numa companhia fortemente verticalizada de energia e a forte expansão dos investimentos foram aspectos fundamentais para a consecução dessa estratégia. Junto dessa política, encontra-se também uma mudança na regulação do setor com a criação de novas regras de exploração e produção, principalmente após a descoberta do pré-sal.
A descoberta do pré-sal em 2007 foi considerada uma das ações estratégicas mais importantes do setor petrolífero, apenas uma das reservas, a de Libra, anunciada em 2010, tinha volume superior à de todas as reservas brasileiras de petróleo à época. O pré-sal foi recebido pelo governo Lula como um elemento fundamental para a soberania do país, e a lei que regulamentou sua exploração determinava que os royalties (compensação financeira paga pelos produtores em troca do direito à extração do petróleo) deveriam ser investidos em educação e saúde. De acordo com a regra vigente até hoje todos os poços do pré-sal devem ser explorados obrigatoriamente sob a liderança da Petrobrás, que deve atuar como operadora única.
Em suma, a nova legislação do setor e a atuação a Petrobras assumem um papel central para a geração de riqueza e articulação da economia nacional no longo prazo. Os investimentos de longuíssimo prazo e elevada diversificação da Petrobras permitem que a empresa exerça um papel contracíclico no longo prazo, isto é, por meio das diversas cadeias integradas de produção a empresa dinamiza diferentes setores da economia. Nesse cenário, cabe ressaltar que a existência de funding para o financiamento dessas cadeias é um instrumento complementar e fundamental para o sucesso dessa política. Além disso, a nova legislação do pré-sal permite que o Estado Nacional, em detrimento da lógica de curto prazo e fortemente direcionada pela maximização de ganhos do mercado, controle a forma de exploração deste recurso considerando a evolução do preço do petróleo, da demanda internacional entre outros, alem de gerar uma expansão da renda em outros setores. Assim, a exploração do pré-sal fica condicionada aos interesses de longo prazo ao invés da lógica de maximização curto prazista.
Com a gestão Temer-Parente, essa visão se altera profundamente. A lógica passa a ser exclusivamente de curto prazo, desprezando os desafios de longo prazo, a fim de atender dois objetivos: valorizar os ativos da empresa o mais rápido possível e gerar caixa para readequar os indicadores financeiros da companhia aos bons parâmetros estabelecidos pelo mercado. Em outras palavras, perde-se o sentido de olhar a Petrobras no longo prazo, uma vez que o sucesso financeiro de curto prazo levaria “naturalmente” ao êxito num período mais longo. Nesse sentido, duas ações ganham grande relevância: i) o desinvestimento de negócios menos rentáveis ou mais “afastados” do core da Petrobras e; ii) condução das políticas financeiras da empresas – determinação do preço do combustível e condução do grau de endividamento, por exemplo – alinhada às boas práticas do mercado. Outras duas iniciativas que complementam essa estratégia são o desarranjo da Petrobras como centro indutor da indústria e a mudança da legislação do pré-sal – que desobriga a participação da Petrobras no consorcio de exploração do pré-sal. Novamente, busca-se maximizar o retorno de curto prazo, ou seja, a Petrobras fica desobrigada de fomentar cadeias nacionais – mesmo que não seja financeiramente mais rentável no curto prazo – e a exploração do pré-sal passa a ser conduzida num ritmo mais acelerado dada a disponibilidade de recursos das empresas do setor.
Portanto, os desinvestimentos, a alteração do papel de indutor da Petrobras e a mudança de legislação do pré-sal compõem um mesmo pacote: valorização dos ativos no curto prazo e adequação da atuação da empresa e do setor petróleo as boas praticas de mercado. Com isso, ganha espaço uma visão de que todas as ações devem sinalizar ganhos de curto prazo e liberdade de atuação de qualquer agente econômico, independente do papel estratégico do setor.
Em suma, o que fica claro é que duas visões distintas estão em jogo: uma, que articula a Petrobras ao desenvolvimento estrutural de longo prazo e visa fortalecer os instrumentos internos para atenuar momentos de depressão da economia capitalista e, outra, que foca excessivamente no curto prazo a fim de gerar valor do setor e da Petrobras o mais rápido possível. A questão é: para a sociedade brasileira, qual a visão que mais adéqua aos desafios e necessidades colocados para o desenvolvimento nacional?
Publicado em 26/10/2016 em Jornal GGN.