Artigo

Deixando as digitais

Data da publicação: 26/05/2016

Não há nada de novo no mundo, exceto a história que não conhecemos. (Harry Truman)

Os que leram “Todos os homens do Xá”, de Stephen Kinzer (Bertrand Brasil, 2004), conheceram nas palavras de Kermit Roosevelt, agente da Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos da América (EUA), o passo a passo do golpe que tirou o primeiro-ministro Mohamed Mossadegh, em 1953, do Governo do Irã, para favorecer a empresa de petróleo Anglo-Iranian Oil Company.

Saltemos a História para 2010, quando os mesmos métodos foram usados na Tunísia para Revolução de Jasmin, dando partida às Primaveras Árabes, colocando até hoje em conflito o norte da África e o Oriente Médio com custo de milhões de vidas e refugiados.

No Brasil, este movimento com as idênticas ações descritas por Roosevelt começa em 2013. Agora já aperfeiçoadas nas experiências históricas, em todo mundo, por seis décadas. Não ficarei rememorando o que até a imprensa parcial prógolpista relata da Venezuela, do Equador, da Argentina, da Ucrânia e de outros países.

O ingrediente novo é a participação do Poder Judiciário, que no Brasil tem duas gestões independentes: da Magistratura e do Ministério Público. Em ambos segmentos a imprensa, o jornalismo investigativo e as revelações do WikiLeaks demonstraram a interligação dos interesses norteamericanos com judiciário neste golpe de maio/2016. A recente declaração do Porta Voz Mark Toner, da Casa Branca (EUA), nada mais fez do que confirmar todo este “mar de cumplicidade”, como dizia Leonel Brizola.

Mas vamos ao interesse econômico. Siga o dinheiro, como recomendava aos jornalistas do Washington Post o delator do Caso Watergate.
O mundo atual vê e sente o confronto entre o sistema financeiro internacional, que chamo a banca, e os BRICS, que além dos países da sigla engloba as nações que buscam seus desenvolvimentos econômico e social soberanos.

O instrumento da banca, para se apropriar dos ganhos dos demais agentes econômicos e promover a permanente concentração de renda, é a crise. Desde 1990, quando se instalou soberana no Atlântico Norte até hoje, listei nove “crises”: bolha japonesa (1990), sistema monetário europeu (1992), México (1994), Sudeste Asiático (1997), finanças na Rússia (1998), reeleição de FHC (1999), Ponto com, bolha da internet (2000), Argentina (2001) e o subprime americano de 2008. Pelas informações que nos chegam, a próxima crise deveria ocorrer já em 2016, na área do euro. Mas para a banca, a eleição de Hillary Clinton parece ser muito importante. Assim, a banca prefere se fortalecer com um “golpe brando” na economia brasileira, criando com ajuda inacreditável dos empresários locais uma crise que lhe dê recursos até a confirmação de sua candidata nos EUA.

As medidas econômicas e fiscais divulgadas pelo provisório governo, em 24 de maio, como se estivesse iniciando um mandato de quatro anos, com apoio do voto popular, são as digitais da banca no golpe brasileiro. Como no Caso Mossadegh, a preparação do golpe objetivava um interesse econômico subjacente. Lá o petróleo, aqui as finanças que hoje dominam até mesmo o petróleo.

Vejamos cada uma dessas medidas.

Emenda para limitar gastos públicos. Todas as economias, inclusive as desenvolvidas, só crescem com os aportes das verbas públicas. São o elevado percentual dos gastos públicos em pesquisa e desenvolvimento que dão a posição de vanguarda dos EUA (NASA, comunicação virtual, armamento etc). Da mesma forma são os gastos públicos que ergueram e sustentam o progresso da Alemanha. Basta consultar as estatísticas destes países para ter a confirmação. Esta medida colonizadora procura nos manter em permanente dependência diante das nações chamadas desenvolvidas, que prefiro chamar coloniais. Absolutamente condizente com os interesses da banca pois os gastos para o desenvolvimento serão transformados em pagamentos financeiros.

Extinção do Fundo Soberano. Se tivéssemos um país politicamente amadurecido, jamais um governante, mesmo provisório, teria a desfaçatez de colocar para pagamento de juros os recursos para educação e saúde do povo. Este valor está acumulado, segundo o provisório ministro, em R$ 2 bilhões.

Devolução de R$ 100 bilhões ao Tesouro pelo BNDES. Apenas uma FIESP rentista e empresários comprometidos com o golpe não se manifestam nesta troca do dinheiro dos investimentos na indústria e logística pelo pagamento à banca.

Reforma da Previdência. O déficit da Previdência Social no Brasil é dos mitos que cercam várias “verdades” econômicas. De tanto repetidas lembram a máxima: caluniai, caluniai, sempre fica alguma coisa. É evidente que a mudança no próprio trabalho, a extinção e criação de novas ocupações, os progressos da medicina e a melhoria nas condições de vida devem refletir na previdência social. Mas não pode ser uma decisão tecnocrática, ainda mais de um provisório governo, tal medida, no mínimo, deve ser alvo de plebiscito ou referendo popular. Mas a banca tem outras exigências e este golpe já se comprometeu visivelmente.

Compõem ainda esta ponte para o futuro (!), a entrega do pré-sal às empresas estrangeiras e os critérios para escolha de diretores dos fundos de pensão da estatais, ou seja, os que passarão a aplicar conforme determinação da banca. O escândalo da entrega do pré-sal é tão ignominioso que mereceria corte marcial. Mas deixo aos competentes artigos e conferências de Guilherme Estrella, o descobridor do pré-sal, e à AEPET (Associação de Engenheiros de Petróleo da Petrobrás) esta demonstração.

Embutido em todo este conjunto está a redução dos gastos em saúde e educação. O professor Otaviano Helene, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), em artigo no Le Monde Diplomatique, afirma: “não financiar adequadamente a educação é uma forma de construir hoje o atraso do futuro”.