Artigo

Os donos do mundo

Data da publicação: 26/01/2016

Na antevéspera do Fórum Econômico Mundial de Davos, a organização não governamental britânica Oxfam, conhecida por sua preocupação com a fome nas regiões mais atrasadas de todos os continentes, divulgou um relatório, dirigido sobretudo ao FMI, ao Banco Mundial e demais participantes do Fórum, entre os quais cerca de 50 chefes de Estado ou de Governo, sobre o agravamento da desigualdade no mundo.

O relatório, com números dramáticos, escandalosos e vergonhosos, teve seu quarto de hora de notoriedade na mídia.

Segundo a Oxfam, metade da riqueza do mundo pertence a menos de 70 pessoas, num planeta que já tem  uma população de mais de 7 bilhões de seres humanos. São apenas 62 esses donos do mundo, numa concentração e desigualdade sem precedentes e, pelo menos a longo prazo, suicida. Em termos menos dramáticos, o aumento da desigualdade e da concentração de renda foi objeto, há poucos anos, do livro já clássico de Thomas Piketty O Capital no Século 21. O relatório da Oxfam, muito mencionado nos telejornais, levou esses fatos ao conhecimento de mais de mil vezes os leitores de Piketty e a muitos deve ter sugerido que não estava muito longe da verdade aquele filósofo e economista alemão do século  19, Karl Marx, quando apontava a contradição mortal entre o caráter coletivo da produção, nas sociedades capitalistas, e o caráter individual da apropriação.

As ideias de Marx foram o insumo teórico de grandes revoluções do século 20, como a russa e a chinesa, e também contribuíram decisivamente para que um socialismo reformista mudasse a fisionomia do capitalismo em todo o mundo. Na época, porém, nem todos perceberam o potencial dos livros de Marx, sobretudo O Capital. Pode não ser verdade, mas a história registra que em censor da polícia tzarista, chamado a opinar sobre o perigo e o caráter subversivo do livro,  liberou sua circulação na Rússia, com uma reação desdenhosa:

– Imagine, quem é que vai entender esse alemão tão complicado?

Neste século 21, Piketty e o relatório da Oxfam, também não tiveram problemas com a censura e nem mesmo com a autocensura da grande mídia, embora esta no Brasil de 2016 tenha o cuidado de ouvir quase só economistas e empresários do setor financeiro, negando espaço até a empresários dos setores produtivos e a economistas e políticos que costumam reclamar contra submissão do setor industrial aos tentáculos do setor financeiro e contra a desindustrialização  do país e sua reconversão a uma economia exportadora de produtos primários, hoje glamourizados sob a denominação de commodities.

Voltando, porém, ao relatório da Oxfam, a lista dos 62 donos do mundo, ou, mais precisamente, de metade da riqueza produzida por uma população de 7 bilhões de pessoas, ela revela outra forma de concentração e, portanto, de desigualdade: a concentração regional, contrastando com as proclamadas vantagens  da globalização.

Dos 62, nada menos de 29 são dos Estados Unidos, sendo que entre os 5 maiores os Estados Unidos contam com  3 (Bill Gates, da Microsoft, 79 bilhões de dólares; Warren Buffet, 72  e  Larry Elson, da Oracle, 54 bi). Entre os 10 maiores, 7 são dos Estados Unidos; e entre 15, nada menos de 11.

Em compensação, 9 são da China, um país governado pelo Partido Comunista, mas que converteu ao capitalismo boa parte de sua economia. (Desses 9, 3 são de Hong Kong, ex-colônia da Inglaterra, que a China retomou sem mexer muito em sua economia capitalista. Por falar em Inglaterra, ela não tem nenhum dos 62, o que ninguém ainda explicou.) A China, a propósito, já é a segunda economia do mundo e não demora muito a tornar-se a primeira, ultrapassando os Estados Unidos.

O terceiro país com mais integrantes no grupo dos 62 é a Alemanha, com 6, seguida da França e da India, com 3 cada. Depois vêm o Brasil, com 2, Jorge Paulo Lemann (bebidas, 25 bi) e Joseph Safra (setor financeiro, 17 bi) e afinal os países com apenas um integrante dos 62: Japão, Espanha, Itália, Rússia, Canadá, Arábia Saudita, Irlanda, Suécia e México.

É no mínimo curioso que países como o Japão, pela riqueza, e a Rússia, pelo tamanho, tenham apenas um superbilionário entre os 62, enquanto o Brasil, com mais tamanho que riqueza, tem  dois. No Brasil a concentração será maior? Mas o caso mais curioso é o do México, que tem apenas um na lista, Carlos Slim (telecomunicações). Esse um, em compensação, é o segundo dos 62, com  77 bilhões, logo depois de Bill Gates e antes de Warren Buffet.

Assim como praticamente todos os outros, se não todos eles, Slim tem negócios em muitos países. No Brasil da época das privatizações, comprou a Embratel. Nos Estados Unidos foi notícia de destaque porque salvou o New York Times de uma crise que poderia resultar em falência com um empréstimo se não me engano de 400 milhões de dólares, conversível em ações.

Mas o México é uma extravagância na paisagem do arrastão neoliberal e da globalização. Quando terminou o governo de Carlos Salinas de Gortari, que privatizara tudo que  lhe tinha sido possível, o Wall Stret Journal fez um balanço desses seis anos o concluiu, bem no estilo Wall Street, que a maior façanha de Salinas fora um upgrade no ranking da riqueza mexicana. O México tinha antes apenas dois bilionários e passou a ter 13. Como não  houve nesse período qualquer crescimento significativo do PIB mexicano, os 11 novos bilionários só pedem ter alcançado esse status graças a um processo de concentração de renda, quebrando e comprando outras empresas (e tornando mais pobres alguns pobres milionários) e também arrematando estatais em leilões fajutos de privatização.