Artigo

O impeachment e o fator Al Capone

Data da publicação: 14/12/2015

Ninguém está mais longe que a Presidente Dilma Rousseff de qualquer associação de ideias com o gangster Al Capone, o mais famoso chefão do crime organizado nos Estados Unidos do século passado. Mas, como aconteceu ao gangster, seu governo está sujeito a ser condenado por uma razão diferente daquela pelo qual vem sendo julgado.

A lei só alcançou, enjaulou e condenou Al Capone por problemas com o imposto e renda, não pelos muitos crimes de morte e outros atos de violência que cometera ou mandara cometer. O governo Dilma é acusado e pode ser condenado, na Câmara e no Senado, pela prática das tais pedaladas fiscais. Mas não é por isso que está sendo avaliado e julgado pela opinião pública e, em função dela, por grande parte do Congresso.

As pesquisas já reduziram o apoio popular ao governo a menos de 10% e a cada dia são piores as notícias sobre o desempenho da economia e as revelações da Operação Lava Jato e investigações correlatas. A Presidente não foi, não é e com certeza não será acusada de qualquer malfeito (para usar a palavra a que ela própria deu curso) nem nos episódios objeto dessas investigações, nem em qualquer outro, e sua integridade é proclamada até por um adversário como o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas seu governo foi atingido, talvez mortalmente, pela revelação e até pela confissão da pilhagem bilionária a que foi sujeita a Petrobrás pela ação de alguns de seus ex-diretores.

A decepção popular resultante desse escândalo aumenta a cada dia pela divulgação de notícias sempre piores sobre e economia. Já passa de 3% a recessão deste ano, isto é o empobrecimento ainda maior dos brasileiros mais pobres (os mais ricos estão bem protegidos. O lucro dos bancos nunca foi tão grande, mas as empresas do setor produtivo enfrentam dificuldades enormes. A recessão do próximo ano está fadada a ser pior ainda, a inflação já chegou aos 10%, o desemprego aproxima-se dos dois dígitos e o desemprego dos jovens foi a 20%. Até a política mais eficaz de redistribuição de renda da era Lula – o reajuste do salário-mínimo acima da inflação – entrou em colapso, mais por causa da recessão que em consequência da inflação: os últimos acordos salariais negociados pelos sindicatos têm ficado, na maioria, abaixo da inflação.

Na década de 50 do século passado, o segundo governo de Getúlio Vargas sofreu dois pedidos de impeachment, sob alegação parecida, a abertura de créditos sem cobertura orçamentária. Os dois pedidos foram facilmente rejeitados na Câmara, porque não havia clima político nem apoio popular ao impeachment: o salário-mínimo aproximava-se dos 500 dólares, a Petrobrás começava a sair do papel, como a maior promessa de nossa independência econômica, e o Brasil era o país que mais crescia no mundo. Hoje o clima é o oposto e as pesquisas dizem que a maioria dos brasileiros ou admite o impeachment ou é favorável a ele.

A Presidente iniciou, tardiamente, timidamente a talvez desajeitadamente, como é de seu temperamento, uma operação de boa vizinhança em busca de apoio para o governo. No primeiro ato dessa operação, ela recebeu em um jantar o ex-Ministro Ciro Gomes, que foi duas vezes candidato a Presidente e é candidato à eleição de 2018.

Ciro sugeriu à Presidente que adote, na área econômica, alguma medida capaz, como disse, de “dar alento” ao povo. Esse conselho já devia ter sido dado há muito tempo à Presidente, por seus ministros ou por ela mesma, porque o quadro econômico deste momento é desmobilizador de qualquer apoio popular ao governo. Mas além de não surgir qualquer alento, o Ministro da Fazenda Joaquim Levy só abre a boca para oferecer novas razões de desalento.

No Congresso, ainda agora, o relator do orçamento de 2016, deputado Ricardo Barros, do PP, um partido da base do governo, que tem ministros nele, reafirma que vai cortar 35% dos recursos do Bolsa Família, que garantiu à Presidente sua eleição e sua reeleição. Sem falar em seus méritos indiscutíveis, o Bolsa Família é baratíssimo, é quase nada, diante dos juros cada vez mais altos da dívida pública, juros que o Banco Central considera necessário aumentar de novo e que, a cada ponto percentual de majoração, custam mais 8 bilhões ao governo.

Ciro Gomes deve saber do que está falando, quando sugere medidas que possam dar alento ao povo. Ele foi Ministro da Fazenda na época do Plano Real, no governo do Presidente Itamar Franco. E deixou claro, recentemente, que não aceitou no passado e não aceitará no futuro qualquer contribuição financeira dos bancos a sua candidatura presidencial. O Ministro Levy, queira ou não queira, é um homem dos bancos, e só foi feito ministro porque o preferido, Luís Carlos Trabucco, não foi liberado pelo Bradesco, do qual é presidente.

Diante da ameaça de impeachment, a Presidente tem dito repetidamente que seu mandato é legítimo e que não cometeu qualquer ilegalidade. Isso não basta. Para garantir permanência no poder, ela precisa de alguma espécie de esperança coletiva, que o país tenha algo mais que o respeito pela legalidade constitucional para mobilizar-se em defesa de seu governo.