Artigo

O Pré-Sal e o perigo Putin

Data da publicação: 11/08/2015

A prisão surpreendente do Almirante Othon Pinheiro, na abertura de nova frente da Operação Lavajato, suscitou a mesmo tempo dois saudáveis debates, um sobre a própria prisão e outro, muito oportuno, sobre problemas de defesa que o Brasil tem negligenciado.

A grande mídia demorou a descobrir que o preso Othon Luís Pinheiro da Silva era o Almirante Othon, e mais ainda para dizer que o Almirante, enquanto no serviço ativo, foi o cérebro e grande executivo do programa nuclear da Marinha. Para todos os efeitos, ele era apenas o presidente da Eletronuclear, responsável pela construção da Usina de Angra 3.

Não se poderia querer que o juiz Sérgio Moro e os procuradores encarregados de acompanhar as investigações soubessem da participação e liderança do Almirante Othon no programa nuclear da Marinha, cuja prioridade é a construção de nosso primeiro submarino nuclear. Mas a Abin, Agência Brasileira de Informações, sucessora não policial do SNI, não tinha como não saber disso, nem que as investigações da Lavajato chegavam às empresas do setor elétrico e privilegiavam (mera coincidência?) a Eletronuclear.

Como todo e qualquer programa nuclear no mundo tem áreas secretas, qualquer investigação sobre uma empresa como a Eletronuclear deveria ser sigilosa. Por muito menos correm em segredo de justiça muitos procedimentos ligados à Lavajato. Mas houve a cautela de prenderem o Almirante num quartel do Exército em Curitiba – cautela talvez provocada por ele próprio…

Além de outros segredos, o Almirante conhece os de um processo de enriquecimento de urânio por centrifugação, parece que concebido e parcialmente desenvolvido por ele. Em negociações ocorridas há alguns anos, o Brasil foi muito pressionado a abrir a observadores estrangeiros as instalações e equipamentos utilizados nesse processo, o que, felizmente, não foi permitido.

As acusações ao Almirante são muito menores que as que pesam sobre todos os outros presos e, dada a natureza secreta de muitas de suas responsabilidades, talvez se refiram a fatos nada delituosos. Por isso, seu caso, ainda que ele tenha cedido a alguma tentação, não poderia ser conduzido de cambulhada com os outros.

Conheci pessoalmente o Almirante Othon ao realizar com ele, anos atrás, um programa de televisão, o “Debate Brasil”, da AEPET, e tive a melhor impressão dele, não só um cientista competentíssimo como – coisa cada vez mais rara e urgentemente necessária em nossos dias – um patriota.

O caso particular do Almirante Othon nos conduz à questão mais ampla de nossas necessidades de defesa.

Não é por capricho ou por ambições militaristas e corporativas que a Marinha empreendeu, há anos, e mantém vivo apesar de todas as carências e dificuldades, o projeto do submarino nuclear. Em primeiro lugar, é bom esclarecer, um submarino nuclear não é um submarino carregado de bombas atômicas: é apenas um submarino tracionado por energia nuclear, cujos motores são uma versão miniaturizada de usinas como as de Angra.

Um submarino com essa disponibilidade de energia pode permanecer por muito tempo, ininterruptamente, em baixo d’água, percorrendo em altas velocidades distâncias muito maiores que as acessíveis aos submarinos convencionais. Já os submarinos convencionais brasileiros não são bem submarinos, são submersíveis, que precisam de frequentes subidas à tona d’água e levariam uma eternidade para percorrer, por exemplo, a rota entre a área do Pré Sal e área da Bacia de Campos, rota prioritária de defesa da zona econômica exclusiva do Brasil no Oceano Atlântico. Um único submarino nuclear poderá realizar o trabalho de patrulhamento de muitos submarinos convencionais. E a frota brasileira destes dispõe no momento de um único submarino operacional.

A prisão do Almirante Othon possibilitou, paradoxalmente, um programa de TV no canal Globonews, que sem ela poderia não acontecer, por falta de público. Nesse programa, conduzido por William Wack, o jornalista Roberto Godoy, de O Estado de S. Paulo, há muitos anos especializado em questões de defesa, lembrou a desproteção absoluta da área do Pré Sal e uma hipótese menos dramática que a de sua ocupação militar por forças de outro país: a hipótese de alguma empresa estrangeira mandar para lá um navio sonda que se instale em área próxima à dos navios da Petrobrás, com a certeza de que ali encontrará petróleo.

Mas a hipótese mais dramática foi suscitada pelo professor Gustavo Heck, da Escola Superior de Guerra. Há pouco tempo, disse ele, o Presidente Vladimir Putin anunciou a reformulação da doutrina naval da Rússia. Pela nova doutrina, as prioridades navais russas passam a ser o Oceano Ártico e o Atlântico (e não, curiosamente, o Pacífico, a cujas águas chega o território da Rússia). Isso significa, pelo que podemos deduzir do raciocínio do professor, que a Rússia está de olho também no Atlântico Sul e, portanto, no Pré Sal.

Até hoje muita gente no Brasil supunha que a maior ameaça ao Pré Sal eram os americanos. Mas o Presidente Obama foi o primeiro Presidente dos Estados Unidos desde Jimmy Carter, há quarenta anos, a não intervir militarmente em qualquer país. Obama, indiscutivelmente, é do bem. Já o russo Putin…