Artigo

A última campanha de Obama

Data da publicação: 22/04/2015

Depois de seu encontro no Panamá com Raul Castro, o Presidente Barack Obama consumou a decisão de retirar Cuba da relação de países que os Estados Unidos consideram patrocinadores, financiadores e protetores do terrorismo. Com isso, Cuba começa a livrar-se das sanções econômicas que sofre há mais de cinquenta anos, por imposição em alguns casos do governo, em outros do Congresso dos Estados Unidos. Mas ainda está longe de livrar-se do embargo propriamente dito, que só o Congresso (não Obama) pode revogar – e o novo Congresso, eleito em novembro do ano passado e dominado pela maioria republicana mais reacionária das últimas décadas, não tem a menor disposição de revogar.

O encontro de Obama com Raul Castro liberou a mídia brasileira para começar a mostrar o cotidiano de Cuba e, com isso, os absurdos do embargo e das outras sanções. Num ótimo programa de Sônia Bridi, a Globonews ouviu, por exemplo, a palavra do Arcebispo católico de Havana, D. Jaime Ortega, falando das dificuldades que a Igreja enfrenta ainda hoje, decorrentes não de pressões ou da perseguição do governo cubano, mas das proibições impostas pelo embargo.

O governo cubano não impede que a Igreja receba dinheiro do estrangeiro, mas o embargo impede. Assim, remessas de dinheiro provenientes do exterior (doações, por exemplo) são devolvidas aos remetentes, não entram em Cuba. Como nem o mais tolo dos histéricos fundamentalistas do anticomunismo consegue ver na Igreja um instrumento do comunismo internacional, esse zumbi, esse morto vivo que só continua a existir na cabeça de dementes dos mais desvairados, o que acontece hoje é que as sanções econômicas impedem que a Igreja realize boa parte de sua atividade anticomunista em Cuba. Em outras palavras, as sanções, nesse caso, favorecem o comunismo.

As relações entre a Igreja Católica e o governo cubano são, no mínimo, toleráveis há muito tempo, e Cuba foi visitada pelo Papa João Paulo II, por acaso (e também por ser um católico polonês visceralmente anticomunista) um dos mais bem-sucedidos responsáveis pela queda dos regimes comunistas de sua Polônia natal e da União Soviética e seu império europeu. Algum cínico chegou a dizer na época que João Paulo II e a rede MacDonald’s de fast food foram muito mais competentes que a CIA no desmonte do poder soviético.

O Brasil teve papel importante na acomodação das relações entre a Igreja e Cuba em 1961, apenas dois anos depois da instauração do governo de Fidel Castro. Alguns padres espanhóis e um bispo estavam presos em Havana, acusados de atividades contrarrevolucionárias e sujeitos ao fuzilamento, quando o Núncio Apostólico em Brasília, D. Aloisio Masella, transmitiu ao Presidente Jânio Quadros um apelo do Papa João XXIII para que intercedesse por eles. Jânio tinha as melhores relações com o governo cubano. Visitara Cuba antes de eleito, protestara furiosamente contra a invasão de Cuba pelos Estados Unidos meses antes e com isso impedira que a ação norte-americana tivesse qualquer apoio significativo na América Latina, o que foi uma das razões pelas quais o Presidente John Kennedy decidiu desistir da invasão e retirar as forças invasoras.

Jânio aceitou o apelo do Papa e transmitiu-o como pedido pessoal seu a Che Guevara, Ministro das Indústrias de Cuba e o segundo homem mais poderoso da revolução cubana, que nesses dias chegou a Brasília. Che Guevara, apesar de ser visto mesmo pelos admiradores como o mais rigoroso dos companheiros de Fidel Castro e pelos inimigos como o mais implacável e sanguinário, aceitou o pedido do Papa e de Jânio e prometeu empenhar-se pessoalmente junto a Fidel para salvar a vida dos sacerdotes. Jânio, então, condecorou Guevara com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, o que, aliás, teria de fazer de qualquer maneira, por ser Guevara um ministro estrangeiro em visita ao Brasil. No Brasil, a oposição não perdoou Jânio e desencadeou a crise política que o levaria à renúncia dias depois.

Em certo sentido, Obama enfrenta hoje o mesmo tipo de reação intolerante e absurda que Jânio Quadros enfrentou no Brasil em 1961. Se dependesse de Obama, os Estados Unidos revogariam o embargo que pesa sobre Cuba. Mas isso depende do Congresso e o Congresso é dominado pela maioria republicana e conservadora, e esta se recusa a reconhecer que o embargo não tem hoje, se é que teve algum dia, o menor sentido.

Ao retirar Cuba da lista dos países que patrocinam o terrorismo, Obama não só deixou marcada sua posição pessoal, esclarecida e generosa, como levou o Congresso à situação desconfortável de converter-se no último baluarte do obcurantismo nos Estados Unidos. No próximo ano haverá eleições presidenciais e para o Congresso nos Estados Unidos. Obama, Presidente duas vezes, eleito em 2008 e reeleito em 2012, não pode mais ser candidato a coisa nenhuma. Mas pode mudar a história corrente dos Estados Unidos. Sua última campanha já está em curso: para eleger um novo Presidente democrata, que pode ser a primeira Presidente mulher, Hillary Clinton, e um Congresso mais afinado com a ideia de que um país grande precisa ser também um grande país. O que os Estados Unidos já foram.