A mídia ainda não falou deles, nem sabe o que são. Mas Fernando Siqueira já os criticou em assembleias gerais de acionistas da Petrobrás, como representante de um pequeno mas atento e indomável acionista, a AEPET.
São contratos EPC (Engineering, Procurement, Construction), que concentram na mesma empresa ou cartel vencedor de uma licitação as três dimensões de um projeto: a engenharia, o fornecimento e a construção. Eles, em primeiro lugar, marginalizam o admirável corpo técnico da Petrobrás e transferem o controle de cada projeto às empresas nele interessadas, E aplainaram o caminho para os malfeitos, na verdade crimes gigantescos, que já determinaram a prisão de dois ex-diretores da Petrobrás e vários diretores de empreiteiras e motivaram um festival de delações premiadas.
Antes desses contratos, era raro um diretor da Petrobrás desconsiderar o parecer dos engenheiros da empresa e isso barrava a maioria das fraudes, ou melhor, impunha de saída limites intransponíveis às malandragens. Hoje temos atrás das grades um ex-diretor, Paulo Roberto Costa, que se ofereceu para devolver um monte de dinheiro roubado (70 milhões de dólares ou estou sofrendo de alucinações?) e ainda se diz, em acareação numa CPI, enojado com as imposições políticas que teve de aguentar.
Ora, esse ex-diretor só foi feito diretor para fazer o que fez, cobrar um pedágio colossal pelos crimes que praticou em benefício de empreiteiras e de grupos políticos que impuseram sua nomeação. Ele diz agora que deixou de ser diretor por iniciativa própria, voluntariamente, enojado com o que via – só que o que via era o que ele próprio fazia. Na verdade ele foi posto delicadamente para fora, mas o Conselho de Administração da Petrobrás registrou em ata os maiores agradecimentos pelos seus bons serviços e com isso exonerou de qualquer responsabilidade os grupos políticos que o tinham indicado e exigido sua nomeação, sob a ameaça de negarem fogo em votações de interesse do governo no Congresso.
Se não fosse pelo regime dos tais contratos EPC, Paulo Roberto não poderia extorquir dinheiro das empreiteiras, dinheiro afinal devolvido a elas no preço fraudado que cobraram à Petrobrás e a Petrobrás pagou. Nem poderia incluir seu pedágio na extorsão.
O enojado Paulo Roberto é apenas um exemplo das consequências da intromissão de grupos partidários na gestão da Petrobrás. Intromissão que pretende ser política mas no fundo é apenas tribal. Alguns picaretas, como os definiu o ex-Presidente Lula, conseguem mandatos no Congresso, organizam-se em grupos de pressão e chantageiam o governo.
Na ignorância e omissão da mídia, fiquei sabendo da mágica dos contratos EPC em conversa com Fernando Siqueira, uma conversa que bem poderia transformar-se numa longa e esclarecedora entrevista, e só não foi uma conversa divertida porque triste constatar o que estão fazendo coma Petrobrás.
Assim que entrou na Petrobrás (por concurso, não apadrinhamento político), ainda na década de 1960, Fernando um dia viu, em uma instalação da empresa, tanques de combustível encimados por uma cobertura cônica. Cismou com aquilo, saiu em busca de explicação e afinal descobriu que os tanques tinham sido construídos a partir de um projeto desenhado para o gelado norte da Europa, onde os tetos cônicos serviam para impedir que a neve se acumulasse em cima dos tanques com um peso insuportável. Aliás, toda a arquitetura dos países frios exige, pela mesma razão, tetos em ângulo fechado. Os tanques que Fernando viu tinham tetos cônicos, mas logo o Cenpes, o Centro de Pesquisas da Petrobrás, desenvolveu o projeto de tanques para um país tropical como o Brasil, muito mais baratos.
O mesmo aconteceu com plataformas de exploração de petróleo em alto mar. As primeiras, projetadas como as do norte da Europa, eram fechadas, dispunham de sistemas de aquecimento complicadíssimos, inúteis em nosso mar, e custavam cada uma 400 milhões de dólares. De novo o pessoal do Cenpes desenvolveu projetos específicos para o clima do Brasil, plataformas abertas que custavam apenas 100 milhões de dólares. Com o preço de apenas uma plataforma europeia, a Petrobrás passou a encomendar quatro.
O regime atual dos contratos EPC, que castra também a ação do Cenpes, pode ser bom para as empreiteiras, para o altíssimo pedágio dos grupos partidários que indicam diretores e sobretudo para os Paulo Roberto enojados da vida. Mas é péssimo para a Petrobrás, o que significa que é péssimo para o Brasil.