Artigo

Verdades inconvenientes sobre as energias verdes

Data da publicação: 12/09/2023

O documentário norte-americano “Uma Verdade Inconveniente”, lançado em 2006, teve como objetivo popularizar o fenômeno Aquecimento Global. Demonstrando que esta mudança climática é causada por emissões antropogênicas de gases do efeito estufa, principalmente o CO2. O que o documentário não apresenta é que existe uma desigualdade absurda nas emissões de Carbono, comparando países e regiões, assim como entre os indivíduos mais ricos em relação a grande maioria das pessoas de média e baixa renda.

Essa desigualdade de carbono vem se acentuando cada vez mais. O Relatório Mundial da Desigualdade de 2022 [1] mostra que existem profundas desigualdades em relação as classes sociais e suas respectivas emissões de gases do efeito estufa.[4] Como mostra a figura, Os 1% mais ricos emitem 17% das emissões e os 10% mais ricos emitem 48%, enquanto os 50% mais pobres apenas emitem 12%.

Muitas pessoas, atualmente, acreditam que a mudança no clima da terra será inevitável dentro de algumas décadas. Enquanto isso, as grandes empresas globais com grandes capitais gastam quantias exorbitantes para se apresentarem como marcas sustentáveis, “marcas verdes”. E os seus líderes, aliados da burguesia parasitária, consomem e poluem cada vez mais o planeta, sem que nem eles nem os seus ricos países como os Estados Unidos sejam culpados. O mundo nunca foi tão hipócrita. [4]

No seu livro “Imperialismo, estágio superior do capitalismo”, Lênin descreve a formação histórica de uma nova classe burguesa no início do XX. Esta classe vai se descolando do processo produtivo mais imediato e passa a se tornar uma classe parasitária dependente da renda. Ou seja, aquele burguês que trabalhava na sua empresa, especialmente no século XIX, torna-se a burguesia do capitalismo financeiro. Recentemente, com o neoliberalismo e a situação financeira global, este processo intensificou-se. São pessoas que tem fundos de ações diversificados e que participam de forma complexa dos meios de produção.

O mercado de consumo para a classe dos bilionários está crescendo exponencialmente. Esse tipo de consumo envolve passeios como expedições a vulcões ativos, expedição aos destroços do Titanic por mais de R$1 milhão, viagens aeroespaciais por algumas dezenas de milhões de dólares, ternos de R$ 1 milhão e carros de R$10 milhões. Bilionários já podem fazer viagens aeroespaciais através da Space X, empresa do segmento aeroespacial fundada em 2002, do mesmo dono da Tesla, fabricante de carros elétricos.

A figura 1 mostra a relação da renda entre os 10% mais ricos e os 50% mais pobres do mundo em 2021 [1]. Na França, os 50% mais pobres ganham 7 vezes menos que os 10% mais ricos. No Brasil os 50% mais pobres ganham 29 vezes menos que os 10% mais ricos.

Figura 1. Diferenças de renda no mundo [1]

A desigualdade de rendimentos está aumentando em todo o mundo. Na verdade, os 10 % mais ricos detinham 52 % do rendimento global, em comparação com 8,5 % para os 50 % mais pobres, como mostra a figura 2, em 2021.

Em relação a riqueza estes valores aumentam significativamente: os 10 % mais ricos possuem cerca de 76 % da riqueza e os 50 % mais pobres possuem cerca de 2 % da riqueza mundial. A acumulação de riqueza é crescente, entre 2019 e 2021, período da pandemia, a riqueza dos 0,001 % mais ricos aumentou 14 %. E a riqueza global se manteve estável.


Figura 2. Desigualdades globais de renda e de riqueza, 2021 [1]

O capitalismo financeiro global aprofundou as desigualdades. Ao mesmo tempo em que o padrão de consumo da elite, relacionado a um crescente aumento de riqueza, nunca poluiu tanto o planeta como agora. Uma elite poderosa que financia ilusões, de fato já está completa a fusão entre o ambientalismo e o capitalismo. A chamada transição energética emerge como uma solução para todos os problemas, como se novas formas de energia permitissem recursos infinitos. “Tudo deve mudar para que tudo fique como está”, já dizia um personagem do filme “O Leopardo”, de 1963, do diretor italiano Luchino Visconti.

A energia verde não é exatamente o que parece, não nos salvará. Não existe energia completamente limpa. Este artigo não refuta a introdução das fontes renováveis na sociedade, mas algumas verdades inconvenientes precisam ser discutidas. São incômodas para grupos que se recusam a compreender as necessidades de uma sociedade que não quer mudar o seu padrão de consumo, mas criam ilusões sobre energias totalmente limpas. As máquinas e equipamentos fabricados pela civilização industrial podem nos salvar da civilização industrial?

O Sol e o vento são fontes de energia renováveis, mas os materiais da tecnologia verde não o são. Painéis fotovoltaicos, turbinas elétricas, aerogeradores e veículos elétricos devem ser fabricados e eventualmente substituídos por novos dispositivos, pois têm um ciclo de vida.

A geração de energia renovável, em larga escala, utilizando usinas eólicas e solares, tem a limitação do fornecimento intermitente de energia. Mas, além disso, os argumentos a favor de sua utilização ignoram a necessidade de produzir grandes quantidades de metais e terras raras, cuja extração resulta em muito mais poluição do solo do que os combustíveis fósseis.

Vários metais raros serão necessários para que a “era verde” seja viável. Em carros elétricos ao contrário dos carros com motores de combustão interna, metais raros desempenham funções importantes relacionados ao funcionamento do carro (bateria, motor). Bem como tecnologias na área das energias renováveis (células solares, turbinas eólicas).

A Agência Internacional de Energia [2] estima que os materiais mais críticos para a transição energética são o lítio, níquel, cobalto, cobre, grafite e as terras raras. Os elementos de terras raras incluem lantânio, disprósio, térbio, neodímio, cério, hólmio, érbio, samário, európio, escândio, itérbio, lutécio, túlio, promécio e gadolínio. A maioria é radioativa e difícil de extrair.

Por exemplo, o neodímio é usado para fazer ímãs usados em motores elétricos. A bateria é o coração de um carro elétrico. E não funcionará sem metais raros, como o cobalto, o grafite e especialmente o lítio. Os ímãs também são necessários para os motores e os rotores de turbinas eólicas. Os metais raros também são utilizados para as células dos painéis solares.

Os projetos de mineração para extrair esses metais podem levar em média 16 anos para entrar em operação. Consequentemente, espera-se que essa escassez aumente na próxima década [3]. A transição energética requer quantidades significativas de metais como cobre, o níquel, o cobalto e o lítio [3]. A procura de Lítio poderá aumentar mais de 40 vezes [2] até 2040, seguido do grafite, do cobalto e do níquel (cerca de 20-25 vezes).

As tecnologias verdes não contêm apenas metais raros, mas também consistem em metais mais abundantes, como aço, alumínio e cobre. A transição energética requer muito cobre, em 30 anos teremos que produzir a mesma quantidade de cobre produzida desde o início da humanidade.

A figura 3 mostra os minerais utilizados em carros elétricos em comparação com carros convencionais [2]. E a figura 4 apresenta os minerais utilizados nas tecnologias de energia limpa em comparação com outras fontes de produção de eletricidade [2]. Esses gráficos indicam que para a transição energética se viabilizar será necessária uma produção mundial enorme de minerais.

Ou seja, da dependência do petróleo, surgirá a dependência desses minerais. Esses materiais devem ser produzidos através de processos industriais mais custosos e que sacrificam o meio ambiente e a saúde das pessoas. Além disso, a produção desses materiais também depende de energias fósseis.

Figura 3 – Minerais usados em carros elétricos em comparação com carros convencionais [2]

Figura 4 – Minerais utilizados nas tecnologias de energia limpa em comparação com outras fontes de produção de eletricidade [2]

Outra questão a ser considerada é que a produção de muitos minerais relacionados a transição energética está mais concentrada geograficamente do que a produção de petróleo ou o gás natural [2]. A figura 5 mostra a participação (%) dos três principais países produtores de cada mineral, comparando também com a participação dos três maiores países produtores e refinadores de petróleo e gás natural do mundo. Em relação ao cobalto o país que mais extrai esse mineral é o Congo (DRC).

Figura 5 – Participação dos três principais países produtores de minerais e combustíveis fósseis, 2019 [2]

De acordo com o relatório sobre o papel dos minerais críticos para a transição energética, de 2022, da Agência Internacional de Energia [2], poderá haver escassez de lítio, níquel e importantes elementos de terras raras, como neodímio e disprósio, nos próximos anos. As preocupações com os recursos se referem também com a qualidade. Nos últimos anos, a qualidade do minério de diversas matérias-primas continuou a diminuir. Por exemplo, o grau médio do minério de cobre no Chile diminuiu 30% nos últimos 15 anos.

É demasiadamente complexo a reciclagem dos materiais envolvidos na tecnologia verde. Pode-se ter o um problema equivalente ao do lixo nuclear. Na verdade, o que é extraído custa menos do que um caro processo de reciclagem. Além disso, certos materiais nem sabemos como reciclá-los.
Deve-se interrogar se existem recursos suficientes para viabilizar uma suposta transição energética completa. Atualmente, os dados revelam uma lacuna iminente entre as ambições climáticas reforçadas do mundo e a disponibilidade de minerais críticos que são essenciais para concretizar essas ambições.

A produção de recursos minerais para viabilizar a transição energética causam uma série de questões ambientais e sociais que podem prejudicar as comunidades locais. Regiões que fabricam os materiais da energia verde sacrificam o território e a saúde de seus habitantes e formam buracos gigantes e lagos podres. E se os males da tecnologia verde forem piores dos que os males dos combustíveis fósseis?

Com o desenvolvimento de tecnologias verdes, surgiram sérios problemas ambientais. Águas residuais da produção de metais raros se infiltram no solo, contaminando os lençóis freáticos. No Chile, na mina de Chuquicamata, a produção de cobre cresce a cada ano. Os geólogos já preveem problemas de abastecimento nos próximos anos, a produção diminuirá nas décadas de 2030 e 2040.

Tal como a produção de grafite na China, Chuquicamata polui o solo e os rios através da sua produção. A água é necessária para extrair e refinar o cobre. A mina consome 2.000 litros de água por segundo. O ar também está poluído. No norte do Chile, o câncer do pulmão já é a principal causa de morte. Na Austrália são necessários cerca de 2 milhões de litros de água para cada tonelada de lítio extraído.

Em resumo, o mundo nunca teve uma riqueza tão concentrada através do sistema financeiro capitalista. Uma elite poderosa financia ilusões. Já está completa a fusão entre o ambientalismo e o capitalismo. A transição energética não deve ser vista como uma solução mágica para os problemas atuais, utilizada como mero instrumento de propaganda. Poderia ser avaliada seriamente, tendo em conta as suas principais limitações e os seus possíveis usos complementares.

Referências
[1] L. Chancel, T. Piketty, E. Saez e G. Zucman, “World Inequality Report 2022, World Inequality Lab wir2022.wid.world,” 2022.
[2] IEA. International Energy Agency report. Disponível em: <https://www.iea.org/reports/the-role-of-critical-minerals-in-clean-energy-transitions/executive-summary>. Acesso em: setembro de 2023.
[3] Pescatori, Andreas and Boer, Lukas and Stuermer, Martin, Energy Transition Metals (October 1, 2021). IMF Working Paper No. 2021/243, Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=4026470.
[4] G. Simões, “Os gases de um efeito antidesenvolvimentista,” 2023.

Autor:
Gustavo José Simões, doutor em Engenharia Mecânica pela UFRJ e Historiador.