Baixaria Contábil
Em março, a direção da Petrobrás realizou uma baixa contábil nos ativos da companhia, que surpreendeu a todos nós, inclusive ao mercado. Ocorre que a companhia, que teve um lucro de R$ 13,6 bilhões em 2015, acabou apresentando déficit de R$ 34 bilhões. Isto porque essa baixa, meramente contábil, atingiu o incrível valor de R$ 47,6 bilhões. O presidente Bendine, que pensa de forma puramente financista, não se preocupou com a importância estratégica e o respectivo desgaste da imagem da empresa.
Ora, estamos convivendo com o projeto do senador José Serra, já aprovado no Senado e tramitando na Câmara, que retira da Petrobrás a condição de operadora única e facilita a entrega do pré-sal para companhias estrangeiras. Um rombo contábil dessa ordem, ademais fictício, ajuda a derrubar o prestígio da empresa já tão abalado pela Lava Jato, facilitando a vida dos que são favoráveis aos leilões que acabarão nas mãos do cartel internacional do petróleo.
Que o presidente Bendine queira evitar o desembolso com dividendos e participação nos lucros é até compreensível visto que o caixa está muito baixo e o acesso ao crédito requer muito trabalho. E isto acaba dificultando os investimentos, cujo retorno é alto, mas demandam altos recursos. O que não é aceitável é uma baixa feita sob critérios discutíveis, como, por exemplo:
1- Baixar as reservas de petróleo da Petrobrás para 13,28 bilhões de barris. Ora, só o campo de Franco, que ela adquiriu na cessão onerosa, tem reserva estimada de 10 bilhões. Juntando os campos já descobertos de Tupi, Iara, Carcará, parte de Libras, da Baleias e outras áreas, com os campos do pós-sal e de terra, são mais de 30 bilhões de barris;
2- O Comperj foi considerado como zero porque as obras estão paradas, mas o Complexo tem 84% de sua obra concluída. O que se exigiria é a continuidade de sua construção, fundamental para processar produtos do pré-sal, e não essa baixa esdrúxula;
3- O preço baixo do petróleo é considerado como de curta duração, uma questão geopolítica, por especialistas do ramo, mas Bendine considerou-o de longa duração;
4- Ele depreciou ainda diversos ativos sem considerar que o preço do petróleo voltará a crescer e esses ativos vão retomar seus valores.
5- O raciocínio foi: se vender esses ativos agora, o preço a ser conseguido é o desvalorizado. Ademais vender ativos neste momento é totalmente insensato, podendo caracterizar uma gestão temerária.
Ainda mais suspeito é que Dilma e Lula que eram contra, passaram a defender o projeto do Serra a partir de uma emenda “esperta” do senador Romero Jucá, que dá uma falsa ideia de melhoria. A emenda diz que o CNPE poderá entregar um campo do pré-sal à Petrobrás. Ora, quando Dilma entregou Libra, a Lei 12.351/2010 dizia tacitamente que área estratégica – caso de Libra – será entregue à Petrobrás. Não foi obedecida. Imagine-se agora num governo PMDB/PSDB. Lá se vai o pré-sal, a maior das riquezas, e a baixa contábil se transforma numa “baixaria” contábil.
REFERÊNCIA:
SIQUEIRA, Fernando. Baixaria contábil. O Globo, Rio de Janeiro, ano 91, n. 30.200, 13 abr. 2016. Primeiro Caderno, p. 21.