Artigo

O Brasil em primeiro lugar (2017)

Data da publicação: 08/05/2017

O governo federal definiu os novos índices de conteúdo local que serão aplicados nas licitações de blocos para exploração de petróleo e gás natural. Os percentuais já valerão para os dois próximos leilões, em setembro e novembro deste ano. Para exploração em terra, o índice será de 50%. Nos blocos em mar, o mínimo será de 18% na fase de exploração, 25% para a construção de poços e 40% para sistemas de coleta e escoamento. Nas plataformas marítimas, o percentual será de 25%.

Dirigentes das entidades que representam os fornecedores nacionais criticaram duramente a proposta do governo. Alegam que os novos índices são, em média, 50% inferiores aos que vêm sendo exigidos e, na prática, estimularão as compras no exterior, em detrimento da indústria brasileira. Na avaliação de José Ricardo Roriz, vice-presidente da Fiesp e porta-voz do Movimento Produz Brasil, a proposta do governo afeta negativamente os segmentos de aço, máquinas e equipamentos, eletroeletrônicos e estaleiros, sinalizando um maior desemprego na indústria. Roriz criticou, também, o fato de não terem sido criadas alíquotas específicas para serviços e para bens e equipamentos. Foi acompanhado pelo presidente da Abimaq, José Velloso, que declarou que os novos percentuais poderão ser cumpridos apenas com prestação de serviços, sem necessidade de adquirir produtos fabricados no país. O Brasil vai continuar vendendo matéria-prima e importando valor agregado.

As mudanças agradaram às petroleiras. A Petrobras permaneceu alinhada com as suas congêneres multinacionais e com o IBP, defendendo a redução dos índices.  Abandonou, portanto, sua missão histórica de atuar “contribuindo para o desenvolvimento do Brasil”. De fato, foi a adequada utilização do poder de compra da estatal que permitiu a instalação do parque de fabricação de materiais e equipamentos e a formação dos grandes fornecedores de serviços para a indústria de petróleo brasileira.

A primeira iniciativa neste sentido se deu em meados do século passado, quando o Brasil ainda lutava para fugir do subdesenvolvimento e era reconhecido somente como um produtor e exportador de matérias-primas agrícolas e minerais. Em 1962, a Petrobras iniciou um programa de diversificação e capacitação dos fabricantes nacionais e, dez anos depois, 80% do valor total de suas compras já era realizado no mercado brasileiro. Mais tarde, a exploração de petróleo em águas profundas passou a exigir bens e serviços não disponíveis no país. Surgiu, então, a política de conteúdo local, que viabilizou a formação de fornecedores nacionais para o setor de offshore, utilizando o poder de compra da Petrobras.

O Brasil nada inovou ao estimular e proteger seu mercado fornecedor, visando atender a indústria de petróleo. Na verdade, seguiu o exemplo de muitos outros países que, ao longo da História, procederam dessa forma. Sabemos que uma efetiva política de conteúdo local deve valorizar o que é nosso e defender nossas empresas e nossos interesses comerciais. A proposta do governo, no entanto, privilegia as compras no exterior e, ao contrário das anteriores, carece de visão estratégica, de resistência às pressões externas e de um mínimo de compromisso com o futuro do país.

O atual presidente dos EUA utiliza uma expressão forte para explicar ao povo americano o tipo de política que pretende implantar em seu país. Embora seja muito mais abrangente, o America First de Trump incorpora os mesmos princípios e crenças que nortearam o Buy American Act, editado pelo presidente Hoover em 1933, em meio à maior recessão econômica vivida pelos EUA. Os norte-americanos são, reconhecidamente, patriotas e mostram-se sempre dispostos a apoiar os seus líderes, na defesa dos interesses dos EUA, de suas empresas e de seu mercado. Amam e respeitam seu país e dele se orgulham. Com certeza, povo e governantes norte-americanos não sofrem da síndrome do complexo de vira-lata.

Deitada em berço esplêndido, a nação brasileira sonha com um novo Grito do Ipiranga, a ecoar num retumbante brado de “O Brasil primeiro!”

Eugenio Miguel Mancini Scheleder é engenheiro aposentado da Petrobras. Também ocupou cargos de direção nos ministérios de Minas e Energia e do Planejamento, de 1991 a 2005. Atualmente, exerce a função de Mediador Extrajudicial, capacitado pela Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem – CCMA/RJ

Fonte :Brasil Energia
Autor : Eugenio Miguel Mancini Scheleder