Artigo

Corrupção sistêmica e a imagem da Petrobrás: transparência e controle social versus privatização

Data da publicação: 21/11/2014
Autor(es): Herbert Teixeira

Nas últimas eleições, os escândalos pipocaram, erodindo a imagem do partido do governo, o Partido dos Trabalhadores (PT) e seus aliados, e deixando em evidência que a má prática está disseminada pelo setor público e contaminou a maior e mais eficiente empresa do Brasil. A Petrobras foi alvo de denúncias de corrupção que foram usadas com fins eleitoreiros sem uma análise profunda dos verdadeiros beneficiários da dilapidação do maior patrimônio público do Brasil e de suas consequências para imagem da Petrobras. Foi mostrado apenas o domínio total das diretorias e cargos de outros escalões da Petrobras por partidos para o desvio de recursos públicos. A mensagem transmitida é que a Petrobras de hoje não é mais a mesma empresa do que a da virada do século, onde a privatização estava em discussão. O que mudou foi a sensação de descontrole e que a corrupção cresceu.

Onde levará a corrosão da imagem da Petrobras?

O espetáculo midiático por estes atos de “corrupção” é intenso e repetitivo, arrastando ao descrédito e à humilhação moral a Petrobras. Os petroleiros e a sociedade, quando inconscientes do que está em disputa, também se abalam. O discurso da “corrupção” resultará no questionamento da necessidade de uma estatal na área de energia e no desmantelamento de obstáculos para a privatização. 

Cabe a AEPET, mais uma vez, fazer uma análise crítica dos acontecimentos e trazer outras opções à opinião pública e ao senso comum em oposição às conclusões dos meios de comunicação. Uma análise crítica também deve resultar em uma proposição de alternativa a privatização contra a corrupção sistêmica.

Vamos aos fatos publicados nos meios de comunicação:

Os partidos controlam todos os escalões da Petrobras. Da diretoria, gerências executivas, passando pelas gerências de terceiro escalão, até chegar a alguns técnicos. — Afirmou Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, em depoimento à Justiça Federal, após firmar acordo de delação premiada para obter eventual redução de pena ,segundo publicado pelo sitio do O ESTADO DE S.PAULO, dia 11 Outubro 2014.

Na campanha política, foi enfaticamente repetido que a Petrobras havia mudado. Que na administração petista, as empreiteiras são vítimas, o descontrole é absoluto e apenas os partidos levam o dinheiro. Tudo funciona com designação política dos partidos, onde dezenas de membros associados aos partidos políticos dominantes e dos principiais sindicatos são nomeados gerentes na Petrobras, sem justificativa, pessoas sem qualificação, onde o mérito pode ser irrelevante, e o que interessa é como obter comissões, saqueando as empreiteiras que estão pagando pedágio aos partidos.

Segundo o Estadão, Costa ainda destacou a existência histórica de um regime partidocrata – Na Petrobras, as diretorias e a presidência foram sempre por indicação política. Ninguém chega a general se não for indicado, acrescentando que a lógica de loteamento se repetiu nos governos de José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula. Os partidos políticos vão tomando conta das instituições através das nomeações. Os poderes se confundem com os partidos, que colonizam distintas áreas da sociedade e exercem o monopólio da política.

O Estadão relata que o ex-diretor da Petrobras também afirmou à Justiça Federal que os desvios de recursos na estatal ocorreram em um processo de “cartelização das grandes empresas do Brasil”. Ele disse que existia no âmbito das grandes obras da Petrobras “um acordo prévio” entre as empreiteiras. O juiz Sérgio Moro perguntou ao ex-diretor da Petrobras quais empresas participavam do cartel. Ele citou, inicialmente, sete gigantes da construção, pela ordem: “Odebrecht, Camargo Correa, UTC, Andrade Gutierrez, Iesa, Engevix, Mendes Jr.”

As declarações do ex-diretor mostra que a corrupção na Petrobras não mudou. Ela está associada ao financiamento legal de partidos, que com certeza, e obviamente são os intermediários (banqueiros e doleiros) e as empreiteiras que se beneficiam do esquema, enchendo os bolsos, numa transferência contínua e histórica de renda pública para a iniciativa privada.

Entretanto, no calor dos escândalos, durante a campanha eleitoral, os líderes dos três principais partidos— PT, PSDB e PSB— não mencionaram os empreiteiros e banqueiros uma só vez durante os debates nas últimas eleições. A pergunta é por quê? E de onde vêm os financiamentos de campanha eleitoral? Qual a relação do processo eleitoral com a corrupção?

Mais uma vez, o jornal O ESTADO DE S.PAULO publica que pouco mais da metade do dinheiro arrecadado pelos partidos para financiamento das campanhas eleitorais veio de apenas 19 empresas. A Folha de São Paulo relata que os gastos dos candidatos eleitos de todos os partidos equivaleram a 63,58% dos gastos totais. Os valores referem-se aos números declarados por candidatos a presidente, governador, senador, deputado federal e estadual ou distrital. As 19 empresas foram grandes responsáveis pelo total do financiamento das campanhas de praticamente todos os candidatos eleitos, contando que, na outra parcela, ainda há financiamento privado. Entre as 19 empresas listadas na reportagem, estão todas as empreiteiras citadas pelo Paulo Roberto Costa, além dos bancos ITAÚ, BRADESCO, BTG, SAFRA, VALE, COSAN, GERDAU, AMBEV e as empresas de agronegócios JBS, CUTRALE e COOPERSUCAR.

O sítio O ESTADO DE S.PAULO refinou a análise dos doadores e mostra que os 10 maiores doadores contribuíram financeiramente para a eleição de 360 dos 513 deputados da nova Câmara. Os 360 deputados que elas financiaram estão distribuídos por 23 partidos diferentes. É uma combinação inédita de concentração e eficiência das doações por parte das contribuidoras. Como setor, as empreiteiras têm a maior presença entre os 10 maiores doadores. Descontando-se as doações dobradas ou triplicadas que vários dos novos deputados receberam de mais de uma empreiteira, a bancada do concreto na nova Câmara tem 214 deputados de 23 partidos. Isso não inclui parlamentares que receberam doações de empreiteiras que não entraram nas 10 empresas analisadas.

Presenciamos um exercício de cinismo dos políticos. A responsabilidade dos líderes dos partidos é enorme, porque sempre souberam de tudo e permitiram um modelo de organização que fomenta isso. A corrupção é um problema sistêmico do modelo atual, não é de pessoas nem de partidos específicos. Hoje, o resultado da corrupção através do financiamento de campanha é institucionalizado e consolidado nas regras e legislação atual que são definidos atendendo aos interesses econômicos dos financiadores e não da sociedade brasileira.

Segundo Felipe Campos C. Coutinho no artigo “O histórico cerco a Petrobras e a corrupção” – Entendido o mecanismo, fica evidente que os superlucros auferidos são muito maiores que as “taxas de serviço ilegais” pagas para obtê-los. Os maiores beneficiários do fenômeno da corrupção são os empresários corruptores, secundariamente o agente público corrupto, enquanto as maiores vítimas são a Petrobras e a sociedade que perdem acesso à parte da riqueza excedente produzida.

Felipe Coutinho também destaca que o espetáculo midiático ocupa semanas de programação televisiva, páginas e páginas dos jornais, telas e telas de meios digitais. Os petroleiros, quando inconscientes do que está em disputa, também se abalam e podem fragilizar o corpo técnico que é a principal defesa da instituição ao lado da própria sociedade.

Silvio Sinedino questiona em artigo “A Petrobras, a Corrupção e o Trabalhador Petroleiro” – Como entender que a Auditoria Interna não tenha sido capaz de identificar nenhum desses desvios? Eram mesmo indetectáveis? – E continua – se o esquema de corrupção existiu, e tudo indica que sim, com certeza há outros petroleiros envolvidos, ou alguém acha que é possível que seja armado um esquema de desvio gigantesco de valores por uma única pessoa e que não desperte a atenção de ninguém?

Talvez as respostas a estas questões levantadas demonstrem que as auditorias internas não são o canal democrático para solução do problema de corrupção porque são mecanismos temporários, formados de cima para baixo para avaliação de situação específica, usando documentos internos formais.

Felipe Coutinho propõe soluções institucionais para enfrentar o problema: Transparência, democracia no local de trabalho, controle social do conselho de administração diretamente pelos petroleiros e pela sociedade, desmonte da estrutura corporativa tipicamente hierárquica e antidemocrática, para substitui-la por organização horizontal e democrática, são iniciativas que podem contribuir em termos estruturais e sistêmicos em defesa da Petrobras e do interesse da sociedade.

Cabe-nos então desenvolver as ideias de participação, tomada de decisão coletiva e controle social na Petrobras. A implantação dos Instrumentos Jurídicos e Mecanismos Institucionais de Participação e Controle Social, definidos pela SECRETARIA DE GESTÃO PÚBLICA (SEGEP) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, é o primeiro passo para criar condições de participação dos cidadãos e empregados na gestão da Petrobras, de maneira que possam intervir na tomada da decisão administrativa, orientando a administração para que adote medidas que realmente atendam ao interesse público e, ao mesmo tempo, possam exercer controle sobre a ação do Estado, exigindo que o gestor público preste contas de sua atuação.

Estes instrumentos e mecanismos permitirão a participação contínua da sociedade na gestão pública que é um direito assegurado pela Constituição Federal, permitindo que os empregados da Petrobras e todos os cidadãos não só participem da formulação das políticas da Petrobras, mas, também, fiscalizem de forma permanente a aplicação dos recursos públicos. Contudo, tornam-se necessários ainda mecanismos e instrumentos de descentralização das tomadas de decisão. O que permitiu o surgimento de um diretor corrupto a serviço das empreiteiras foi a concentração de poder e decisão.

Dos instrumentos e mecanismos Institucionais sugeridos pela SEGEP, primeiro, torna-se necessário o desenvolvimento do Portal da Transparência na Petrobras, um mecanismo importante que permita a participação dos seus empregados, dos cidadãos e das organizações da sociedade civil na verificação sistemática da aplicação dos recursos da Petrobras para inibir a corrupção e qualquer outro tipo de irregularidade envolvendo esses valores.

Como destaca Felipe Coutinho, a transparência para a sociedade e para o conjunto dos petroleiros de todas as relações entre a Petrobras e os agentes de capital privado podem prevenir desvios de gestão. A transparência não é suficiente, mas pré-condição para que o conjunto dos petroleiros e a sociedade tenham o conhecimento necessário para exercer o seu poder que também precisa ser garantido. A Petrobras precisa criar mecanismos para que eventuais suspeitas ou identificação de qualquer irregularidade possam ser comunicadas à Controladoria-Geral da União.

Depois, a mudança do modelo de negócio dos empreendimentos da Petrobras. Os empreendimentos da Petrobras têm sido contratados no modelo EPC, sigla em inglês da expressão Engineering, Procurement and Construction, são contratos de amplo escopo que incluem a engenharia de detalhamento, a compra de equipamentos, a construção e a montagem das unidades industriais. Também incluem a aquisição da tecnologia de origem estrangeira em detrimento de tecnologia proprietária da Petrobras. O modelo contratual de escopo tão amplo facilita a cartelização das construtoras porque exclui da competição empresas com menor concentração de capital. Os consórcios entre empreiteiras e licenciadores estrangeiros também dificulta a viabilidade de construtoras menores cujo acesso a tecnologia estrangeira é mais difícil.

Para viabilizar a redução do custo dos empreendimentos é crucial escapar do cartel das construtoras e para isso as tecnologias próprias da Petrobras, disponibilizadas através dos projetos básicos da Engenharia Básica do CENPES, podem desempenhar papel decisivo. A gerência de Materiais da Petrobras deve ser fortalecida, a compra de equipamentos deve ser centralizada na Petrobras. Modelar a compra de equipamentos, engenharia e a contratação da construção dos empreendimentos em contratos de menor escopo e maximizar o número de competidores por meio do amplo acesso ao cadastramento da Petrobras são estratégias promissoras para redução dos custos das obras.

Em seguida, a diretoria da Petrobras deve estimular o uso de mecanismos para delegação das tomadas de decisões aos empregados que estarão sujeitos a metas (índices) e com limites (gatilhos) que quando ultrapassados possam ser imediatamente rejeitados sem intervenção das gerências superiores. Estes mecanismos inclusive já existem internamente na Petrobras, porém não é praticado de forma adequada, onde as gerências superiores criam comissões temporárias de cima para baixo com alegação de que a centralização aumenta a eficácia da Petrobras.

É de fundamental importância que cada petroleiro assuma seu papel cidadão e assuma também essa tarefa de participar da gestão da Petrobras, de acompanhar de perto, supervisionando e avaliando a tomada das decisões administrativas, e também subsidiando a sociedade civil na tarefa de exercer o controle social do gasto do dinheiro público na Petrobras.

A SECRETARIA DE GESTÃO PÚBLICA lista uma série de instrumentos que a diretoria da Petrobras pode se espelhar para adoção de mecanismos democráticos no local de trabalho que possibilitem maior eficiência na gestão e garantem ao conjunto de trabalhadores que, ao sinal de alguma decisão ou critério suspeito de que possam determinar vantagem indevida ou desproporcional a algum agente privado na relação com a Petrobras, possam intervir e pedir esclarecimento.

Felipe Coutinho também destaca: A democratização da gestão, associada à transparência e garantia de acesso às informações, estão em contradição com a burocratização e a hierarquização da organização. O ambiente de trabalho democrático é mais resistente à ação do corruptor ou ao oportunismo do corrupto do que o ambiente burocrático e hierárquico, no qual as principais decisões são tomadas por poucas pessoas em gabinetes herméticos.

Entre estes instrumentos que a SEGEP adota podemos listar: Conselhos de Política Pública, Conferências de políticas públicas, Ouvidoria Pública, Audiências públicas, Consultas públicas, Espaço de participação e diálogo, Reuniões públicas que são espaços comuns de participação não institucionalizada nos quais organizações da sociedade civil, sindicatos, movimentos sociais, empresários, entre outros, estabelecem um diálogo presencial com representantes do poder público sobre determinada agenda. Esse espaço permite a interação com grupos específicos, apresentação de demandas, negociação, recebimento de informações etc.

Em conformidade com a Constituição de 1988, o acesso à informação tornou-se um dos insumos básicos ao exercício da cidadania e combate a corrupção. Dessa premissa extrai-se o direito do cidadão em conhecer, opinar e acompanhar as decisões governamentais para certificar-se de que os recursos postos à disposição do Estado produziram resultados positivos em prol da coletividade – a atuação popular no sentido de defender direitos e interesses coletivos perante a administração pública é intitulado de controle social. Entretanto, o alcance pleno desse direito, no qual o cidadão interfere e fiscaliza as ações governamentais, em praticamente todas as áreas sob a ação e tutela do Estado, requer a contrapartida governamental no sentido de facilitar o acesso aos dados e informações geradas no âmbito público, além de imprimir esforços para transformar o linguajar tecnicista, próprio do setor público, em linguagem compreensível inclusive ao considerado cidadão comum. O fornecimento de informações pelo setor público à sociedade é denominado de princípio da transparência. Deve-se destacar que o ápice da corrupção sistêmica associada ao financiamento legal de partidos é a privatização das riquezas públicas. Desse modo, a questão principal do presente artigo consiste em evidenciar o papel da transparência e do controle social em defesa da Petrobras e do interesse da sociedade em contraposição a privatização propalada subliminarmente pelos meios de comunicação.

Referências:

1. As 10 empresas que mais doaram em 2014 ajudam a eleger 70% da Câmara, Estadão, 08/11/2014.

2. Partidos mantêm influência na estatal, Estadão, 11/10/2014.

3. Ex-diretor da Petrobrás aponta nomes de executivos de empreiteiras no esquema, Estadão, 09/10/2014.

4. De onde vem o dinheiro, Folha de S. Paulo, 21/09/2014.

5. Organograma da corrupção, O Globo, 10/10/2014.

6. BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Gestão Pública. Programa Gespública – Participação e Controle Social: Instrumentos jurídicos e mecanismos institucionais; Brasília; MP, SEGEP, 2013. Versão 1/2013.