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Impactos socioambientais no maior parque solar da América do Sul

Data da publicação: 30/04/2024

O presente artigo apresenta impactos socioambientais associáveis às atividades perpetradas pela Empresa Enel Green Power no contexto da implementação do complexo solar de São Gonçalo, localizado no estado do Piauí.

Parque solar de São Gonçalo

Figura 1 – Parque solar de São Gonçalo – Piauí.

Esta grande usina solar possui cerca de 2,2 milhões de painéis fotovoltaicos e está instalada em uma área equivalente a 1.500 estádios de futebol. De acordo com a empresa, subsidiária do grupo Enel, o complexo solar tem uma capacidade total de 700 MW e é composto por 24 sub-parques solares.

Tais observações foram obtidas através de uma pesquisa in loco no Município de São Gonçalo do Gurgueia, localizado no sudoeste do Estado do Piauí, Região Nordeste do Brasil.

Impactos Socioambientais observados

A análise dos impactos socioambientais foi possível através da checagem dos relatórios de impactos ambientais divulgados pela SEMAR (Secretaria do Meio Ambiente do Piauí), pelos Relatórios anuais de Sustentabilidade da Enel e, principalmente, visita de campo que foi realizada no mesmo local vistoriado pela SEMAR no período de finalização das barreiras de contenção, nas regiões onde ocorreram os danos ambientais ocasionados pela implementação da Usina Solar São Gonçalo.

As barreiras de contenção objetivam impedir que os sedimentos fossem despejados nos riachos, brejos e no rio Gurgueia. Na visita de campo foi observado elevada amplitude erosiva, supressão de vegetação, morte de uma cultura singular de buritis, soterramentos de riachos, lagos e brejos. Além disso, parte das barreiras construídas vistoriadas no Relatório N° 2/2021 se encontravam em péssimo estado, quebrados e soterrados pela areia, vide a Figura 2 (SEMAR, 2021a).

Figura 2 – Soterramento ao longo da região do riacho da Lapa/Buritizinho, São Gonçalo do Gurgueia, Piauí.

Figura 3 – Região do sítio arqueológico “Toca dos Caboclos” no município de São Gonçalo do Gurgueia (Superior) e riacho (inferior à esquerda) que encontra o rio Gurgueia (inferior à direita).

No Relatório de Vistoria N° 2/2021, é possível destacar os prejuízos que as tentativas de mitigação da Enel Green Power ocasionam na região, pois, a utilização do maquinário pesado tem resultado em um maior dano ao solo já bastante frágil na região (SEMAR, 2021a). A correlata vistoria concluiu haver uma intervenção na área de influência do sítio arqueológico, vide figura 3, mas, que não constam intervenção no processo. Entretanto, é possível identificar, na figura 3, uma grande área desflorestada e com elevada altimetria erosiva logo abaixo da “Toca dos Caboclos”.

É possível notar o elevado assoreamento no afluente do rio Gurgueia, mais conhecido como “riacho do buritizinho”, além da supressão da vegetação e morte de buritizais ao redor. Até o período de visita em campo não havia nenhuma ação direta no rio Gurgueia, onde se observa grande quantidade de areia e elevada turbidez, vide figura 3 (imagem inferior à direita). Vale destacar que a empresa foi multada em, aproximadamente, 25 milhões de reais que seriam revertidos em ações para a recuperação e mitigação dos danos ocasionados às comunidades afetadas (SEMAR, 2021b). Observando-se o RELATÓRIO ANUAL DE SUSTENTABILIDADE ENEL NO BRASIL (2021) constata-se que a empresa não divulgou em nenhuma de suas plataformas digitais projetos sociais (com exceção de um parquinho nas araras em seu relatório anual de sustentabilidade em 2021) ou medidas de mitigação aos danos causados.

De acordo com os documentos oficiais coletados e a pesquisa de campo in situ, constata-se que os danos à comunidade rural, às suas terras, animais, solo e vegetação, têm sido graves e as ações da empresa não têm retorno positivo se comparado ao que foi perdido pelas comunidades afetadas e o meio ambiente. Nota-se que ainda não foram feitas nenhuma ação direta sobre o rio Gurgueia, que se encontra bastante assoreado.

A análise dos impactos socioambientais causados pela implementação da Usina Solar São Gonçalo revela uma série de problemas graves que afetam tanto o meio ambiente quanto as comunidades locais. Os relatórios de impactos ambientais divulgados pela SEMAR, juntamente com os Relatórios Anuais de Sustentabilidade da Enel, forneceram insights valiosos, mas foi a visita de campo realizada nas áreas afetadas que trouxe à tona a verdadeira extensão dos danos.

Durante a visita, testemunhamos uma paisagem marcada pela degradação ambiental, com elevada amplitude erosiva, supressão de vegetação e soterramento de riachos, lagos e brejos. É preocupante constatar que parte das barreiras de contenção, destinadas a impedir a dispersão de sedimentos nos corpos d’água, estava em péssimo estado, evidenciando a falha nas medidas de mitigação implementadas pela Enel Green Power.

Esse fato se torna preocupante na medida em que a empresa não se presta a apresentar de forma clara, objetiva e eficiente, as suas ações para a sociedade, especialmente aos mais afetados, como os representantes da Associação Alto do Gurgueia.

Considerações

A implementação de projetos centralizados de energias renováveis, associados à benefícios climáticos globais, pode acarretar impactos significativos no meio ambiente e nas comunidades locais. A crescente demanda por fontes de energia limpa, como a solar e a eólica, tem levado à rápida expansão de projetos em todo o mundo, muitas vezes sem uma avaliação adequada de seus impactos socioambientais.

Os novos projetos de geração de energia renovável centralizada, as chamadas fontes limpas, são excessivamente “romantizados” e seus aspectos negativos são desconsiderados ou desconhecidos. É fundamental o conhecimento dos diversos impactos que causam ao meio ambiente e às comunidades onde se instalam.

Um dos principais problemas é a falta de consideração adequada dos impactos das energias renováveis nas comunidades locais e nos ecossistemas circundantes. Como evidenciado pelo caso da Usina Solar São Gonçalo, no Piauí, projetos de grande escala podem resultar em danos significativos ao solo, à vegetação e aos recursos hídricos, além de afetar negativamente as comunidades rurais que dependem desses recursos para sua subsistência.

Além disso, a pressa em implementar esses projetos muitas vezes resulta em medidas de mitigação insuficientes ou mal planejadas. A utilização de maquinário pesado, por exemplo, pode causar danos adicionais ao solo e aumentar a erosão, exacerbando os impactos ambientais já existentes.

Outra questão preocupante é a falta de transparência e prestação de contas por parte das empresas responsáveis pelos projetos de energia renovável. Como observado no caso da Enel Green Power, a falta de divulgação de informações sobre os impactos socioambientais e as medidas de mitigação adotadas dificulta a avaliação adequada do verdadeiro custo desses projetos para as comunidades afetadas e o meio ambiente.

Não se conhece, até os dias atuais, uma produção de energia verdadeiramente livre de impactos ambientais e enquanto o debate usar termos como “Energia Limpa”, histórias, vegetações e vidas serão negativamente impactadas pelo mercado de energia.
Portanto, é crucial que haja uma abordagem mais cautelosa e responsável na expansão da energia renovável, com uma avaliação cuidadosa dos impactos socioambientais em todas as etapas do processo, desde o planejamento até a implementação e operação dos projetos. Isso requer uma maior transparência por parte das empresas, bem como uma maior participação das comunidades locais na tomada de decisões que afetam seu meio ambiente e seu modo de vida.

Referências:

ENEL (Brasil). Enel Green Power. Parque Solar São Gonçalo. 1 jan. 2021. Disponível em: https://www.enelgreenpower.com/pt/nossos-projetos/highlights/parque-solar-sao-goncalo. Acesso em: 20 abr. 2024.

RELATÓRIO ANUAL DE SUSTENTABILIDADE: ENEL NO BRASIL 2021. São Paulo: Report Sustentabilidade, 2006-2021. Anual. Disponível em: https://www.enel.com.br/pt-ceara/Sustentabilidade/relatorios-anuais.html. Acesso em: 18 abr. 2024.

SECRETARIA DE MEIO AMBIENTE E RECURSOS HÍDRICOS (SEMAR).RELATÓRIO DE VISTORIA No 02/2021, Teresina, p. 1-14, 23 dez. 2021a.

SECRETARIA DE MEIO AMBIENTE E RECURSOS HÍDRICOS (SEMAR).TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA E ACORDO SUBSTITUTIVO DE PENALIDADE DE MULTA AMBIENTAL. Teresina, p. 1-2, 23 dez. 2021b.

Autores:

Gustavo José Simões, Engenheiro Mecânico e vice-Diretor Cultural da AEPET.

Felipe Júnio Sabino. Formado em Relações Internacionais e Pesquisador em Meio Ambiente.