Em recente seminário, discutia-se a situação atual e as perspectivas da economia brasileira. Alguém fez o discurso completo da euforia: as reservas internacionais estão grandes; os preços de nossos principais produtos de exportação estão relativamente elevados e têm sofrido menos que diversos bens industrializados; o emprego vem crescendo (se bem que o salário real médio esteja declinante); há um aumento no número de famílias de classe média, pois, aparentemente, a família que detém por mês R$ 1.400 deixou de ser pobre; nos últimos quatro anos a economia brasileira cresceu quase 4% ao ano, sendo portanto nitidamente superior aos medíocres 2,3% ao ano das décadas anteriores.
O discurso da euforia terminou com a afirmação categórica de que agora vamos para a prosperidade permanente, pois atingiremos, em breve, um patamar de crescimento de 5,5% ao ano. Alguém do auditório perguntou como seria possível ao Brasil crescer a essa taxa, de forma sustentada e por muitos anos, tendo uma taxa de investimento macroeconômico um pouco superior a 18% do PIB e que o país necessitaria elevar a taxa de investimento macroeconômico para 21% a 22% do PIB e precisaria elevar a taxa de investimento público (inclusive estatais) de 3,5% para 6%, caso pretendêssemos crescer 5% ao ano – o que é um bom desempenho em relação ao Primeiro Mundo, porém absolutamente medíocre em relação à China e à Índia.
Fiquei estarrecido quando ouvi a resposta do conferencista, que afirmou que o Brasil não precisa elevar a taxa de investimento muito acima de 18% porque a estrutura de crescimento do país tem ‘alta produtividade de capital’, ou seja, nos é possível produzir um mesmo aumento de PIB com menos investimento que outras economias.
A resposta elegante é a de um conservador que pensa um Brasil para o futuro permanente produtor e exportador de matérias-primas e alimentos; sabe que a expansão agropecuária exige infraestrutura energética e de transporte, a cargo do setor público. De forma oculta, se manifesta contra a industrialização; desconhece que 80% da população é urbana e 50% é metropolitana. Vale a pena visualizar a planta baixa desse pensamento conservador. Ele sabe que a energia solar, um bom regime climático e solos agrícolas de alguma qualidade produzem grãos (soja, milho, arroz, feijão, amendoim etc.); produzem matérias-primas vegetais (algodão, mamona, cana-de-açúcar, etanos, óleo de palma etc. e até madeira para papel); produzem capim e leguminosas que bois, carneiros e cabras transformam em proteína vermelha.
Com bastante facilidade, os grãos e os resíduos de seu beneficiamento servem para rações que nutrem aves de corte, porcos e, agora, peixes da piscicultura organizada. Tudo isso acontece no perímetro do estabelecimento agrícola e o desempenho depende da variedade de semente, grau de correção e fertilização do solo, combate às ervas daninhas e alguns insetos esfomeados; porém, a variável não controlável é o estado de humor de São Pedro. Derrubar mata virgem, utilizar caixa de fósforo, já garante uma terra com início de fertilidade. Prosperando, o estabelecimento irá comprar máquinas agrícolas, constituir um estoque de fertilizantes e defensivos agrícolas, construir algumas edificações e, se não tiver ligação com nenhuma rede elétrica, instalar um gerador a diesel. São relativamente reduzidos esses investimentos.
No momento em que o produto sai do estabelecimento agrícola, quase sempre por caminhão, segue para um porto preparado para carregar graneleiros. Com a mecanização, o circuito agrícola gera poucos empregos e, nos momentos de colheita, subcontrata (via ‘gatos’) a população boia-fria, que ostenta padrões de quase miséria – esse foi o Brasil da República Velha, que reaqueceu o coração dos conservadores com a difusão neoliberal do sonho da globalização.
Nosso conferencista conservador, que não gosta de industrialização e desconhece a distribuição espacial demográfica do povo brasileiro, percebe no Brasil fontes hidrelétricas a serem exploradas e, a partir do pré-sal, uma enorme reserva de combustível não renovável. Isso lhe alimenta o sonho de converter o Brasil num enorme exportador de óleo cru, baratear a gasolina que utiliza e o óleo diesel com que alimenta suas máquinas agrícolas. Para a hidreletricidade, como despreza o povo urbano, propõe que o Brasil seja favorável a indústrias eletrointensivas. Vê, satisfeito, a energia de Tucuruí ser exportada sob a forma de lingotes de alumínio. Não se opõe ao Brasil exportar couro verde para a Itália, Hong Kong e China fazerem calçados que tiram espaço das indústrias calçadistas gaúcha e paulista.
O conferencista conservador não vê problema no reduzido investimento público em infraestrutura urbana; pouco se preocupa com a qualidade dos serviços sociais, notadamente a péssima qualidade da educação; confia na lógica dos mercados e desconfia da nação, porém é amante dos incentivos fiscais e linhas de crédito favorecidas; gosta imensamente dos altos juros do Banco Central, pois como lhe é permitido reter dólares no exterior, pode – via paraísos fiscais – aplicá-los no mercado financeiro mantido nas alturas pelo dr. Meirelles.
A manutenção da atividade industrial se baseia num avassalador endividamento familiar. Os juros altos favorecem o rentismo e é sonho de muitos empresários terem um pé no mercado financeiro. Na renda nacional, é elevadíssima a participação dos rendimentos que não proveem do trabalho.
Em tempo, nesse mesmo seminário, alguém debochou da ideia de um projeto nacional: ‘Isto é coisa de chinês’. Porém eles prosperaram quando perceberam que exportar era a solução.
Carlos Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do BNDES.
Fonte: Valor Econômico – 14/07/2010.