Cada vez mais estarrecidos, os trabalhadores assistem aos ataques feitos por meio da mídia à Previdência Social, à aposentadoria e aos seus direitos trabalhistas. Seriam esses os grandes responsáveis pelas mazelas do país, pelo baixo crescimento econômico e pelo alto índice de desemprego. Dizem que é preciso mudar a Previdência, estabelecer idade mínima para a aposentadoria; desvincular o reajuste do piso previdenciário do salário mínimo e diminuir o valor dos benefícios pagos aos aposentados etc.
Tentam justificar essas e outras barbaridades com o argumento do ‘rombo’ nas contas da Previdência, que comprometeria recursos que seriam investidos para o país crescer. Mas isso não corresponde aos fatos. O famoso ‘rombo’ da Previdência não passa de uma ficção, fruto da má-fé de autoridades. A Constituição de 1988 acolheu o princípio da seguridade social (englobando a Previdência, a saúde e a assistência social) como direito social do povo brasileiro. E foi definido em lei um conjunto de contribuições (Cofins, CSLL, CPMF etc.), além daquela que já era recolhida sobre a folha de salários, para financiá-la.
Considerando-se esse critério, a seguridade social (incluída aí a Previdência) é superavitária. Os dados recolhidos pela Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência) nos próprios órgãos governamentais mostram que, em 2005, o superávit foi de mais de 56 bilhões de reais. Não há ‘rombo’ da Previdência, e sim ‘roubo’ de recursos da Previdência, que são desviados pelo governo para pagar a dívida pública.
O Orçamento para 2007, enviado pelo governo ao Congresso, prevê a destinação de R$ 165 bilhões para pagamento de juros (o governo brasileiro paga os juros mais altos do mundo) e mais R$ 77 bilhões para amortização da dívida pública. Esses recursos vão para os bancos e as grandes empresas, os grandes detentores dos títulos da dívida. Não por acaso, essas instituições têm anunciado recordes seguidos de lucratividade. É aí que estão os recursos que o país deveria investir para gerar emprego, construir moradias populares, hospitais, escolas, fazer a reforma agrária… e crescer.
Por outro lado, atacam as leis trabalhistas e a organização sindical para permitir a flexibilização ou mesmo eliminação de direitos trabalhistas. Demonizam o FGTS e a multa de 40% a ser paga sobre o seu saldo ao trabalhador demitido, querem ‘limpar’ a CLT e o artigo 7º da Constituição, atingindo férias, 13º, licença maternidade etc. Com a maior ‘cara-de-pau’, dizem que isso permitiria gerar mais empregos e renda ao trabalhador.
Tampouco tem fundamento. Todas as experiências de flexibilização de direitos tiveram efeito contrário: geraram aumento do desemprego e empobrecimento da maioria da população. Na Espanha (décadas de 1980 e 1990), o desemprego saltou de 10% (antes da flexibilização) para 22%; na Argentina, o desemprego, que estava em 6% no final da década de 1980, chegou a 20% com o processo de flexibilização iniciado em 1991; no Chile, o desemprego cresceu e chegou a 20% depois da reforma de 1978/1979; na Colômbia, foi de 5% ou 6%, em 1985, para 20% depois de aprovada a reforma trabalhista.
Com o mesmo sentido, já tramitam no Congresso a reforma tributária, que concentra renda, e a reforma universitária, que privatiza o ensino superior e coloca em mãos do capital privado o controle da produção científica e tecnológica que hoje é feita nas universidades públicas. Estamos ante um mar de hipocrisia, no qual banqueiros e grandes empresários falam em fazer o país crescer, quando, na verdade, só querem o crescimento de seus lucros. E um dos governos mais subservientes da história, que, apesar de sua origem -e, às vezes, utilizando-se dela-, se presta ao serviço sujo de ajudar os ‘de cima’ a massacrar ainda mais os ‘de baixo’.
Os trabalhadores e aposentados não aceitarão essas reformas. Não aceitaremos mais sacrifícios além dos que já nos impuseram. Queremos mais, e não menos direitos. E lutaremos por isso. Está em curso a constituição de uma frente nacional de organizações dos trabalhadores -envolvendo a Conlutas, as confederações de trabalhadores e de aposentados, os movimentos sociais e outros segmentos- para lutar contra essas reformas e para defender nossos direitos. Vamos escrever um outro final para essa história.
FONTE: Folha de S.Paulo (19/12/06)