Em sua primeira página de internet sobre as 2ª e 3ª Rodadas de Partilha de Produção, a ANP fala que seu objetivo é “recompor e ampliar reservas e a produção brasileira de petróleo e gás natural e atender à crescente demanda interna”. Observando a Tabela 1 elaborada com informações dos sumários executivos externos de apenas Búzios e Lula (campos super gigantes1) e de Itapu, Lapa, Sapinhoá e Sépia (campos gigantes2), do Pré-Sal da Bacia de Santos, podemos ver que não há necessidade de recomposição de reservas nem da Petrobras, nem do Brasil, mas sim das multinacionais de petróleo e gás. Os campos de Berbigão, Norte e Sul de Berbigão, Sururu, Norte e Sul de Sururu, Oeste de Atapu e Atapu das antigas áreas de Iara (Concessão cuja venda de 22,5% dos direitos para a Total foi recentemente suspensa por uma liminar) e Entorno de Iara (Cessão Onerosa), que tiveram sua declaração de comercialidade conjunta em 2014, não foram inseridos na tabela porque até os dias atuais a ANP não publicou em sua página os sumários destes campos. Porém, no comunicado da Petrobras sobre o anúncio da declaração de comercialidade, os volumes recuperáveis totais destes campos foram estimados em superiores a 5 bilhões de boe, o que coloca o cluster de 8 campos (3 acumulações muito próximas) como o terceiro super gigante do Pré-Sal de Santos. Somando-se estes 5 bilhões de boe aos 20,17 bilhões de boe dos campos da Tabela 1 (69,56 bilhões multiplicados pelo fator de recuperação médio de 29% usado pela ANP para calcular o excedente da Cessão Onerosa), temos 25,17 bilhões de boe de VOER (volume de óleo equivalente recuperável). E nem incluímos o Pré-Sal da Bacia de Campos, que é explorado em vários dos nossos campos gigantes do Pós-Sal descobertos nas décadas anteriores (como Roncador, Marlim e Jubarte). Não fica evidente que o país vem sendo covardemente saqueado exatamente por causa desta riqueza toda?
Tabela 1 – Volumes de petróleo in place, gás in place, e de óleo equivalente in place dos campos do Pré-Sal de Santos de acordo com Sumário Externo da ANP disponíveis no site.
Oil Delivery da ANP
Menos de 48 horas depois do presidente Temer escapar novamente de ser denunciado por organização criminosa e obstrução da Justiça e desta vez com uma base de apoio parlamentar mais restrita (251 votos a favor do arquivamento da denúncia e 233 autorizando a abertura de processo no STF), a ANP realizou no Hotel Grand Hyatt, Barra da Tijuca, as 2ª e 3ª Rodadas da Partilha de Produção, um regime que os lobbistas das multinacionais de petróleo e gás vêm atacando desde a sua criação em 2010 pela Lei Nº 12.351 no final do segundo governo Lula.
Os certames ocorreram na mesma semana em que o Rio de Janeiro sediou a feira Offshore Technology Conference, OTC Brasil 2017, promovida pelo Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), entidade que congrega os representantes das indústrias multinacionais de petróleo e gás. As datas foram bem convenientes para que os executivos das multinacionais pudessem comparecer e pousar sorridentes nas fotos para a imprensa logo após arrematarem por preços camaradas alguns blocos de elevado potencial em bacias caracterizadas por campos gigantes e super gigantes. Um presente de natal entregue antecipadamente por um país que desde o impeachment reassumiu com plena convicção a posição de República das Bananas.
Na 2ª rodada foram oferecidas quatro áreas unitizáveis, ou seja, adjacentes a campos ou prospectos cujos reservatórios se estendem para além da área contratada: Entorno de Sapinhoá, Norte de Carcará e Sul de Gato do Mato, no Pré-Sal na Bacia de Santos, e sudoeste de Tartaruga Verde, na Bacia de Campos. Segundo a ANP, “a unitização ocorre quando uma jazida se estende por áreas pertencentes a operadores diferentes ou entre áreas contratadas e ainda não contratadas”. O campo de Sapinhoá é o segundo maior produtor de petróleo e gás natural associado do país e o maior pagador de royalties e participação especial para o Estado de São Paulo. Sapinhoá foi o terceiro campo do Pré-Sal a ser descoberto (2008) e o segundo a entrar em produção (2013).
Figura 1 – À esquerda o mapa de localização do campo de Sapinhoá definido quando da aprovação do Plano de desenvolvimento submetido em 2012 e aprovado em 2013 (Plano de Desenvolvimento Aprovado Reunião de Diretoria nº 736 de 04/12/2013 – Resolução nº 1299/2013) então com poucos poços perfurados. À direita o limite do campo de Sapinhoá com as áreas do Entorno a serem leiloadas.
Foram oferecidas 3 áreas no Entorno de Sapinhoá, nas quais não há risco, pois são continuações de um excelente campo produtor. O “potencial elevado” usado pela ANP para classificar as áreas do Entorno de Sapinhoá é, portanto, um eufemismo revoltante
A área Norte de Carcará contém parte do futuro campo, pois a declaração de comercialidade da acumulação ainda não foi feita. Carcará foi a primeira acumulação gigante do Pré-Sal vendida na administração de Pedro Parente. O presente salvou a Statoil, estatal norueguesa de petróleo, que pagou em 2016 apenas U$ 2,5 bilhões de dólares (na verdade, a metade deste valor). À época, a Petrobras tinha ainda um ano para terminar o plano de avaliação da jazida, descoberta em 2012, e havia perfurado e testado dois poços de extensão que confirmaram a continuidade dos reservatórios e a excelente qualidade do petróleo (31 ° API), além da produtividade elevadíssima característica dos poços do Pré-Sal de Santos. A acumulação de Carcará é gigante e, além de recompor as reservas da Statoil, terá sua produção totalmente exportada.
Sul de Gato do Mato é uma acumulação perfurada pela Shell em 2012, quando a Lei de Partilha valia integralmente, e que, segundo um consultor jurídico da PPSA afirmou em entrevista aos jornais à época, deveria ter sido entregue à Petrobras para que esta ficasse responsável pela operação como mandava a lei. Porém, como sempre nossa ANP foi compreensiva com os interesses das multinacionais e suspendeu o Plano de Avaliação da área, dando à Shell o tempo que quisesse até que a declaração de comercialidade fosse feita.
A descoberta da jazida a sudoeste do Campo de Tartaruga Verde ocorreu em 2010, com a perfuração de um poço que buscava confirmar a extensão da acumulação de óleo identificada pelo poço descobridor do Campo de Tartaruga Verde, 100% operado pela Petrobras (aquele do frustrado processo de venda fraudulento para a Karoon, http://www.fnpetroleiros.org.br/noticias/4463/fnp-denuncia-pedro-parente-no-ministerio-publico-federal). No entanto, constatou-se a presença de óleo em área não contínua ao reservatório identificado pelo poço pioneiro, originando a jazida nomeada Sudoeste de Tartaruga Verde.
Na 3ª rodada foram oferecidos quatro blocos localizados na região do polígono do Pré-Sal relativas aos prospectos de Pau Brasil, Peroba e Alto de Cabo Frio-Oeste, na Bacia de Santos e Alto de Cabo Frio-Central, nas bacias de Campos e Santos.
Segundo o sumário desta rodada, a estimativa de volume de óleo equivalente in place (VOEIP) para a área de Pau Brasil é de 4,1 bilhões de boe. Aplicando novamente o fator de recuperação médio de 29%, tem-se um VOER de 1,189 bilhões de boe. Multiplicando-se pelo valor do barril no dia anterior ao leilão (WTI a US$ 52,79 o barril), esta área valeria US$ 62,8 bilhões.
Já a área de Peroba tem cerca de 5,3 bilhões de VOEIP, os quais podem ser convertidos em 1,537 bilhões de boe com a aplicação do mesmo fator de recuperação. Este volume equivalente recuperável, considerando o preço do barril WTI, é estimado em US$ 81 bilhões. Mais uma evidência de que os valores praticados nos leilões são aviltantes.
Nas áreas de Alto de Cabo Frio Central e Alto de Cabo Frio Oeste nenhum poço foi perfurado ainda. A área de Alto de Cabo Frio Central é gigantesca (3.674,37 km2), sendo maior que a soma das três áreas oferecidas nesta rodada.
Mais Uma Vez à Serviço dos Saqueadores
Derrubada a liminar por volta das 10h30, o leilão foi iniciado logo às 11h30 e mais uma vez a Petrobrás agiu à serviço dos saqueadores, garantindo a recomposição das reservas das multinacionais concorrentes através de suas “parcerias estratégicas”.
No Regime de Partilha, que regula o Pré-Sal, ganha a disputa quem oferecer a maior fatia de petróleo ou gás excedente da produção futura para a União. Esse excedente é o volume de petróleo ou gás que resulta após a descontar os custos da exploração e investimentos.
As Figuras 2 e 3 sumarizam os resultados das rodadas.
Figura 2 – Resultado da 2ª Rodada de Partilha
Somando a participação das multinacionais no óleo lucro destas áreas, é nítido que elas estão se apropriando de uma grande parte do óleo brasileiro, bem mais que a parcela da Petrobras, empresa que bancou o desafio e descobriu o Pré-Sal. Mais uma vez, os resultados mostraram que a direção da empresa se colocou à serviço dos interesses dos saqueadores do país.
Figura 3 – Resultado da 3ª Rodada de Partilha
Talvez por medo de um elevado percentual de CO2, nenhuma oferta foi apresentada à área de Pau Brasil. Ou terá sido pela ausência da Petrobras? As companhias multinacionais de fato sabem quem detém o conhecimento e não querem assumir riscos.
Um bom resumo destas duas rodadas é que a Shell foi a maior vencedora arrematando as áreas de Sul de Gato do Mato e Alto de Cabo Frio Oeste em consórcios com outras multinacionais e oferecendo à União apenas o lance mínimo. Nunca um campo gigante saiu tão barato quanto Gato do Mato, o qual aliás nunca deveria ter sido concedido à Shell, e ainda deverá ser alvo de disputas judiciais. A BP adentra o cenário do Pré-Sal formando duas importantes parcerias com a Petrobras. Em qual outro lugar do mundo, tais empresas obtiveram campos tão ricos pagando tão pouco e sem disparar um único tiro?
A Desinformação da Mídia Brasileira
Um estudo elaborado pela consultoria da Câmara dos Deputados apontou que as condições econômicas das duas rodadas de leilão seriam desfavoráveis ao governo federal do ponto de vista da arrecadação. Se todas as 8 áreas fossem vendidas, o governo arrecadaria R$ 7,75 bilhões.
No entanto, as 6 áreas vendidas geraram uma arrecadação de R$ 6,15 bilhões, 20% abaixo do esperado, e o Ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, classifica o resultado como um “estrondoso sucesso”. O diretor geral da ANP, Décio Oddone, afirmou que “o excedente de petróleo reservado para a União, bem acima do mínimo, vai ter impacto brutal na arrecadação futura”. Em seu sítio, a ANP afirma que “o sucesso das rodadas reflete as mudanças regulatórias realizadas pelo Governo brasileiro, que tornaram o ambiente de negócios no País mais atraente a empresas de diferentes portes (…). Entre os aprimoramentos na legislação esteve o fim da obrigatoriedade de a Petrobras ser operadora única no pré-sal, abrindo oportunidade para a entrada de outras empresas”.
Continuando o arsenal de falácias, em O Estado de São Paulo afirma-se que as empresas que arremataram os blocos do Pré-Sal por R$ 6,15 bilhões pelo Regime de Partilha, aceitariam pagar seis mais (R$ 40 bilhões em bônus de assinatura) se o leilão fosse feito pelo regime de Concessão. O pagamento seria efetuado ainda este ano, a tempo de ajudar o governo a fechar as contas do déficit fiscal e “ainda sobrariam uns trocados bem gordinhos”. Uma descarada defesa de um modelo extremamente lesivo ao país, onde as empresas limitam-se a pagar royalties e exportam toda sua produção, por 30 anos, sem o menor compromisso com o Brasil.
Fechando o conjunto de notícias entreguistas, o Globo divulga que o governo decidiu apoiar uma revisão de regras para exploração de petróleo no país. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia anunciou o retorno ao modelo de concessões, argumentando que seria possível arrecadar mais num cenário de crise no país. Além de alterar o regime de exploração, Maia pretende colocar em votação um projeto do deputado José Carlos Aleluia (DEM) que permite à Petrobras comercializar até 70% do volume dos campos de petróleo na área de Cessão Onerosa. Este é o governo brasileiro: reduz impostos de multinacionais, omite-se diante da imensa evasão fiscal que ocorre ano a ano, comemora a entrega do patrimônio nacional para outros países e ainda batalha por uma legislação favorável que legitime o saque ao povo brasileiro.
Lembrando: Cessão Onerosa
O Campo de Búzios, sob o regime de Cessão Onerosa, é o maior super gigante encontrado no mundo em pelo menos 5 décadas. Seu desenvolvimento está sendo conduzido pela Petrobras, que já perfurou 20 poços até junho de 2016, estando previstos um total de 54 poços produtores. O gigante de Lapa teve 35% dos direitos e mais a operação vendidos para a Total (transação atualmente suspensa por liminar) apenas dois dias depois da produção ter sido iniciada. Sul de Sapinhoá, Sépia, Itapu, Norte e Sul de Berbigão, Norte e Sul de Sururu e Atapu por enquanto estão protegidos da venda porque esta seria uma ilegalidade, visto que são campos, assim como Búzios sob o regime de Cessão Onerosa.
Além dos 5 bilhões contratados na Cessão Onerosa, quatro destas áreas juntas– Búzios, Entorno de Iara, Sépia e Itapu – possuem um excedente calculado pela ANP em 2014, com base em estudos técnicos da Petrobras, como sendo de 9,8 bilhões a 15,2 bilhões de boe. A contratação direta da Petrobras para a produção do excedente em regime de partilha de produção, permitida pela Lei de Partilha à época, foi aprovada em reunião do CNPE, presidida pela presidente Dilma Roussef, em 24 de junho de 2014. Convenientemente para as multinacionais, os meios de comunicação estão procurando confundir na cabeça dos brasileiros a revisão do contrato da Cessão Onerosa, da qual a Petrobras deverá sair credora da União, com a produção do Excedente da Cessão Onerosa (ECO). São coisas independentes e se pagamos muito caro pelo barril na avaliação feita pelas certificadoras contratadas pela Petrobras e pela a ANP à época do contrato da Cessão Onerosa, pela lógica, teríamos direito a produzir mais do que os 5 bilhões de barris inicialmente contratados e a diferença sairia do excedente, que continua sendo da Petrobras por direito. Se os órgãos competentes não fizeram os contratos de partilha do excedente, isto não é culpa da população brasileira que não deve ser tão aviltantemente espoliada em seu patrimônio (leia mais em http://aepet.org.br/w3/index.php/artigos/noticias-em-destaque/item/882-de-olho-no-excedente-da-cessao-onerosa).
“Retomar as Atividades da Indústria do Petróleo no Brasil”
Outra falácia dos entreguistas de plantão é que as novas rodadas de leilões estão servindo para retomar as atividades da indústria de óleo e gás como se a produção no Pré-Sal, aquela província que já responde por mais de 50% da produção brasileira, estivesse totalmente parada.
Ao contrário, a produção brasileira também vai muito bem, obrigada. A média do mês de julho de 2017, relatada no Boletim de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural do mês de setembro do Ministério de Minas e Energia, foi de 3,346 milhões de barris de óleo equivalente por dia (MMboe/d), dos quais 2,623 MMbbl/d de petróleo. Deste total diário, 48,2% vieram dos 80 poços do Pré-Sal (1.613 Mboe/d). Só por curiosidade, este volume produzido superou a produção da maioria dos países produtores da OPEP no mesmo mês, conforme mostra a Tabela 2.
E fica a pergunta que sempre fazemos ao final: os planos da Petrobras e do Governo sempre são ditos estratégicos, mas para quem?