mostrou que, naquele ano, pela primeira vez, 1% da população mundial possuía tanto dinheiro líquido e investido quanto os 99% restantes e que essa enorme disparidade vinha aumentando desde a crise de 2008.
A economia capitalista, amplamente majoritária no mundo, não tem conseguido distribuir, de forma justa, os benefícios do crescimento econômico e do desenvolvimento tecnológico. Em todos os países, mesmo nos mais ricos, subsistem enormes contingentes de populações pobres, desassistidas e carentes. Apesar disso, a grande maioria dos agentes econômicos continua defendendo uma liberdade crescente para os mercados, com o mínimo de intervenção externa. A propriedade privada dos meios de produção, o lucro como decorrência da acumulação de capital e a economia de mercado sem qualquer regulação governamental permanecem como dogmas prevalentes nesse novo surto mundial de liberalismo econômico.
O capitalismo gerou uma parafernália de instituições, formada por bancos centrais, redes bancárias, fundos de investimentos, bolsas de valores, agências de risco e outras organizações correlatas, cujo conjunto costuma ser chamado de Mercado. Atuando internamente nos países, em consonância com interesses definidos no nível global, o Mercado dispõe de um poder quase absoluto, influenciando a gestão das empresas e a adoção de políticas governamentais. Ele se opõe à intervenção estatal na economia, questiona as políticas de inclusão social e valorização do trabalho, desaprova os programas de redução das desigualdades e se posiciona contra a regulação externa e a tributação dos ganhos de capital.
O sobe-desce dos preços das ações e a evolução do câmbio revelam as preferências e expectativas do Mercado. No Brasil, isso restou claro nas eleições presidenciais, desde 2002, no episódio do “impeachment” e no julgamento do atual presidente pelo Congresso, episódios em que o Mercado buscou influenciar os resultados a seu favor. O Mercado não tem pátria, não segue preceitos morais, não tem caráter. Basta ver o que ocorre em nosso país hoje, onde um governo com nenhuma credibilidade e envolvido em inúmeros casos de corrupção recebe o seu apoio explícito em troca de projetos que interessam ao neoliberalismo e à internacionalização da nossa economia.
A história recente da Petrobras é outro exemplo emblemático. A deterioração da imagem da companhia, a partir das investigações e denúncias de corrupção promovidas pela operação Lava Jato, fez o Mercado acreditar que, sem o apoio da sociedade, seria possível, enfim, reduzir o protagonismo da empresa no nosso setor de petróleo, abrindo espaço para “players” estrangeiros no pré-sal e no “downstream” e privatizando o que fosse possível do conglomerado de ativos da estatal. Por meses a fio, nos últimos três anos, setores cooptados pelo Mercado – analistas econômicos, agentes governamentais, políticos, jornalistas, instituições financeiras e agências de avaliação de risco – contribuíram para propalar aos quatro ventos uma suposta fragilidade financeira da empresa, cuja insolvência somente seria evitada com o aporte de vultosos recursos pelo Tesouro Nacional. O apoio do Mercado a essa versão fez com que as ações da Petrobras despencassem, chegando a ser negociadas abaixo de R$5/ação.
Aconteceu, no entanto, exatamente o contrário. Em 2016, a Petrobras antecipou o pagamento de um empréstimo de R$20 bilhões junto ao BNDES e adiou a cobrança do débito de R$16 bilhões da Eletrobrás. Ainda assim, encerrou o exercício com US$21 bilhões em caixa. Em termos de liquidez corrente, a Petrobras dispunha, no final de 2016, de US$ 1,8 para cada US$1 que tinha a pagar no curto prazo, situação bem mais confortável que as de Exxon e Chevron, que dispunham de apenas US$0,9. Uma empresa nessas condições não tem problemas financeiros relevantes e não necessita vender ativos estratégicos, cuja alienação possa desestruturar as suas principais fontes de receita.
Em 2017, ocorreu o leilão de áreas do pré-sal e a Petrobras foi a grande protagonista das rodadas, arrematando três dos seis blocos negociados por R$1,14 bilhões em bônus e oferecendo a maior participação de petróleo-lucro à União. A atuação da Petrobras no leilão foi um dos fatores de sucesso do evento e desqualificou as análises de alguns porta-vozes, que ainda insistiam em avaliar negativamente a situação financeira da empresa.
Indiferente aos desejos e expectativas do Mercado, a empresa prosseguiu com os seus investimentos em óleo e gás, iniciados no período 2010-2014. Em 2017, começaram a operar, no pré-sal da Bacia de Santos, as FPSO Cidade de Maricá, em Lula Alto, Cidade de Saquarema, em Lula Central, e Cidade de Caraguatatuba, no campo de Lapa. Ao longo de 2018, entrarão em operação mais sete plataformas, com capacidade para produzir 150 mil bpd/dia, cada. Serão seis no pré-sal da Bacia de Santos – três no campo de Búzios e as demais em Lula Norte, Berbigão e Lula Extremo Sul – e uma na área de Tartaruga Verde e Tartaruga Mestiça, na Bacia de Campos. Essas novas plataformas somarão 1,1 milhão de bpd à produção de petróleo do pré-sal, que passará a gerar, sozinho, uma receita anual equivalente a 70% da dívida da Petrobras.
Nossa maior e mais estratégica empresa está de volta, exibindo uma notável resiliência aos malfeitos do controlador e aos equívocos da equipe de gestão. Em seu retorno, a nossa campeã devolve a esperança aos brasileiros que nela sempre confiaram e decepciona aqueles setores que, tradicionalmente, dão preferência à exploração de nossas riquezas por empresas estrangeiras.
Em: março de 2018
Fonte: Credit Suisse Research Institute
*Eugenio Miguel Mancini Scheleder trabalhou na Petrobras e é vice-presidente da AEPET. Também ocupou cargos de direção nos ministérios de Minas e Energia e do Planejamento, de 1991 a 2005. Atualmente, exerce a função de Mediador Extrajudicial, capacitado pela Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem – CCMA/RJ.
(Extraído de artigo publicado na edição digital de março da revista Brasil Energia Petróleo e Gás)