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A culpa é do PT, o partido dos Tiradentes

Data da publicação: 25/07/2017

 

 Há uma história mítica, que nos conta o poder dominante, e uma história saída dos fatos, pesquisadas, no mais das vezes com extremo lavor, por historiadores, antropólogos e outros cientistas.

A passagem da Idade Média, do feudalismo, para Idade Moderna, para o capitalismo, é um exemplo bastante interessante. Para os discípulos fieis ao poder dominante, a Idade Média, na Europa, é uma só, igual de ponta a ponta, com briosos cavaleiros (nem sempre cavalheiros) levando a justiça e a fé na ponta de sua lança.

Mas, se o latifúndio e a Igreja, esta no afirmar de Henri Pirenne “um grande poder financeiro”, assim se comportavam nas áreas hoje dominadas pela França, pela Bélgica, parcialmente pela Alemanha, Áustria, Itália e Espanha, isto não ocorria na Inglaterra ou em Portugal. Naquela ilha, desde a saída dos romanos, reis e nobres guerreiros escandinavos, saxões, normandos foram ocupando partes da Britânia e formando seus reinos ou condados, as vezes com extensões ao continente, até que, bem antes da Europa continental, celebraram um modus vivendi, as Magnas Cartas, no século XIII, que alguns pretendem ver o início da democracia (!).

 

Parodiemos a conhecida frase da peça de Julio Dantas (A ceia dos cardeais): em como é diferente a Idade Média em Portugal! Já começa com os Reis, no século XII, a expulsar os mouros, e a aristocracia que vai se formando já é subordinada ao rei. Como afirma a historiadora Sheila de Castro Faria, “o sistema feudal clássico, de modelo francês, não pode ser totalmente aplicado”….”a recuperação das terras ocupadas pelos muçulmanos fortaleceu o poder da Coroa, com o rei tornando-se o principal proprietário rural e doando terras aos aristocratas. …. Mais especial ainda foi o fato de o serviço militar ter se constituído em função remunerada”, quando na França era resultante de vínculos de fidalguia e outros tantos, nunca assalariados.

 

Detenhamo-nos nesta formação de classes no luso alvorecer capitalista, que vai marcar, mesmo com adaptações e configurações autóctones, o nosso País.

 

O Brasil surge – e toda expansão marítima – como a resposta política econômica de Portugal à depressão agrária que toma a Península Ibérica no século XIV. Recordemos que, até o século XV, as atividades comercial e industrial eram desenvolvidas nas cidades e havia rigorosa divisão de trabalho do campo agrícola, dos negócios, artes e ofícios urbanos.

 

A posição geográfica de Portugal favoreceu o comércio marítimo e, por leis,  impostos e regulamentos, o rei se fortalecia sobre a própria aristocracia. A Revolução de Avis (1383/1385) vai firmar o predomínio real sobre uma nobreza que apoiara o reino de Castela. Mas tal traição não causou mudança significativa na sociedade. Tínhamos esta formada pelo rei, os nobres, os comerciantes – a burguesia – e o povo miúdo. Escreve Sheila de Castro Faria uma observação da história de Portugal que muito marcará a sociedade brasileira, desde a colônia até nossos dias:”a burguesia portuguesa sempre aspirou ascender socialmente e adquirir o status da nobreza. Mantinha-se, assim, uma sociedade aristocratizada. Longe de querer destruir a nobreza, o grupo de mercadores enriquecidos aliava-se a ela e ao rei”. Não era o lugar para acontecer um 14 de julho de 1789.

 

Característica brasileira, não encontrada na sociedade portuguesa, foi o modo de produção escravista colonial, conceito do historiador Ciro Flamarion Cardoso. Sem qualquer sombra de dúvida a escravidão foi e permanece a grande  agressão social e humana, a verdadeira tragédia da formação brasileira.

 

Desde o início, que não nos é apontado pela história oficial, a escravidão marcou as relações de trabalho. Começa pela escravidão indígena, muito mais disseminada do que nas narrativas do Poder. O índio brasileiro não era mão de obra formada para lavoura, no seu modo de vida coletor, caçador, guerreiro, deixava para as mulheres a agricultura. Mas a pouca informação estatística existente dá como índios, na Bahia, 90% dos escravos, em 1572, no engenho Sergipe do Conde. Também, na fase da extração do pau-brasil foi o índio o único trabalhador não assalariado. Nas referências que temos, a mão de obra negra toma o lugar do índio no final do século XVII, início do XVIII.

 

Também fora das histórias doutrinadoras, nas áreas disseminadas da ocupação de portugueses – as precárias condições no interior de Portugal impulsionavam a busca de vida melhor no Brasil – se desenvolveu um comércio de bens indispensáveis à sobrevivência. O Brasil não era apenas uma grande plantation a exportar produtos primários. O modo de produção era familiar e os que não constituíam família ou não conseguiam sucesso em acolhimentos formavam um intenso movimento entre os núcleos familiares e urbanos – futuros mascates e tropeiros. E as relações de parentesco estavam na base da acumulação e reprodução de riqueza. Podemos dividir, originalmente, a população deste Brasil Colonial nas famílias que trabalhavam a terra e aprisionavam índios que, posteriormente substituídos por negros, eram seus escravos, nos agregados familiares, nos andarilhos, em busca de boas condições de vida, nos representantes da Metrópole – funções administrativas, judiciais, de polícia e defesa – e nos comerciantes, que serão os controladores do crédito. Nunca esquecer as irmandades religiosas, também disputando esta função financeira.

 

Não me estenderei, por não ser o motivo, na dinâmica destas populações. Apenas uma citação da historiadora Sheila de Castro Faria: “a sociedade que se criou pode ser considerada aristocrática e bem hierarquizada,apesar de seus membros não terem títulos de nobreza” (Colônia Brasileira, Editora Moderna, SP, 1997).

 

Os negócios com a Metrópole e a “solução africana” para mão de obra fizeram do capital mercantil o mais rentável, inserido na economia de mercado mundial, que teve sede no Brasil. Diferentemente do que divulgaram muitos historiadores, foi o capital brasileiro que dominou o tráfico negreiro e constituiu, com a economia interna já referida, um verdadeiro paraíso de rendas, fora das flutuações do mercado europeu. Contrariamente, ao lado das dificuldades naturais de um empreendimento agrícola e do custo dos escravos, a necessidade subjetiva de manter um fausto, incompatível muitas vezes com a renda dos negócios, fez a família proprietária rural, cume da aristocracia nacional, uma família, em diversas situações, empobrecida.

 

Ora, criou-se então nesta Terra de Santa Cruz um paradoxo capitalista: o ápice social era de um devedor, um empobrecido senhor rural, produtor do bem de exportação, que o comerciante, importador e exportador de commodity e de escravo, usufruía, sendo também um usurário mercador. Impossível não citar Charles Boxer (O império colonial português, Edições 70, Lisboa, 1981), o “mais abaixo na escala social do que os praticantes das sete artes mecânicas: camponeses, caçadores, soldados, marinheiros, cirurgiões, tecelões e ferreiros”  era, no Brasil Colônia, o homem rico, que mantinha o próprio “aristocrata”. E pior, no afã desta glória social, muitos comerciantes também conheceram a ruína.

 

Vê-se, portanto, que o “choque capitalista” não chegou ao Brasil, nem colônia, nem império, nem república. Mesmo o enriquecimento cedia socialmente o lugar e status privilegiado para uma aristocracia de soberba e vontades sem meios.

 

Mais uma vez transcrevo o excelente trabalho de Sheila de Castro Faria: “reconhecia-se sua riqueza, mas não se lhe invejava a posição. Por outro lado, ninguém via nada de mais na “aristocracia” proprietária de terras ou de bens mobiliários viver das rendas e da exploração dos escravos, sem nunca, na realidade, ter trabalhado”. “Ao próprio negociante se atribuía essa “impureza”: ao comerciante a retalho nunca foi permitido receber comendas ou títulos nobiliárquicos. Só aos que não “sujavam as mãos” se dava esse direito”.

 

Quão abominável deve ter sido para estas fumaças aristocráticas  encontrarem um operário na Presidência e, longe de por os pés pelas mãos, inaugurar uma nova e vitoriosa política de reerguimento da autoestima brasileira, interferindo nas relações internacionais como nunca antes o Brasil o fizera, e tirando 40 milhões de cidadãos da área da pobreza. E mais, aumentando a geração de emprego, retomando a posição de liderança na construção naval e em várias áreas da engenharia, acabando com a dívida externa e até emprestando dinheiro ao FMI e, o pior, construindo mais escolas técnicas do que em toda história do Brasil e abrindo para todos as portas das universidades.

 

Como esta classe média, orgulhosa de sua imprestabilidade, ignorante de seus próprios e mesquinhos saberes pode receber, em sua vida artificial e arrogante, uma pessoa que está abaixo dos vilipendiados comerciantes, na descrição de Boxer?

 

Esta classe que vive no artificialismo, que se orgulha de um green card e não do passaporte brasileiro, que inveja um apartamento em Lisboa, mesmo menor e mais trabalhoso do que lhe seria possível no Rio de Janeiro ou em São Paulo, enfim que não ama seu país natal e se prontifica a vendê-lo para agradar ao seu senhor estrangeiro.

 

Temos nesta história a nossa própria desdita. Dentro do Brasil, um país, como denominado por Barbosa Lima Sobrinho, dos Joaquim Silvério dos Reis, bajulando os ricos e estrangeiros e traindo a alma brasileira. Este é um país que não deveria existir em nossa Nação, o país traidor, incapaz de entender o Partido dos Tiradentes, o partido dos nacionalistas, dos patriotas.

 

Porém, ainda há muito o que descobrir nesta história “dos olhares brancos” (apud Robert Slenes) que nos chegou como única, deformando nossa imagem de Nação, do Brasil. E assim compreender a dimensão das manifestações midiáticas, as injustificáveis decisões judiciais e esta apatia diante da retirada dos direitos trabalhistas e da violência contra índios, camponeses, mestiços e pobres e contra o próprio sentido de humanidade.

 

Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado 

 

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