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A Hora e a Vez da Energia Verde

Data da publicação: 02/10/2017

No dia 10 de setembro deste ano, o Operador Nacional do Sistema Elétrico registrou uma média diária de geração eólica de 6.194 MW, correspondente a 71% da demanda média diária. Já a geração instantânea alcançou 6.852 MW, representando 84% da demanda instantânea da região. Isso mostra que a fonte eólica já não é mais apenas um complemento e, na Região Nordeste, é capaz de suportar a maior parte do consumo. Os custos de produção de eletricidade a partir de energia solar e eólica sofreram uma queda vertiginosa nos últimos 5 anos, na faixa de 50 a 80%. Os projetos tornam-se cada vez mais econômicos e sinalizam um crescimento exponencial do aproveitamento dessas fontes energéticas, no Brasil e no mundo.
Esse tipo de notícia nos remete às transformações que vêm ocorrendo no setor de energia em todo o planeta, a taxas cada vez mais aceleradas. Essas mutações vão impactar a maioria dos negócios do setor e nenhuma área de atividade estará a salvo das mudanças que virão. Dois vetores principais orientarão o futuro, quais sejam, (i) a esperança de um mundo melhor, mais limpo e sustentável, no que concerne á produção e ao uso de energia, e (ii) o desenvolvimento de tecnologias específicas, capazes de viabilizar economias de baixo carbono nos países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Embora tenham contrariado as expectativas do resto do mundo, as restrições do governo norte-americano ao Acordo de Paris não deverão impedir o cumprimento dos compromissos assumidos, em nível planetário, para apoio à ação mundial de proteção climática. Muitas empresas americanas mantiveram seus projetos alinhados com a redução de emissões de carbono e tudo indica que as restrições do governo Trump começarão a ser retiradas à medida que outros países, em especial a China, se disponham a assumir a liderança do processo, em escala global. Além do aspecto político, as energias eólica e solar estão se tornando mais competitivas que o carvão na geração de eletricidade e isso estimula o interesse de investidores e neutraliza um dos principais argumentos que Trump utiizou para abandonar o acordo climático. O Acordo de Paris tem signatários suficientes para torná-lo juridicamente vinculativo e não será sustentável para os EUA, como segundo maior poluidor do mundo, livrar-se de quaisquer compromissos ambientais, enquanto o resto do mundo carrega o seu peso.

Na China, a conversa é outra e ninguém mais duvida do compromisso do governo chinês com a energia limpa. O país já é reconhecido como a superpotência global em energias renováveis e estabeleceu o seu domínio por meio de enormes investimentos. Após impressionantes US$190 bilhões investidos em 2015/16, a China está programando gastar mais US$360 bilhões em energia verde até 2020. Além de ambiciosos projetos domésticos, entre os quais se destaca a maior fazenda solar do mundo, na província de Qinghai, com 870 MW, o governo chinês vem promovendo negócios relevantes em outros países, em especial na Australia, no Chile e na Alemanha. A China possui cinco das seis maiores empresas mundiais de fabricação de módulos solares, o maior fabricante de turbinas eólicas do mundo e o maior fabricante de íons de lítio, utilizados na fabricação de baterias de grande capacidade.

Mas, o que teria motivado a China a se tornar, em tão pouco tempo, o país lider em energias renováveis? Certamente, a degradação ambiental observada nos grandes centros urbanos chineses poderia ser um motivo relevante. Nos últimos anos, o país sofreu muito com a poluição, devido à sua forte dependência do carvão energético na produção de eletricidade. Além disso, o vasto território chinês é altamente vulnerável às mudanças climáticas, com severas secas no norte, geleiras derretidas no oeste, inundações no sul e desertificação crescente. Seu interesse no processo de proteção climática é, portanto, evidente, mas, a maior motivação para o compromisso verde dos chineses parece ser de natureza econômica e social. A China identificou um gigantesco mercado para a exportação de tecnologias com baixas emissões de carbono, como o transporte ferroviário de alta velocidade, as energias solar e eólica e os veículos elétricos. Os avanços tecnológicos tornaram a energia limpa mais viável nos últimos anos e os investimentos programados para o setor deverão acrescentar, na China, 9,5 milhões de empregos até 2020. Para se ter uma idéia, a mineração de carvão, uma das atividades que o presidente Trump propõe proteger, emprega hoje, nos EUA, apenas 53 mil trabalhadores. Em todo o mundo, a disponibilidade de empregos no setor de energia limpa é cinco vezes maior do que no setor de combustíveis fósseis. Além disso, os salários pagos nas atividades relacionadas com a energia verde também são competitivos e a remuneração média aumentou 8% em 2016.

A previsão de uma crescente eletrificação do consumo de energia em todo o mundo vem despertando a atenção da indústria do petróleo. Na esteira das pressões ambientais, a geração de eletricidade a partir de fontes não fósseis, a introdução dos veículos elétricos no mercado e os ganhos de eficiência energética poderão reduzir a demanda futura de petróleo em 20 MM de bpd até 2040. Um estudo da Carbon Tracker Initiative estima que os ativos das sete maiores empresas privadas de petróleo do mundo poderiam valer US$ 100 bilhões a mais se as companhias alinhassem os seus planos de investimento com o objetivo de limitar o aquecimento global. O relatório alerta as companhias para a necessidade de fazerem previsões mais conservadoras sobre a demanda futura global e lembra que, entre 2014 e 2015, um excesso de 2% na oferta de óleo levou a um total de US$ 380 bilhões em despesas de capital canceladas ou adiadas pela indústria. De acordo com a Carbon Tracker, as empresas que assumem que uma alta demanda futura elevará o preço do barril correm o risco de aprovar projetos de maior risco e menor retorno. Entre os exemplos de maior risco, a pesquisa cita a exploração nas areias betuminosas do Canadá, o óleo extrapesado normalmente encontrado na Venezuela e alguns projetos de E&P em águas profundas.

Muitos analistas acreditam que o setor de energia ingressou em um processo acelerado de inovação disruptiva, que promoverá profundas mudanças na tecnologia, nos processos e nos modelos de negócios futuros. Para a indústria do petróleo, o grande pivô dessa transformação será a introdução dos veículos elétricos no mercado de transporte. Pressionadas por regras contra a poluição cada vez mais rigorosas, as grandes montadoras mundiais estão investindo para que os seus modelos elétricos estejam à disposição dos consumidores no menor prazo possível. Tesla e GM já comercializam os seus modelos Model 3 e Chevy Bolt, enquanto Daimler, Volvo, Scania e Cummins estão testando caminhões elétricos de vários tamanhos. A Volkswagen anunciou investimentos de 20 bilhões de euros para assegurar que as 12 marcas do grupo disponham de 50 modelos de VE em 2025 e 300 modelos até 2030. A BMW e a Mercedes Benz também anunciaram, no Salão do Automóvel de Frankfurt, que pretendem oferecer opções híbridas e elétricas para cada um de seus modelos. Alguns países, entre eles a China, a India, o Reino Unido e a Alemanha, estabeleceram metas ambiciosas para a substituição progressiva de veículos convencionais por VE, estimulando as iniciativas da indústria. Cada carro elétrico economizará 30 barris de combustível por ano e as fontes renováveis deverão ser utilizadas para produzir boa parte da eletricidade a ser consumida.

Parece, portanto, que a energia limpa continuará a ganhar impulso em todo o mundo, independentemente de os EUA participarem ou não do esforço mundial de defesa climática. Tudo indica que os americanos já ficaram para trás da China na corrida por vantagens neste novo mercado em expansão e terão que reagir rapidamente se quiserem garantir uma fatia desse bolo.

Em: setembro de 2017
Fontes: US Energy Informationl Administration – EIA
Carbon Tracker Initiative

*Eugenio Miguel Mancini Scheleder é engenheiro aposentado da Petrobras. Também ocupou cargos de direção nos ministérios de Minas e Energia e do Planejamento, de 1991 a 2005. Atualmente, exerce a função de Mediador Extrajudicial, capacitado pela Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem – CCMA/RJ.

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