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A Petrobrás pró-mercado e anti-nacional: o balanço do primeiro trimestre e a lógica do curto-prazismo

Data da publicação: 17/05/2017
Autor(es): William Nozaki

O que há por trás dos resultados de curto-prazo? A Petrobrás divulgou no último dia 11 de maio o seu balanço do 1º trimestre de 2017. A atual gestão e o mercado destacaram três resultados:

1) o EBITDA ajustado (lucro antes dos juros, impostos, amortizações e depreciações) de R$ 25,55 bilhões, 2% maior do que no trimestre anterior;

2) o lucro líquido de R$ 4,45 bilhões, um montante 77% maior do apresentado no 4º trimestre de 2016; e

3) a redução do endividamento líquido, na comparação com dezembro de 2016, tanto em reais (com queda de 4% alcançando um montante de como R$ 300,9 bilhões) como em dólares (redução de 1% chegando a US$ 94,99 bilhões).

Esses resultados foram saudados, pela companhia e pelo mercado, como resultado da administração curto-prazista da atual diretoria. O que é uma falácia, pois os melhores resultados financeiros ocorreram em virtude: da expansão das receitas, causada por mudanças macroeconômicas que não estão sob governabilidade da empresa, como o aumento do preço do barril de petróleo e a desvalorização cambial; e pela redução das despesas, oriunda da alta qualidade e produtividade do óleo do pré-sal e do sucateamento da empresa, com impearment´s e redução da força de trabalho empregada, além de frutos oriundos da onda anterior de ampliação de investimentos da empresa. Vejamos: As receitas e a falta de governabilidade sobre os preços do barril e o câmbio Nos três primeiros meses de 2017, o preço do petróleo foi 9% superior em relação ao trimestre anterior e 59% acima do observado no 1º trimestre de 2016.

Com o aumento dos preços e da produção, a Petrobrás elevou em 72% suas exportações – destinando cerca de um terço da produção – e atingiu a marca produtiva de 782 mil barris/dias. Vale destacar que essa produção diária já ultrapassa a de muitos países da OPEP. Com isso, a produção brasileira começa a afetar, marginalmente, o preço mundial do petróleo. O que poderia parecer um acerto empresarial de curto-prazo, o aumento da produção, pode significar um erro setorial e estratégico de longo-prazo, já que a ampliação da oferta brasileira pode contribuir para a desaceleração do aumento internacional do preço do barril. Portanto, caminhamos na contramão dos esforços geoeconômicos e geopolíticos da Rússia e de alguns países da própria OPEP.

Além disso, a desvalorização do real em relação ao dólar (3% na comparação com trimestre anterior e 11% no cotejo com 1º trimestre de 2016) afetaram de forma positiva a redução da dívida, uma vez que cerca de 70% dessa dívida está denominado em dólar. Com o aumento da participação das exportações, os resultados da Petrobrás, como nunca em sua trajetória, vão depender das variações na taxa de câmbio e nos preços internacionais do petróleo. Isso amplia a exposição às flutuações internacionais que certamente impactará também nos preços de derivados no mercado doméstico. As despesas e a falta de governança estratégica sobre os patrimônios e os ativos Houve ainda uma expressiva redução de perdas com impairment entre o 4º trimestre de 2016 e o 1º trimestre de 2017 (perdas de R$ 3,67 bilhões para apenas R$ 42 milhões) de quase 100%.

Com as menores perdas a empresa apresentou resultados contábeis positivos. Cabe observar que, ao longo de 2016, a atual direção da Petrobrás adotou os testes de impairment não apenas como resultado das mudanças nos parâmetros econômicos, mas sim como uma estratégia de gerenciamento de resultados (earnings management) – quando um administrador adota uma política contábil para atingir determinados fins – voltados à subvalorização do patrimônio e dos ativos da empresa. Com isso, ocorreu uma superestimação proposital das perdas contábeis (que afetaram de forma expressiva os resultados financeiros) criando uma suposta ideia de que a Petrobrás estava enfrentando uma crise financeira estrutural.

Essa estratégia, na verdade, foi o instrumento contábil que deu legitimidade a desenfreada vendas de ativos como a única alternativa possível para resolver os problemas financeiros. Uma falácia contábil. Esse desinvestimento deve-se a atual meta financeira – estabelecida pelo Plano de Negócios e Gestão (2017-2021) da Petrobrás – de 2,5 da relação dívida líquida/LTM EBITDA para 2018. Essa meta de acelerada desalavancagem somente pode ser alcançada com a venda de ativos para o pagamento do principal e dos juros de sua dívida. Cabe observar que essa meta foi escolhida de forma discricionária pelo atual presidente da Petrobrás, que afirmou em entrevista à revista Executivos Valor (maio de 2017): “antecipar a meta de desalavancagem […] de 2,5 vezes de 2020 para 2018, foi uma coisa [decisão] minha”.

Ou seja, a estratégia de vender ativos foi imposta pela decisão do atual presidente da Petrobrás. Não é para menos que a empresa aumentou o pagamento do principal e dos juros de sua dívida, chegando ao montante de R$ 34,25 bilhões somente neste trimestre, 38% acima do que foi gasto no trimestre anterior. O plano excessivamente acelerado de pagamento da dívida tem como objetivos, por um lado, satisfazer a sanha curto-prazista do mercado financeiro e, por outro, abrir espaços para empresas privadas nacionais e, sobretudo, estrangeiras com a venda de ativos. Isso tudo em detrimento do papel central dos investimentos de longo-prazo da Petrobrás para o conjunto do país, implicando numa estratégia deliberada de encolhimento da empresa.

A Petrobrás pró-mercado, com menos investimentos e menos trabalhadores Outro elemento importante para os atuais resultados financeiros positivos foi a diminuição das despesas com importações de petróleo e gás natural, reflexo de maior participação do óleo nacional no refino e maior oferta de gás natural. Isso se deveu ao aumento da produção de petróleo e gás natural no Brasil em especial nas reservas do pré-sal. Cabe observar que isso foi fruto dos investimentos realizados anteriormente ao pré-sal, bem como dos avanços tecnológicos conquistados na produção destas áreas, reduzindo imensamente os seus custos de produção. Portanto, essa redução dos custos é uma consequência positiva dos investimentos realizados no ciclo anterior à atual onda de desinvestimentos, desmonte e privatização do Sistema Petrobrás.

A redução dos investimentos foi de 16% entre o 4º trimestre de 2016 e o 1º trimestre de 2017 (montante de R$ 9,9 bilhões). Essa redução é ainda maior na comparação com o mesmo trimestre de 2016 (queda 34%). Isso fica evidente com a redução nas despesas com vendas gerais e administrativas de 27% no 1º trimestre de 2017, que foram motivadas, principalmente, pela redução do número de trabalhadores (5% em relação ao trimestre anterior e 17% no cotejo com o 1º trimestre de 2016), passando para 65.220 trabalhadores. Isso refletiu os programas de demissão voluntária de 2014 e 2016. A Petrobrás para os acionistas ou para os brasileiros? Noutras palavras, a ampliação de investimentos feita pela Petrobrás no período anterior foi tão acertada que seus frutos podem ser colhidos ainda hoje, daí a importância do fortalecimento da natureza pública e estratégica da empresa contra as defesas do Estado mínimo e da empresa enxuta, como vem sendo feito pela grande imprensa, o editorial do jornal Estadão em 14/05/2017, por exemplo, não se constrangeu em defender que o objetivo da Petrobrás deve ser estritamente o de gerir ganhos para os seus acionistas e não o de protagonizar políticas de desenvolvimento industrial, setorial e tecnológicas.

Para as aves de rapina de plantão, com visão torpe, programas de investimento devem sempre ser substituídos por privatizações. A diretriz da atual gestão, a propósito, caminha no sentido do desinvestimento e do desmonte do Sistema Petrobrás, tal escolha compromete o futuro da empresa e sua capacidade de desbravar novas fronteiras de produção e tecnologia. Se Pedro Parente fosse presidente da Petrobrás em décadas anteriores certamente a companhia não teria descoberto o pré-sal, dado sua timidez nas frentes de inovação e sua obsessão pela austeridade. Em suma, as mudanças positivas nas variáveis que estão fora da governabilidade da empresa (preço do barril e flutuação do câmbio) tem favorecido financeiramente a companhia (aumento do EBITDA e dos lucros operacionais).

Diante disso, os desafios financeiros de curto prazo estão se arrefecendo, o que permite ajustar financeiramente a empresa sem precisar colocar à venda mais ativos. No entanto, a atual gestão não tem levado isso em conta preferindo acelerar o pagamento da dívida, por meio da venda de ativos, ao invés de priorizar um projeto de investimentos bem planejado e estruturado. Nesse sentido, a empresa está apresentando resultados positivos à custa de opções curto-prazistas, da redução do número de trabalhadores e do enxugamento dos investimentos, o que significa, por um lado, perder fluxo de caixa futuro no médio e longo prazo com a venda de ativos operacionais lucrativos (refinaria, distribuidora, participação no pré-sal etc.); e, por outro, diminuir o papel da Petrobrás no projeto de desenvolvimento econômico e industrial do país, tratando a empresa não como patrimônio nacional, mas apenas como ativo para seus acionistas.

William Nozaki – Professor de Economia e Ciência Política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), coordenador da Cátedra Celso Furtado na mesma instituição, membro do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas para o Setor de Petróleo e Energia da Federação única dos Petroleiros (GEEP-FUP).

O presente texto contou com a contribuição inestimável dos demais integrantes do GEEP-FUP a quem agradeço: Cloviomar Cararine Pereira, Eduardo Costa Pinto, José Sérgio Gabrielli e Rodrigo Leão.

FONTE: GGN