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Ajuste? Sim, com justiça!

Data da publicação: 06/10/2016

Acompanho, na imprensa, os debates sobre a necessidade de medidas para o “equilíbrio orçamentário”, para o “ajuste fiscal”. O ministro da Fazenda afirma não pretender aumentar impostos e, ao mesmo tempo, não descarta esta possibilidade. A Confederação Nacional da Indústria anuncia que está “ansiosa por medidas duras”. O secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda defende mudanças na Previdência, “duras e rápidas”. Alguns defendem a aposentadoria aos 65 anos.

O governo aposta nas privatizações selvagens para reduzir a dívida pública, procedimento adotado, sem resultado, no Governo FHC. Sempre com sacrifício do patrimônio nacional. Pretendem aprovar no Congresso a limitação dos gastos públicos, por 20 anos! “É preciso mudar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), anacrônica, superada, causadora de malefícios indiscutíveis”. Que tal uma jornada diária de 12 horas?

Assisto a tudo inquieto, estupefato, indignado. Mandamentos constitucionais, como justiça social, capacidade contributiva dos cidadãos, dignidade da pessoa humana, direitos dos trabalhadores, diminuição das desigualdades, não confisco, são afrontados por esses “salvadores da pátria”.

A tabela do Imposto de Renda permanece, governo após governo, corrigida, sempre, abaixo da inflação, uma perversidade. A defasagem já ultrapassa 70%. Por conveniência, insensibilidade, oportunismo, incompetência ou covardia, não são enfrentadas questões fundamentais que poderiam proporcionar o equilíbrio das contas públicas de forma mais justa. Justiça, com sacrifícios proporcionais à capacidade dos cidadãos.

Fala-se em uma reforma tributária nunca materializada. Ela é necessária para mudar a tributação, dando mais peso aos impostos diretos, sobre a renda e o patrimônio, aliviando os indiretos, sobre o consumo. Estes penalizam cruelmente os mais pobres. O operário, ao adquirir uma caixa de fósforos, paga ICMS e IPI com as mesmas alíquotas cobradas de um banqueiro.

O trabalho assalariado paga até 27,5% de Imposto de Renda, enquanto o capital (fundos de investimentos, dividendos, juros sobre o capital próprio) somente 15%. Um carro popular é tributado, paga IPVA, mas barcos de recreio, iates de luxo e aeronaves executivas são isentos. A tributação sobre grandes fortunas, prevista na Constituição (artigo 153, inciso VII) até hoje não foi regulamentada. Cerca de 160 brasileiros têm patrimônio individual declarado superior a um bilhão de reais.

Os créditos tributários inscritos na dívida ativa da União, em setembro de 2015, já ultrapassam R$ 1,5 trilhão, segundo dados oficiais da Procuradoria da Fazenda Nacional. A cobrança destes créditos demanda, em média, o prazo absurdo de até 12 anos. As autoridades reclamam do número insuficiente de procuradores e outros afirmam que o “Estado é muito grande”.

A sonegação/evasão fiscal, não obstante o empenho e a modernização dos mecanismos da Receita Federal do Brasil, atingem enormes valores. O Imposto Territorial Rural, instrumento para garantir a função social da propriedade e a reforma agrária, não representa sequer 1% da arrecadação. Também pouco contribuem outros tributos sobre o patrimônio (ITCD, ITBI, IPTU e IPVA), cuja receita não chega a 5% do total dos impostos recolhidos.

O ajuste fiscal, tão alardeado, para ser justo, também implica corajosa reavaliação de imunidades, isenções, remissões, anistias e outras formas de renúncia fiscal. Bilhões de reais foram concedidos, nos últimos anos, a grandes corporações, inclusive multinacionais, sob a forma de incentivos fiscais, isenções e outras benesses.

Será justo, em um Estado laico, contemplar, com imunidade tributária, templos religiosos que chegam a ter dezenas de milhares de metros quadrados de área construída? Matéria recente, da Folha de São Paulo, registra que somente a perda de receita anual decorrente do não pagamento do IPTU por aqueles templos seria suficiente para a construção de mais de 120 creches na cidade de São Paulo.

Resumindo: ajuste fiscal com justiça social, sob pena de agravarmos, ainda mais, as desigualdades no Brasil, navegando na contramão do objetivo fundamental da Carta Magna que preconiza a redução das desigualdades sociais (artigo 3º, inciso III).

Publicado em 21/09/2016 em Monitor Mercantil.