“Muito provavelmente você já estudou sobre a Revolução Industrial Inglesa, e que resultou num aumento grandioso da atividade industrial. O que você provavelmente não sabe é que o preço desta Revolução foi uma série de condições inóspitas aos trabalhadores com qualidade quase zero de saúde e segurança ocupacional.”
Assim tem início a Comunicação de 19 de fevereiro de 2019, do blog Segurança e Saúde Ocupacional, do sistema SOGI.
A Revolução Industrial na Inglaterra teve como fonte de energia o carvão mineral, que transformou aquele país em campeão da asma e doenças pulmonares, doenças do crescimento, pela exposição excessiva ao calor, má ventilação nos prédios e excesso de umidade, além da óbvia insalubridade da mineração do carvão.
Porém fez da Inglaterra o maior império em terras não contíguas na história do mundo, eliminando etnias e idiomas, fazendo da língua inglesa a mais falada na Oceania e, após o árabe e junto ao francês, a língua oficial da maioria dos países africanos, amplamente falada na América do Norte e a principal dos negócios.
Então o carvão mineral promoveu o Império Inglês, abriu as portas para o Estadunidense, deixou um rastro de doenças e mortes em seu caminho, porém não gerou a mesma criminalização do petróleo. Qual a razão? É o que tentaremos entender.
Petróleo na história
O petróleo é um produto fóssil com densidade inferior à da água, inflamável e além de ser usado como fonte primária de energia é insumo para fabricação de um sem número de produtos que vão das armas a remédios e cura de doenças, passando por diversos outros bens industrializados.
Esta multiplicidade de usos do petróleo, o faz, nas formas pastosa, líquida e/ou gasosa, apenas entre os insumos energéticos, dominar mais de três quartos da comercialização mundial.
Embora conhecido desde a antiguidade, o petróleo assume a condição de produto comercial no século 19, com produção, desenvolvimento de tecnologias de transformação e descobertas na Grã-Bretanha, Canadá, Estados Unidos da América (EUA), Azerbaijão (Baku), entre outros países.
O petróleo é encontrado em reservatórios de rochas porosas, em subsuperfície de bacias sedimentares terrestres até quilômetros abaixo de pisos marinhos, em águas oceânicas e lacustres, e em depósitos de folhelhos e arenitos betuminosos.
O mundo, segundo as principais agências e organizações que analisam o petróleo, chegou a 2022 dispondo de 1,7 trilhão de barris, sendo as maiores reservas encontradas na Venezuela, na Arábia Saudita, no Irã, no Iraque e na Rússia. Veja o leitor que não é por simples acaso, nem pela defesa de nobres ideais humanitários, que os EUA invadiram o Iraque, em 2003, declararam bloqueios e sanções ao Irã, à Rússia e à Venezuela, em diversos momentos do século 21 e, com os pretextos de defesa da democracia e liberdade, atacam estes países.
E, ainda mais, estes servidores das finanças somam os arenitos betuminosos, existentes nos EUA e no Canadá, não os da Rússia nem do Brasil, como se fossem petróleos e constituíssem unidades homogêneas. Para que estes arenitos se transformem em petróleo, como os extraídos dos reservatórios de óleo e gás, é necessário produzir o betume e o refinar. Assim se obterá o óleo, semelhante ao do petróleo extraído dos reservatórios.
Os óleos se classificam em pesados, abaixo de 22º API; médios, entre 22 e 31º; e leves, acima de 31º API. São medidas arbitrárias, das densidades do óleo, estabelecidas pelo American Petroleum Institute (API). O betume nem mesmo óleo pesado se constitui; em muitas publicações se encontra sob a denominação de xisto.
E toda gama de falácias, erros intencionais, mentiras cercam a história do petróleo, contada pelos capitais financeiros apátridas na luta pelo poder político. Esta tem início na década de 1920 e conclui com a vitória das desregulações financeiras, na década de 1980, tendo como troféu, em 1989, o Consenso de Washington: a cartilha do caminho para sujeição às finanças ou para a eliminação dos Estados Nacionais. A Era Neoliberal das Globalizações.
Tomemos para exemplo as “crises do petróleo” de 1973 e 1979.
No início do século 20, as empresas privadas e a de Estados nacionais que detinham reservas faziam seus preços conforme podiam impor aos consumidores. Examinando, na mesma base de preços, as duas primeiras décadas, se vê preços de barris oscilarem em até 10 vezes.
No primeiro quinquênio dos anos 1920, a produção dos EUA cai, e este país passa a importar, principalmente da Venezuela, cujas descobertas, por empresas estrangeiras, o tornavam exportador de 100.000 barris diários (b/d), em 1922, passando a 275.000 b/d, em 1928.
A principal empresa estadunidense era a Standard Oil Co, de John Rockefeller. A anglo-holandesa Royal Dutch-Shell (Shell), dirigida por Henry Deterling, se preocupava com a quase totalidade de suas reservas se encontrarem em países que poderiam se libertar do jugo colonial. Com a British Petroleum (BP), então Anglo-Persian Oil Company, em 1928, estas três se reuniram na Escócia, no Castelo de Achnacarry, dando início a dos mais fortes cartéis, antes do domínio financeiro da atual economia mundial: o das Sete Irmãs, com as Standard Oil of New York (Socony), Texaco, Standard Oil of California (Socal) and Gulf Oil.
Este cartel manteve, desde 1928 até 1970, o preço do barril de petróleo estável, inferior a um dólar estadunidense (USD 1), a dólar de 2001. Foi a época de ouro do desenvolvimento mundial, apesar das guerras que ocorreram, inclusive para o Brasil, pois havia energia barata para mover a produção e o transporte, a custa do mundo petroleiro em países sem soberania.
Com a fundação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), em 1960, após a criação do Estado de Israel (1948), projeto anglo-sionista para impedir o domínio árabe no Oriente Médio, tem início a articulação para recuperação do valor do petróleo bruto, óleo cru.
Em 1971, no nordeste da Escócia, foi descoberto o campo de Brent, saudado como a libertação ocidental do petróleo árabe. No entanto, para que houvesse economicidade, este campo a 185 km a leste de Lerwick, no Mar do Norte, não poderia custar menos de USD 1, na base monetária em que estamos trabalhando. Então as Sete Irmãs, agindo em seu benefício, mas imputando o aumento às pressões da Opep, principalmente dos produtores árabes, provocaram o Primeiro Choque, em 1973, passando o barril a USD 7, ainda inferior ao de 1928, simplesmente corrigido monetariamente. Qual evento levaria à crise, se a produção e a demanda pelo petróleo estavam equilibradas, não havia qualquer modificação no mercado, além da descoberta no Mar do Norte, que só entraria em produção em 1976?
Dominando os meios de comunicação, as finanças fizeram um estardalhaço, mostrando fotos da realeza europeia andando de bicicleta e fazendo o mundo pensar que a era do petróleo estava no fim. Porém, exageraram na dose, objetivando os lucros no Mar do Norte, que não correspondia a precipitada avaliação de um Oriente Médio em águas europeias, e impuseram o aumento (crise de 1979) que o mercado não aceitou. Logo no ano seguinte veio a queda, a crise do “oil glut” (excesso de petróleo), e durante a década de 1980 o preço caiu, só se estabilizando na década de 1990.
O discurso passa a ser dos males ambientais do petróleo, uma vez que era abundante, o mundo o consumia para mais de 80% das necessidades de energia, e a tecnologia avançava para o mar, dando expectativa de encontrar novos e produtivos reservatórios.
As “fake news” não começaram na era digital, as finanças as usam desde sempre.
As batalhas na vigência do Consenso de Washington
As vitórias obtidas pelas finanças, dominando os governos das principais economias ocidentais, desmembrando a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1991, controlando praticamente todas as agências de notícia e principais veículos de comunicação no mundo, transformando em párias, no concerto das nações, países que se recusavam à vassalagem ao Consenso de Washington, como a República Popular Democrática da Coreia (Coreia do Norte), trouxeram novos ataques ao petróleo.
Sendo o domínio financeiro estéril, no que diz respeito ao desenvolvimento econômico e social, os objetivos das finanças, além de incorporar sob seu poder todas as economias de empresas e de Estados, foram a realização de guerras.
Logo na primeira década, os anos 1990, sem sermos exaustivos, lembremos a Guerra do Golfo, quando os EUA incentivaram o Iraque a invadir o Kuwait, levando as inquietações ao mundo civil do petróleo. Ainda em 1990 se dá a unificação do Iémen, seguida da separação da Eritreia da Etiópia (1993), a invasão da “polícia do mundo” (os EUA) à Somália, o genocídio de Ruanda (1994). Mas os grandes feitos bélicos foram a destruição da Iugoslávia, sob o rótulo da Guerra da Bósnia (1995), o início da Guerra no Congo (1998) que ainda perdura, e na Ásia Central (Paquistão, 1999) iniciando a “Guerra ao Terror”, com a farsa do 11 de setembro de 2001.
O poder financeiro sempre esteve associado a guerras, em sua expansão como finanças da aristocracia inglesa, eliminou populações inteiras impondo seu idioma, costumes e legislações na ação mais intensa da pedagogia colonial. O resultado se vê, ainda hoje, na continuidade deste poder com o dólar estadunidense, sucessor da libra esterlina, e no inglês como a língua dos negócios em todo mundo, mesmo entre países que não a têm como idioma oficial.
As novas guerras ganham um contexto civilizacional. Se as guerras do século 20 eram mais marcadamente ideológicas, principalmente do capital versus trabalho, e da soberania local contra a dominação político-econômica estrangeira, as guerras empreendidas pelas finanças, no século 21, têm sido contra o terrorismo, que só é apresentado como ação do mundo islâmico. Quase como uma inevitabilidade histórico-religiosa, exibindo como exemplo o domínio do entorno do Mar Mediterrâneo, após a cristianização do greco-romano.
Como a agência central de inteligência estadunidense CIA, no século 20, foi responsável por golpes contra governos que não seguiam a cartilha de Washington – recordem-se no Brasil as tentativas e os sucessos em 1937, 1945, 1954, 1964 e 1980 – o atual ator, simulando a ação árabe, usa o nome Daesh, sigla que tem sentido pejorativo em árabe e imprecisão quanto à localização das ações bélicas.
Envolvendo o mundo árabe e identificando-o ao petróleo, ao terrorismo, ao Daesh estadunidense, para um nível de rejeição e medo das pessoas, e as Organizações não Governamentais (ONGs) para as questões climáticas e ambientais, as finanças agora apátridas, tendo por agentes os “gestores de ativos” com seus recursos nos paraísos fiscais, promovem a guerra ao petróleo no século 21.
Felipe Maruf Quintas é doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense; produz o canal “Brasil Independente”, pelo YouTube.
Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado, foi membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra, é atual presidente da Aepet – Associação dos Engenheiros da Petrobrás.
Publicado originalmente em 12/09/2023 em Monitor Mercantil