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As pelejas do petróleo contra as finanças apátridas: o século 21

Data da publicação: 20/09/2023

Poucos países entram no século 21 fora da dominação das finanças apátridas. Relacionam-se com a República Popular da China (China), a Federação Russa (Rússia), a República Islâmica do Irã (Irã), a República Popular Democrática da Coreia (Coreia do Norte), a República de Cuba (Cuba), a República Bolivariana da Venezuela (Venezuela), a República Democrática do Congo (Congo Kinshasa), o Estado Plurinacional da Bolívia (Bolívia), a República Moldava Pridnestroviana (Transnístria), resultado do desmembramento da Iugoslávia (balcanização) pelos interesses financeiros e não reconhecido por eles, e, de modo geral, os membros da Comunidade dos Estados Independentes (Armênia, Belarus, Cazaquistão, Moldávia, Quirguistão, Tadjiquistão, Turcomenistão, Uzbequistão, desde 1991, e Geórgia e Azerbaijão, a partir de 1993), embora haja entre esses algumas dissidências, e estados africanos na luta permanente pela soberania, como vemos ocorrer recentemente no Níger, no Mali e em Burkina Faso.

Algumas situações são ainda mais complexas como a da Mongólia, que depende da China, participa da Organização para Cooperação de Xangai (OCX), mas é considerada Estado de “economia de mercado” (sic), em publicações das finanças apátridas.

As organizações plurinacionais, como os Brics, a Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês), a Organização para Cooperação de Xangai (SCO, na sigla em inglês) e a Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Ceap), entre outras, que propugnam pela multipolaridade, ou seja, das relações sem dominação entre as nações, causam maiores dificuldades de classificação no critério unipolar – nós ou eles – das finanças. Elas constituem atualizações amadurecidas da Conferência de Bandung, de 1955, que, pela primeira vez, pôs a autodeterminação dos povos como estratégia conjunta das antigas colônias ocidentais.

Revisemos as ações das finanças apátridas sob duas perspectivas: da captação de recursos e das aplicações, com suas relações com o mundo do petróleo.

De onde vem o dinheiro?

Seria ingenuidade excessiva imaginar que um sistema de poder fundado na mentira, na corrupção, na chantagem e fraudes diversas fosse correto na captação de recursos. O que resulta também na enorme quantidade de títulos sem lastro, real, efetivo, que inundam o mercado financeiro internacional. De acordo com “think tanks” de diversos países, as quantias de papéis sem valor vão de centenas de trilhões de dólares estadunidenses aos quatrilhões da mesma moeda.

Mas as despesas são imensas, comprar ou eliminar governos requer, além dos custos operacionais dos golpes e subornos, campanhas midiáticas para garantir o apoio popular: sites digitais, noticiários na televisão, análises em jornais e revistas, declarações de personalidades, financiamento de teses acadêmicas e criação de ONGs com abundantes fake news em suas publicidades.

E as finanças criam fundos com títulos públicos, de empresas que já assumiram o controle e papéis sem suporte em bens reais, com altas taxas de juros de remuneração e intensas campanhas de captação que levam os assalariados a acreditarem ter encontrado o caminho do céu. Estes recursos irão servir para as enormes despesas com a conquista e manutenção do poder e para o enriquecimento do próprio sistema financeiro.

Este mecanismo, outrossim, esvazia os recursos destinados à produção em benefício dos estéreis mecanismos de transferência de riqueza. Os investimentos produtivos, que ficam à míngua, são os que geram emprego e aumento da quantidade de produtos para atender maior número de pessoas. O resultado está na miséria, na fome e no desemprego que aumentam desde 1990, inclusive nos países desenvolvidos.

Mas o indicador Produto Interno Bruto (PIB) não computa esta disfunção especulativa, pois apenas observa o resultado final. Movimentações sem qualquer aumento de produção nas operações em bolsas de valores, frutos de simples especulações, resultam em aumento do PIB, compra e vendas como forma de transferência superfaturada de riquezas também inflam os PIB, exportações sem produtos e dezenas de artifícios fazem do PIB um indicador sem valor. A professora Mariana Mazzucato, em seu livro O Valor de Tudo – Produção e Apropriação na Economia Global (ed. bras. Portfolio Penguin, 2020), esmiúça os artifícios operacionais e ideológicos da contabilização do financismo na riqueza nacional, lastreados na confusão reinante entre valor, qualidade advinda do trabalho, e preço, convenção mercantil, a fim de justificar a apropriação financista das riquezas produzidas na economia real.

Por outro lado, a energia per capita, que diz respeito às possibilidades de gerar riqueza e benefícios reais aos países, não é divulgada com a mesma amplitude do PIB. A energia, enquanto capacidade de realizar trabalho, relaciona-se ao valor, deixado de lado em relação ao preço, no qual se indistinguem a economia real da economia abstrata financista.

O petróleo exige permanentes investimentos não somente para encontrar novos reservatórios. Os investimentos das empresas de petróleo criam um virtuoso sistema de transferências que aumentam a capacitação tecnológica do país, o número de empresas que produzam materiais, equipamentos, diversos produtos e empreguem profissionais que irão prestar serviços nas petroleiras e nas empresas que surgirão.

E, muito mais relevante ainda, são os investimentos que tirarão o petróleo da responsabilidade na produção de energia; hoje 55% do consumo mundial são obtidos pela queima de óleo e gás natural. É o pior uso do petróleo. O petróleo é um composto de carbono e hidrogênio e, em menor parte, de oxigênio, nitrogênio e enxofre, combinados de forma variável, conferindo características diferenciadas aos diversos tipos de cru encontrados na natureza. Do petróleo refinado se obtém insumos para a imensa diversidade de produtos petroquímicos que estão presentes na vida das pessoas: para higiene, para saúde, para habitação, para usos domésticos, para construções, para transporte e até para a guerra. A queima para gerar energia, tão combatida pelas ONGs ambientais, não é o mais relevante, é o mais fácil e barato, com melhor resultado.

Investir em petróleo significa investir no progresso humano. Ora, se as finanças desejam a redução populacional para evitar a pressão demográfica sobre seu sistema de poder, por que desejariam a humanidade mais próspera? Mais rica só a elite financeira, como são mostradas em ficções literárias e cinematográficas desde o século 19.

Na captação e no controle das estruturas e gestão dos Estados Nacionais, que as finanças se enriquecem e empobrecem as sociedades humanas.

A importância do petróleo, como da tecnologia nuclear, deve ser desconstruída, criminalizada, eliminada, para o poder e glória das finanças apátridas.

Riscos contra indefesos pobres

As finanças apátridas são a expressão pós-Consenso de Washington (pós-CW) para aqueles que outrora ocupavam os 792 assentos na Câmara dos Lordes. Um corpo não eleito, formado por dois arcebispos e 24 bispos da Igreja Anglicana (Lordes Espirituais) e 766 membros da nobreza britânica (Lordes Temporais) que se comparam com os 650 membros da Câmara dos Comuns do Reino Unido.

Os ricos pós-CW não têm a exposição dos Lordes, apenas seus emissários são conhecidos, alguns pelas reuniões do Clube Bilderberg, do Fórum Econômico Mundial, outros por rara participação política e, também, por eventuais polêmicas que as mídias desvendam.

Um senhor, que se apresenta como professor, com nome de Fernando Cardoso, em 13/10/2022, assim escreveu, sob o título “Nova Ordem Mundial: entre conspirações e realidades”, no conhecido jornal lisboeta Diário de Notícias:

“Alguém me chamou a atenção de que tal seria esperável, dada a profusão de páginas na net que se dedicam à denúncia de uma alegada conspiração global, de ricos e poderosos – e cito três exemplos retirados de várias dezenas que encontrei (mantenho a grafia): ‘esta página dedica-se a trazer à tona as pretensões da elite global para a construção de uma nova ordem econômica global que figurará no advento de um grande líder mundial que controlará todas as nações com seu poder totalitário’; ‘divulgamos ativamente sobre a Nova Ordem Mundial, que automaticamente envolve o Governo Oculto, os Illuminatis, o Grupo Bilderberg, as Profecias, os Chemtrails, os OGM/GMO (Alimentos Orgânicos Geneticamente Modificados) e muito mais…’; somos ‘um grupo de conhecimentos gerais com base em teorias conspiratórias, sociedades secretas, nova ordem mundial, etc..”.

Ora pois, então são esses pobres, mantidos na miséria, na fome, na ignorância pela falta de recursos para construção e manutenção de escolas e pagar professores, no ilusionismo circense das igrejas neopentecostais que estão criando obstáculos às ações de desinteressados ricos?

E as finanças, que ainda mantêm a palavra “comunista” como os medievais a denominação “herege”, para excluir fisicamente seus opositores da sociedade!

Todos os dirigentes dos países que estão enumerados no início deste artigo são ditadores, ainda que se submetam a eleições regulares e, como no caso da Venezuela, promovendo plebiscitos para decisões de interesse popular. Também por melhores que sejam as condições de vida, sem miséria, com trabalho, com proteção à saúde, escola e habitação para todos, o que existe em Cuba, sempre será para as finanças apátridas um país miserável.
Venezuela e Cuba sofrem injustificáveis sanções dos EUA, por suas altivas governanças, que muito prejudicam as populações como está relatado no premiado livro Infancia Bajo Asedio (Editorial Trinchera, Caracas, 2023), da professora e dirigente Anahí Arizmendi, que trata das medidas unilaterais, coercitivas, contrariando os Direitos Humanos aprovados pela Organização das Nações Unidas (ONU), contra meninas, meninos e adolescentes venezuelanos, prejudicando sua alimentação, saúde e crescimento. Apenas em 2019, Arizmendi enumera e comenta as consequências de 17 “Ordens Executivas” emitidas pelo governo estadunidense.

O que são os EUA, neste século 21, senão gendarmes mundiais das finanças apátridas, com suas forças armadas?

Concluímos com os países árabes, em permanente ataque militar e de sanções, embargos e medidas coercitivas das finanças, executadas pelos EUA e países cúmplices. Excluindo a Venezuela, que detém a maior reserva de petróleo no mundo, os países que completam as dez maiores reservas são, em ordem dos maiores volumes, a Arábia Saudita, Irã, Iraque, Rússia, Kuwait, Emirados Árabes, EUA, Líbia e Nigéria.

Com a farsa das armas de destruição de massa, os EUA invadiram o Iraque, apenas para se apossar do seu petróleo, como ficou evidente nestes vinte anos de ocupação militar daquele país. A Líbia que detinha o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da África, hoje nem mais é um Estado nacional, mas tribos dispersas pelo antigo território líbio, em guerra fratricida, entregando suas reservas de petróleo para exploração de empresas estadunidenses. O mundo árabe vive em permanente inquietação, pois teme, a qualquer dificuldade de solvência das finanças, sofrer invasão ocidental.

Diante deste quadro, construído pelas finanças apátridas, que apresentamos, pode ainda acreditar que há qualquer interesse na humanidade, na realidade dos efeitos do petróleo no clima da Terra, na desinteressada defesa de florestas (não mais existentes na Europa, no Canadá, nos EUA) e de populações primitivas?

Trata-se apenas de, pela miséria, pelo controle do petróleo, bem insubstituível para o desenvolvimento humano, pela redução populacional, garantir privilégios e conforto para a parcela ínfima dos verdadeiros trilionários, cujos nomes nem são assim conhecidos, como a família real inglesa.

Felipe Maruf Quintas, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense, produz o canal “Brasil Independente”, pelo YouTube.

Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, foi membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra, é atual presidente da Aepet (Associação dos Engenheiros da Petrobrás).

Fontes:

Monitor Mercantil

Acessar publicação original:

aepet.org.br