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Celestino: desmonte da engenharia brasileira é criminoso

Data da publicação: 06/07/2017
Autor(es): Pedro Celestino

Em entrevista à Revista Digital de Engenharia da Associação Profissional dos Engenheiros Agrimensores no Estado de São Paulo, Pedro Celestino, presidente do Clube de Engenharia, afirma que a crise da Petrobrás é falsa e que “o desmonte da engenharia brasileira é criminoso, pois nos coloca à mercê de concorrentes estrangeiros”.

Abaixo, a íntegra da entrevista:

RD – A crise econômica que afeta o Brasil chega primeiro na engenharia. Qual a sua opinião sobre isto?

PC – A crise econômica chega primeiro à engenharia porque, desde a reeleição de Dilma Rousseff, o País rendeu-se à lógica neoliberal, que preconiza o abandono de investimentos públicos, em detrimento daqueles selecionados pelo “mercado”. Passa-se, assim, a gerir as contas públicas com as regras da economia doméstica: gastar menos do que arrecada e destinar o saldo porventura existente ao pagamento de juros. É uma política de interesse exclusivo do capital financeiro, o que leva ao estrangulamento da economia e, em consequência, da engenharia.

RD – Qual o papel das carreiras de engenharia no fortalecimento da economia e desenvolvimento no Brasil?

PC – O Brasil é um país em construção, com demandas na área de infraestrutura que só serão atendidas em décadas. Habitação, saneamento, mobilidade urbana, transportes (rodoviário, ferroviário, fluvial, terminais portuários e aeroportos) darão emprego aos profissionais da engenharia. Por outro lado, as áreas de óleo & gás (temos o Pré-Sal, a maior descoberta de hidrocarbonetos no planeta nos últimos 30 anos), aeronáutica (tome-se o exemplo da EMBRAER) e nuclear terão também papel de destaque crescente na nossa economia.

RD – Como você avalia o desmonte da engenharia brasileira?

PC – O desmonte da engenharia brasileira é criminoso, pois nos coloca à mercê de concorrentes estrangeiros. Nós, que nas últimas décadas exportamos serviços de engenharia para mais de 40 países, regrediremos à condição colonial. O combate, necessário, aos desmandos e à corrupção, não poderia implicar destruição da capacidade técnica e gerencial acumulada nas últimas 6 décadas. Que os responsáveis por abusos sejam submetidos ao devido processo legal é o certo, mas destruir as empresas e os empregos é um absurdo. A Volkswagen, por exemplo, foi recentemente alvo de vultoso processo por fraudar consumidores quanto a índices de poluição atmosférica dos veículos por ela produzidos; seus diretores foram afastados, processados, a empresa foi condenada a pagar multas bilionárias, mas não deixou de produzir veículos, nem dispensou pessoal. Aqui, jogam fora a água, a bacia e a criança.

RD – Você que deve ter enfrentado outras crises na engenharia e na economia nacional, já viu desmonte igual em outro momento no país?

PC – Não se trata hoje de recessão, cíclica em qualquer economia capitalista. Trata-se de depressão, por colapso da demanda, fruto da política econômica que só atende aos interesses do capital financeiro. É uma situação inédita em nosso país, agravada pela crise política decorrente da ilegitimidade do governo atual para propor medidas radicais de desmonte do Estado e de direitos sociais e trabalhistas, conquistados ao longo dos últimos 80 anos, sem ser oriundo do voto popular.

RD – Como a Operação Lava Jato interfere na indústria brasileira?

PC – A Lava Jato se propõe a passar a limpo as relações econômicas, políticas e sociais. É uma visão messiânica, que vai muito além do necessário combate a práticas ilícitas, comuns no nosso sistema político. Ameaça, com o concurso de setores do Judiciário, do Ministério Público, da Polícia Federal e com o apoio da mídia monopolista, conduzir o país a uma ditadura de toga. Nas democracias, o ônus da prova cabe a quem acusa. Aqui, prisões por prazo indeterminado, estímulo a delações, conduções coercitivas sem prévia intimação, se reproduzem no cotidiano, ao arrepio dos direitos e garantias individuais consagrados por nossa Constituição.

RD – Por que a Petrobrás só convidou estrangeiros para licitação de obras no Comperj?

PC – Porque o governo atual não tem compromisso com o País, e sim com os interesses financeiros, estrangeiros, que o patrocinam. Despreza a capacidade industrial aqui instalada, alegando que lá fora tudo é mais barato. Então, para que produzir aqui? Falta, entretanto, combinar com os brasileiros: de onde virão os empregos? Por isso, já são mais de 14 milhões de desempregados. Se não mudar o rumo da economia, caminharemos para uma convulsão social.

RD – Você acha que a crise da Petrobrás é só um pretexto para o desmonte da engenharia nacional?

PC – A crise da Petrobrás é falsa. Endividou-se porque achou petróleo, e tem plenas condições de rolar sua dívida. Foi muito mais prejudicada pelo congelamento dos preços de derivados (governo Dilma) do que pela corrupção. O que está por trás da campanha de desgaste da Petrobrás é afastá-la do Pré-Sal, para que as petroleiras estrangeiras o explorem. O desmonte da Petrobrás começa no governo Dilma, na administração Bendine, e se consolida na administração atual. Se não for revertido o desmonte, a Petrobrás, em 4 ou 5 anos, será uma produtora de petróleo bruto de porte médio, e o nosso mercado será abastecido por petroleiras estrangeiras, com produtos importados. A engenharia, a cadeia de mais de 5000 fornecedores, nacionais e estrangeiros, vai para o ralo.

RD – Você acha que este desmonte é orquestrado pela disputa internacional do mercado de energia e engenharia?

PC – Claro que é. Vejam as guerras no mundo: estão sempre vinculadas ao controle do petróleo.

RD – Você acha que a busca pelo protagonismo do Brasil na geopolítica internacional influencia a investida sobre a indústria nacional, principalmente na engenharia pesada brasileira?

PC – Sim. O Brasil é, ainda, uma das 10 maiores economias do mundo, com inserção crescente nos fóruns internacionais. Buscou, até há pouco, aprofundar relações sul-sul, em particular na América do Sul e na África. Tem hoje com a China uma relação expressiva, comercial e política. A mudança da política externa patrocinada por Temer visou a realinhar o nosso país aos interesses norte-americanos, de forma subordinada. Isso explica o ataque às nossas empresas de construção pesada, porque disputam mercado em todo o mundo. A exportação de serviços também favorece a indústria aqui instalada, pois seus produtos são especificados na fase de projeto. É uma perda de protagonismo econômico enorme o que se observa no momento, sem falar na destruição de empregos.

RD – Em termos numéricos, você avalia que quantos empregos na engenharia desapareceram com esta crise? Como retomá-los e em quanto tempo?

PC – Já se foram cerca de 600.000 empregos. A recuperação, paulatina, só será possível com o relançamento da economia, baseado em investimentos públicos. A primeira medida a tomar é a revogação da emenda constitucional que engessou os gastos públicos pelos próximos 20 anos. Asfixiaram o Brasil.

RD – A crise da nossa engenharia faz um estrago no cenário econômico nacional. Como você avalia este universo e quais as lições que podemos tirar disto?

PC – A depressão da economia, aliada aos efeitos colaterais da Lava Jato, é que provocaram a crise da nossa engenharia. Seus efeitos se farão sentir nos próximos anos. A lição a tirar é promover o fortalecimento das instituições democráticas, o que exige a participação da cidadania, para que não fiquemos à mercê de manobras legais que têm como fulcro o desmantelamento da nossa economia.

RD – Para você os movimentos de mobilização pela retomada do crescimento e valorização dos profissionais da engenharia podem ser um remédio contra o desmonte da engenharia nacional?

PC – Os movimentos de mobilização pela retomada do crescimento, em si, não são remédio para a crise da engenharia. São, entretanto, essenciais para pressionar o governos a mudar o rumo da política econômica, dando ênfase a investimentos públicos.

RD – Como o Clube de Engenharia tem enfrentado o desmonte e a desnacionalização da nossa engenharia?

PC – O papel do Clube de Engenharia é o de, juntamente com outras entidades, denunciar o desmonte do Estado e da economia, e o de propor políticas alternativas de retomada do desenvolvimento.

RD – Como você analisa o emprego de novas tecnologias nas carreiras de engenharia? Elas ajudam a melhorar a qualidade dos profissionais?

PC – Há uma grande preocupação com a formação de profissionais em face da revolução científico-técnica. Os nossos profissionais, até aqui, têm sido formados segundo modelos vigentes desde o século XIX. É necessário reformular a grade curricular, para que a ela se incorpore o estudo de novos métodos, processos e tecnologias. O desenvolvimento tecnológico torna cada vez mais simples as tarefas a executar, mas aos engenheiros caberá sempre a de pensar.

RD – Quais os conselhos que você pode dar aos jovens engenheiros que perderam os seus empregos ou estão ingressando no mercado de trabalho agora em meio a esta crise?

PC – Acreditem no Brasil. Por maior que seja a crise, em algum instante será superada (quanto maior o engajamento da sociedade, melhor), o Brasil é um país em construção, há muito o que fazer em todas as áreas da engenharia.

RD – Você acha que guarda alguma relação entre o desmonte da nossa engenharia com a desnacionalização da nossa indústria? Quanto da nossa crise econômica é fruto disto?

PC – Claro que a nossa crise está vinculada à grande turbulência geopolítica que se observa no mundo, decorrente da ascensão da China à condição de maior potência industrial do planeta, o que provoca o deslocamento do centro de gravidade da economia mundial para a Ásia. Os EUA tendem a perder sua condição hegemônica e, em reação, buscam manter o seu quintal, a América Latina, sob seu controle. O protagonismo brasileiro, na América do Sul, na África, a proposta de um mundo multipolar, consagrada na aliança econômica BRICS (Brasil, China, Rússia, índia e África do Sul), acenderam o sinal vermelho em Washington: daí as propostas de desmonte das nossas conquistas dos últimos 60 anos. O que se quer é liquidar com a indústria aqui instalada, nos relegando à condição de exportadores de proteínas vegetais e animais, e de minérios. Visão neocolonial.

RD – Você enxerga uma solução para a crise econômica nacional e a retomada do crescimento do emprego na engenharia?

PC – A solução da crise passa pela mudança de rumo da política econômica, de exclusivo interesse do “”mercado””(o capital financeiro), para que se relance a economia, com base em investimentos públicos. Resgatar o papel do BNDES, principal instrumento de financiamento da indústria e da agropecuária, e devolver à Petrobrás a condição de âncora do desenvolvimento industrial, investir em infraestrutura (habitação, saneamento, mobilidade urbana e logística) são as propostas principais a defender.

RD – Quem ganha e quem perde com a crise política e econômica nacional?

PC – Quem ganha é o capital financeiro. Quem perde é o povo, particularmente os mais humildes, recém resgatados da miséria e a ela devolvidos, constituindo um exército de mais de 14 milhões de desempregados, ou 40 milhões de pessoas.

Publicado originalmente em 05/07/2017 no Portal Clube de Engenharia.