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Cenário civilizatório pós-Covid: redenção ou barbárie?

Data da publicação: 25/09/2020

In memoriam a David Graeber

Keynes, em 1930, previa que no final do século XX os EUA teriam, pela tecnologia, condições de ter jornada de trabalho de 15 horas semanais. Hoje, 90 anos após, não vemos a jornada das 15 horas semanais, mas sim que a dupla tecnologia-produtividade destruiu e precarizou o trabalho, tornando-se imprescindível o debate sobre a complementação da renda.

Mas a tragédia da Peste (Covid) em 2020, 12 anos depois da Crise de 2008, nos abre uma segunda chance de conscientização para os 99%! Em 2011, o Occupy Wall Street ousou sem sucesso, mas os cidadãos da Islândia, ínfima parte dos 99%, conseguiram mudar sua história.

Cenários pós-Covid

Negativo (barbárie): volta à normalidade do pós-2008, quando o 1% voltou a concentrar renda, e os 99% seguiram com o temor sempre presente do desemprego ou trabalhos precarizados, com a população mundial se reduzindo, sempre ao som dos tambores da guerra. População vacinada, “chipada” e monitorada, como vemos nos alertas alarmistas na internet?

Positivo (redenção): consciência real dos 99% e um consenso de que a tecnologia, sim, permitirá a jornada de 15 horas semanais. E quanto ao Programa Governamental do Empregador de Última Instância – EUI? Governos soberanos saberão usar suas emissões de moeda (Finanças Funcionais – FFs / Teoria Monetária “Moderna”- a famosa MMT, na sigla em inglês) para atender aos 99%?

A renda emergencial se elevará ao status de Renda Vitalícia Universal – RVU para todos os maiores de 18 anos (com compensação no Imposto de Renda –IR anual)? Haverá a Justiça Fiscal, um Sistema Universal de Saúde – SUS e Educação para todos? Haverá a consciência da recuperação do Ambiente Mundial e as condições para a preservação das espécies humana e animais?

A situação de crise econômica provocada, desta vez, pela pandemia, 12 anos após a última, mostra que nas emergências rendas são emitidas sem restrições pelos Estados Nacionais, muito para os 1% e moderadamente para os 99%. Então, cabe aos 99% se mobilizarem para reivindicações justas.

Se fossem distribuídos os valores concedidos ao sistema financeiro para todos os brasileiros maiores de 18 anos (160 milhões) por 12 meses teríamos um valor de R$ 1.006 mensais. Repetindo, o governo teria condições de dar um valor maior para 160 milhões de brasileiros por 12 meses.

E o que significaria dar esse valor? Não teríamos recessão, desemprego e representaria um início de um processo de crescimento com distribuição de renda. Ao alimentar o giro dos negócios, a primeira consequência seria a multiplicação da renda pelos gastos em recomposição dos estoques (investimento inicial). A segunda seria a criação de inúmeras microempresas, que aparecem em todo processo de crescimento consistente.

Concomitantemente, apareceria o aumento da arrecadação de impostos (sobre consumo) que alimentaria as três esferas público-administrativas. O investimento em negócios de médio e grande porte retornaria com queda do desemprego e recuperação do salário real.

Talvez, evidências de surtos inflacionários pontuais? Sim e não, dada a enorme capacidade ociosa, mas, ainda assim, um doce problema! Isso seria milagre? Não, nada mais que o Ciclo Virtuoso de Desenvolvimento, como já aconteceu “n” vezes na história econômica.

Entendemos que, inicialmente, o benefício seria para os maiores de 18 anos (com ajuste no Imposto de Renda anual). Entendemos, também, que dado o sucesso da iniciativa no giro dos negócios e na geração da renda, posteriormente poderia evoluir para níveis mais amplos!

Para contribuição ao debate, inclusive quanto ao caráter vitalício do benefício, sugerimos as considerações do professor Pablo Salvat.

E não poderíamos deixar de citar a luta de 30 anos de Eduardo Suplicy pela Renda Universal.

Se a conscientização do 99% nos levasse à redenção, o que aconteceria? Sairíamos da era judaico/cristã: “Conseguirás seu sustento com o suor do seu rosto”? Entraríamos na sonhada era de Aquário (ou redenção): “Alcançarás sua satisfação através das atividades que escolhestes”?

Partindo para a redenção, haveria três possibilidades para o ser humano:

1 – Ser um pária feliz, mas não poderia pedir caridade.

2 – Não ser explorado por um trabalho degradante, teria liberdade para se demitir.

3 – Desenvolver seu desejo natural: um emprego tradicional e/ou ofício, e/ou ser artista, artesão ou músico. Lembrar que foi um músico solitário, Hordur Torfason, o iniciador da Revolução Islandesa de 2008!

Seria, então o comunismo ou anarquismo? Não, tão somente a social-democracia dos 99% conscientes, com capitalismo, com o STF, com tudo! Como? Através das Finanças Funcionais (FFs/MMT) e um Plano Estratégico de Desenvolvimento – PED.

Seria novidade? Não, o desenvolvimento aconteceu e acontece em vários momentos da história. Hoje, por exemplo, em um trágico momento recessivo mundial, a China comanda o desenvolvimento asiático.

Gustavo Galvão – Doutor em economia, autor do livro Finanças Funcionais e a Teoria da Moeda Moderna.

Helio Silveira – Economista aposentado do BNDES.

Rogério Lessa – Jornalista econômico.

Fonte: Monitor Mercantil

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