quer na produção de bens quer no desenvolvimento do conhecimento. Ciência, tecnologia, educação e trabalho passam a caminhar juntos, diferenciados da juridicidade econômica, da qual se tornam o substrato material que lhe confere sentido na vida nacional.
A primeira organização no Brasil, que inclui o trabalho na tutela do Estado, juntou-o aos seus mais relevantes empregos para o desenvolvimento do País: o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, que, com apenas 23 dias de governo, Getúlio Vargas instituiu (Decreto 19.433, de 26 de novembro de 1930).
A íntima ligação entre o trabalho, a alfabetização e a urbanização pode ser lida, entre tantos outros trabalhos, no de Pierre Juvigny, Contre les discriminations – pour l’égalité devant l’éducation, publicado pela Unesco, em 1962, examinando estas situações em países da África, Ásia e América do Sul.
Há, no mundo subdesenvolvido, majoritariamente de poucas indústrias, o analfabeto tradicional, aquele que não recebeu qualquer escolaridade, os analfabetos funcionais, incapazes de operacionalizar seus conhecimentos, e, uma situação ainda mais grave, o analfabetismo regressivo, que pela inconstância do uso do conhecimento, este regride.
Estamos presenciando, no Brasil destes últimos dez anos, um retorno ao analfabetismo, quer pelas condições ainda mais precárias de existência, quer pela regressão do processo de desenvolvimento industrial e pela alienação para o exterior das pesquisas tecnológicas e da própria produção de bens de elevada tecnologia, como os da área aeroespacial, do processamento mineral, da informática e da exploração, produção e transformação do petróleo em produtos petroquímicos.
Analfabetismo não apenas no sentido literal, mas, também, no sentido da capacidade de leitura e compreensão do mundo e das suas possibilidades, que habilitam o ser humano a tornar-se sujeito ativo e partícipe dos destinos da Nação, e não apenas engrenagem mecânica funcional a comandos externos.
Portanto, na defesa do direito ao trabalho e suas condições de executá-lo – seja de ordem sanitária, de preservação da saúde física e mental, da possibilidade de realização etc. – devemos ter analisadas as questões políticas, econômicas e sociais, entre estas últimas a cultural, que envolvem a oferta e a prática laboral.
A distância que vai das palavras do professor Hermes Lima (1902–1978), a seguir transcritas, e a nossa realidade atual é aquela produzida pela mudança do poder vigente até os anos 1990 para o deste século 21; saímos de um poder industrial para o poder financeiro. Esta é a compreensão principal para buscar, hodiernamente, a garantia do direito ao trabalho.
Poderia o poder industrial se desenvolver diferentemente conforme as realidades locais e a ideologia dominante (capitalismo estadunidense ou europeu e socialismo soviético ou chinês, por exemplo), mas o poder financeiro se define como, necessariamente, universal (globalizante) e capitalista (concentrador de renda).
Escreve Hermes Lima: “Um direito novo, de caráter misto, porque pertence à legislação de cada país e ao direito internacional, acabou surgindo com o fim especial de atender às reivindicações do trabalho na organização econômica contemporânea. É o Direito do Trabalho, também chamado Direito Industrial ou Legislação Operária. É um produto típico do século 19, observa Evaristo de Moraes Filho, porque só com ‘o pleno reconhecimento jurídico ou formal da liberdade de trabalho, é que se tornou viável uma regulação especial da livre relação de emprego’”.
Registre-se que a 1ª edição desta notável obra, Introdução à Ciência do Direito, é de 1933. Utilizamos a 12ª edição de 1962, da Livraria Editora Freitas Bastos.
Contemporânea à obra de Hermes Lima, do igualmente professor de Direito Eusebio de Queiroz Lima (Princípios de Sociologia Jurídica, Livraria Editora Freitas Bastos, RJ, 1936, 4ª edição) lemos: “O capital, por si mesmo, é estéril, como é fora de dúvida que somente o trabalho cria valor. Mas o trabalho não pode produzir sem consumir uma certa quantidade de capital, e importa saber como o capital e o trabalho se combinam.”
É preciso ter clareza que nestes dois séculos e meio de revoluções industriais, o trabalho e suas condições e necessidades se modificaram. Tivemos a aceleração do conhecimento da informação, resultando na robotização e na informatização, e, com a mudança do poder mundial e no Brasil, menor demanda de bens, maior precarização (uberização) e exclusões dos já reduzidos direitos trabalhistas.
Como informa o IBGE, na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, no trimestre encerrado em abril de 2021, a População em Idade de Trabalhar (PIT), atingiu 177,1 milhões de pessoas, das quais 76,4 milhões estão fora da força de trabalho (PFFT), crescimento de 7,7% (5,5 milhões de pessoas) frente a igual trimestre de 2020.
As forças que no Brasil sempre combateram a Era Vargas, a industrialização, o desenvolvimento científico e tecnológico, a alfabetização de toda população, voltaram a ocupar o poder, como ocorrera antes de 1930. Elas são ou representam a elite escravista e colonizada, que herdaram o estado colonial e assim o mantiveram pelo império e pela primeira república.
O fenômeno observado por Pierre Juvigny em suas pesquisas, do analfabetismo regressivo, invade agora nossa sociedade, aplaudido pela insanidade de um governo que propugna pela morte na pandemia de Covid.
Lembra-nos uma irônica observação de John Maynard Keynes (1883–1946), no celebrado Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (1936): “Os homens práticos, que se julgam livres de qualquer influência intelectual, são habitualmente escravos de algum economista morto.”
Não há que reconstruir um passado, por mais gloriosos que tenham sido seus 30 anos do pós-guerra. Precisamos de análise profunda, da ampla participação de toda população, para construirmos um direito que dure mais de um século.
Concluindo as reflexões sobre o direito ao trabalho, transcrevemos parte de uma petição que economistas europeus divulgaram em 5 de outubro de 2010:
“Por ignorância, preguiça, hábito, desconsideração deliberada ou manifesto servilismo, os canais televisivos têm sistematicamente tratado a análise da crise econômica como se o intenso debate quanto aos fundamentos doutrinários e às opções políticas que estão em jogo, pura e simplesmente, não existisse” (pluralismonodebate.blogspot.com).
Cuidemos, agora, do direito à defesa da soberania.
No citado livro do professor Queiroz Lima, aprendemos, no título que trata do Estado, que ele se caracteriza pelo fato de existir; e que nele exista uma vontade superior às vontades individuais, e uma autoridade que não reconheça poder superior ou concorrente ao seu.
Mestre Hermes Lima, no Introdução à Ciência do Direito, expõe: “Para afirmar-se e desenvolver-se, toda nação precisa ser livre, e o conceito da soberania essencialmente corresponde a essa exigência da vida nacional.”
Ao longo da história, muitas barreiras foram removidas para que atingíssemos a possibilidade de um Estado Nacional Soberano. Não foram apenas barreiras econômicas, mas filosóficas, ideológicas, religiosas e, mesmo, familiares, que se julgaram dotadas de poder divino ou de uma ancestralidade que as tornava donas de populações.
O inimigo do Estado Nacional Soberano, em nossos dias, é a ideologia neoliberal. Segundo o bilionário megaespeculador George Soros, o nacionalismo é o principal inimigo da “sociedade aberta”. E “sociedade aberta”, significa a sociedade neoliberal, cujo individualismo exacerbado, absoluto no plano moral e jurídico, legitima o domínio da sociedade e de sua expressão política – o Estado – pelo mercado financeiro.
E por que esta alienação da vontade e do poder para um ente indeterminado, fantástico pelo que promete e diz realizar? Simplesmente porque ele se diz eficiente.
Escreve a Associação Francesa de Economia Política (Manifesto dos Economistas Aterrados, tradução de Nuno Serra do original francês de 2010 para Actual Editora, Lisboa, 2011):
“Sob a pressão dos mercados financeiros, a regulação do capitalismo transformou-se profundamente, dando origem a uma forma inédita de capitalismo, que alguns designaram por ‘capitalismo patrimonial’, por ‘capitalismo financeiro’ ou, ainda, por ‘capitalismo neoliberal’.”
Estas mudanças encontraram, no entanto um mecanismo de justificativas, de irrealismos, de falsidades que os economistas franceses denominaram “afetação eficaz do capital”, ou seja, ausência de naturalidade, atitude fingida do capital, para o que contou com as mídias de toda natureza que previamente dominou ou adquiriu.
A recessão econômica, as crises desencadeadas no século 21, o aumento dos crimes, da marginalidade, da corrupção e a alteração dos valores sociais encarregaram-se de demonstrar que o mercado não é eficiente. Ele só mostrou eficácia na concentração de renda e no domínio do poder público pelas finanças. As consequências estão nas ruas, povoadas de sem teto, nas migrações internas, nas mortes e assassinatos, na miséria e na fome.
Urge criar um direito à defesa da soberania nacional, esquecido (?!) na Constituição, dita Cidadã, de 1988. Assim como o direito ao trabalho deve se ajustar ao desenvolvimento notável da era termonuclear e cibernética, o Estado Nacional precisa constituir, aberto aos cidadãos, defensor da própria cidadania, o direito do povo defender a Soberania do Estado Nacional.
Se tivemos no passado estados imperiais, conquistadores pelas armas e pelas pressões econômicas, hoje somos vítimas de uma ideologia totalitária, global, homogeneizadora, excludente do que constitui a característica, a riqueza e a cultura de uma nação.
Felipe Maruf Quintas é doutorando em Ciência Política.
Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.
Fonte: Monitor Mercantil