tudo aquilo que nós não conseguimos ou não tivemos coragem de fazer” (Leonel Brizola).
Os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps) constituem o melhor projeto educacional já implantado no Brasil. Na medida em que ameaçavam o poder colonial dominante, que não aceita a educação como forma de libertação do homem, mas, somente, como adestramento alienante, sofreram tremenda fúria destrutiva após os governos Brizola no Rio de Janeiro.
Mas os Cieps evoluem, como ocorre com a sociedade, e não podem ficar à margem da revolução cibernética, da digitalização, das novas tecnologias da comunicação. Acresce, ainda, especificidades pedagógicas que podem e devem ser incorporadas, como complementares, ao projeto pedagógico geral, nacional.
Estima-se, como exemplo de excepcionalidade, que 1 em cada 110 crianças nasce com Perturbação do Espetro do Autismo (PEA), uma disfunção crônica e complexa do desenvolvimento, que se caracteriza por dificuldades comunicacionais e interacionais (conforme American Psychiatric Association).
Temos então duas linhas de ampliação de ação dos Cieps: a do uso abrangente da informática, da cibernética; e a das especificidades educacionais de parcela, ainda que reduzida, de crianças com alguma característica física/psicológica que afete o acompanhamento escolar.
A PEA implica um déficit na maleabilidade do pensamento que dificulta a aprendizagem, a comunicação, a interação social e o comportamento manifestando-se através de diferentes graus e combinações dos sintomas. Extraímos, de experiências em Portugal, um relato que envolve a questão da educação de crianças com PEA, usando recursos digitais.
“Dada a sua complexidade e o fato de ser um transtorno do desenvolvimento, a intervenção deve ser precoce e diferenciada, pelo que surgiu a ideia de utilizar a Robótica Educativa (RE) enquanto promotora de aprendizagem e interação” (Cristina Conchinha e João Correia de Freitas, Robots & Necessidades Educativas Especiais: A Robótica Educativa Aplicada a Alunos Autistas, Universidade Nova de Lisboa, 2015).
Dos citados autores, transcrevemos: “A robótica educativa é um ambiente de trabalho que propicia a montagem e programação de robôs pelos alunos, facilita a exploração da teoria através da prática e da resolução de problemas de uma forma multidisciplinar e interativa, que permite que os alunos planejem, construam, façam, testem e refaçam o seu projeto até alcançarem o resultado desejado, desempenhando um papel ativo na construção do seu próprio conhecimento (sendo por isso uma ferramenta de grande potencialidade educativa que pode ser utilizada em contexto inclusivo)”.
Sobre o trabalho realizado, Conchinha e Freitas descrevem que a investigação “debruçou-se sobre o terreno da aprendizagem através de projetos e teve como propósito analisar o potencial inclusivo do Lego® Mindstorms® e as dificuldades encontradas por alunos com PEA, mais especificamente com síndrome de asperger/autismo de alta funcionalidade, em duas escolas distintas do sotavento algarvio. Foi utilizado um conjunto educativo do Lego® Mindstorms® NXT®, o manual de montagem que acompanha o kit e um computador portátil com o software NXT-G®, escolha baseada na facilidade de utilização do kit e do manual de montagem.”
E concluíram este projeto com a seguinte avaliação: “A disponibilização de ações e de oficinas de formação em robótica educativa aplicada às necessidades educativas especiais permitiria sensibilizar os professores do ensino regular e de educação especial para a utilização desta ferramenta em ambiente inclusivo, proporcionar-lhes-ia autonomia e diferentes estratégias e facilitaria a replicação do presente trabalho em diferentes ambientes educativos com potenciais benefícios para crianças com PEA. A replicação deste trabalho por outros docentes poderia confirmar o potencial educativo desta ferramenta com estes alunos, detectar outras dificuldades dos alunos durante a execução das tarefas, sugerir eventuais melhorias no equipamento e adaptar a tecnologia e metodologia a um maior número de alunos, dada a grande diversidade de caraterísticas que distinguem os alunos dentro do espetro do autismo.”
Esta análise, de 2015, confirma o “Balanço Crítico de uma Experiência Educacional”, de Darcy Ribeiro, de 20 anos antes (Carta’ nº 15, O Novo Livro dos Cieps, Senado Federal, Brasília, setembro de 1995), que “só uma escolarização de dia completo, com professores especialmente preparados e de rotina educativa competentemente planejada, acabará com o menor abandonado, que só existe no Brasil. Assim é porque só aqui se nega à infância pobre a escola que integrou na civilização letrada a infância de todas as nações civilizadas”.
Tratamos, como exemplo, apenas de uma especificidade para ensino a crianças diferenciadas, com uso da robótica, mas este tipo de ensino, como diversos outros, exige o preparo do corpo docente, dos pedagogos, dos administradores escolares, de todos os que são, em alguma fase, responsáveis pela efetiva aplicação do que denominamos consciência na formação da cidadania.
E, como visto neste trabalho, na zona oriental do Algarve (Portugal), a informática traz contribuição, como atualmente, com o isolamento adotado para prevenção da pandemia de Covid-19, tem sido a maneira de não interromper o ensino no Brasil.
Há, no entanto, a grande e cruel diferença assinalada por Darcy Ribeiro: os pobres, as crianças desassistidas, sem recursos, continuarão sem ensino, e sem possibilidade de crescerem como cidadãos.
Os Cieps preocupavam-se com a saúde das crianças. Como escola de tempo integral, as crianças aprendiam hábitos de higiene, tinham alimentação saudável e praticavam esportes. Nesta área, a introdução de jogos nos equipamentos digitais orienta a criança sobre os males da obesidade e incentiva atividades físicas.
Assim os Cieps, devidamente orientados, continuarão sendo o modelo de formação da consciência para as crianças nas faixas de ensino fundamental e médio.
Felipe Maruf Quintas é doutorando em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense.
Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.
Fonte: Monitor Mercantil