Aprovada a lei que desobriga a Petrobrás de ser a operadora única dos blocos de exploração da camada pre-sal, as atenções do mercado se voltam, agora, para as novas regras da política de conteúdo local (CL) e para a venda de ativos da estatal.
A proposta de revisão dos índices de CL deu origem a uma ampla discussão, na qual as operadoras, Petrobrás incluída, o IBP e a Abespetro se posicionam por exigências mais flexíveis, enquanto as entidades que representam as empresas fornecedoras e a engenharia nacional defendem uma política que estimule o desenvolvimento da indústria petrolífera brasileira, a exemplo do que ocorreu em outros países.
O Governo Federal também se apresenta dividido nesta discussão. De um lado, o grupo de representantes da Casa Civil, MF e MME propõe um percentual de 10% na fase de exploração e 23% na de desenvolvimento e produção, números já atendidos pela indústria nacional. Com outra visão, o MDIC defende índices mais estimulantes e por atividade, de exploração (20%), construção de poço (35%), coleta e escoamento da produção (50%) e planta de processo (35%).
Os que lutam pelo fortalecimento da engenharia e da indústria brasileiras argumentam que a política de CL viabilizou a formação de grandes fornecedores nacionais e o surgimento de inúmeras pequenas empresas inovadoras, além de parcerias tecnológicas entre fornecedores globais e empresas locais, utilizando o poder de compra da Petrobrás. Criticam o fato do governo não explicitar, com clareza, os objetivos estratégicos da nova política e referem-se a estudos do Banco Mundial sobre as experiências da Noruega, Inglaterra e países da Ásia, onde a política de CL aumentou o valor adicionado à economia, corrigiu falhas de mercado e contribuiu para a geração de empregos e outros objetivos sociais. Por fim, alegam que os atrasos nas entregas e os preços excessivos observados até 2015 constituíram um fenômeno global e não tiveram relação direta com as exigências de CL.
Já no caso do desinvestimento da Petrobrás, o apoio à decisão de vender ativos para reduzir o nível de endividamento da empresa é quase unânime. A discordância vem de setores da sociedade e de grupos tradicionalmente defensores da estatal, como o Clube de Engenharia, a Associação de Engenheiros, confederações e sindicatos de trabalhadores, entre outros. Existe uma oposição clara à venda dos ativos considerados estratégicos. Desprovida de poder político, essa resistência tem recorrido aos órgãos de controle – CADE, CGU, TCU – e à Justiça.
Os que se opõem à venda de ativos alegam que existem alternativas capazes de reduzir o impacto do endividamento como, por exemplo, negociar o alongamento e a redução do custo das dívidas, converter parte delas em capital da Petrobrás, contratar mais empréstimos junto ao Novo Banco de Desenvolvimento, promover a venda futura de petróleo e renegociar prazos junto à ANP. Sugerem, também, que a redução do indicador Dívida/EBITDA, prevista no PNG 2017-2021 de 5,3 para 2,5 até 2018, seja postergada para o final do plano, tornando desnecessário o desinvestimento programado de US$19 bilhões.
Consideram essencial manter a integração vertical da Petrobrás, do poço ao posto, para valorizar os produtos e garantir o acesso ao mercado. Alertam que a venda de sistemas de escoamento e de distribuição desestruturam o principal negócio da companhia e a saída das áreas de petroquímica e fertilizantes reduz a capacidade de agregar valor ao petróleo. Já o abandono do setor de biocombustíveis diminui o “market share” da empresa nos mercados de gasolina e diesel. O conjunto dessas medidas coloca a Petrobrás na contramão de suas congêneres em todo o mundo.
As controvérsias apontadas remetem a uma questão central, que diz respeito ao futuro que vislumbramos para o Brasil. País rico é um país que produz bens e serviços com elevado valor agregado e todos os países que atingiram essa condição estimularam a inovação e valorizaram a sua produção local. Afinal, devemos nos conformar com um país que se limita a produzir e exportar “commodities”?
*Eugenio Miguel Mancini Scheleder é engenheiro aposentado da Petrobrás. Também ocupou cargos de direção nos ministérios de Minas e Energia e do Planejamento, de 1991 a 2005. Atualmente, exerce a função de Mediador Extrajudicial, capacitado pela Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem – CCMA/RJ.
Publicado na Revista Brasil Energia, ano 36, nº 437 de abril de 2017. p. 50 (Opinião).