Artigo

Desvendando uma ideologia e os caminhos da banca

Data da publicação: 21/09/2017

Aos ecologistas, a matança de índios, o desmatamento e o agronegócio; aos bandidos, aos corruptos e marginais, a justiça e a polícia; aos fabricantes de armas, a diplomaciia e a pacificação; e o transeunte perplexo ao ver o ladrão perseguindo o guarda exclama: “ai, que estou a ver o filme ao contrário”, como na deliciosa “Crônica dos Bons Malandros”, de Mário Zambujal.

O corajoso, correto e contundente Senador Roberto Requião comparou recentemente, pela redes virtuais, as ações desencadeadas pelos atuais dirigentes às de um mágico; com um braço nos prende a atenção e com outro trabalha a surpresa. No texto em epígrafe, o caro leitor vê a que ponto chega a confusão que a banca, poder mundial, – o Brasil é uma simples colônia onde todos golpistas de 2016 agem em prol do novo Império – implanta nesta fase de doutrinação, em que escravizados lutam pelos interesses escravocratas.

Pretendo apresentar algumas incongruências e falácias desta ideologia, dita neoliberal, e das ações desencadeadas por este poder que se denomina Nova Ordem Mundial, sistema financeiro internacional e que resumo por “banca”.

O que é esta ideologia neoliberal?

Um importante pai do liberalismo surge ao fim do mercantilismo, do “antigo regime”; Adam Smith (1723-1790) que publica, aos 53 anos, “A Riqueza das Nações”, um manual de economia e moral, do qual destacaremos alguns trechos. Mas precedem a Adam Smith as bases do pensamento que tomou o nome “liberal”.

Não pretendo discorrer sobre filosofia, apenas ressaltar o que vai diferenciar o pensamento de John Locke (1632-1704) do liberalismo econômico de Adam Smith. E, em especial, contextualizar o que se distancia de nós por 300 anos.

As ideias fundamentais de Locke estão em duas obras, publicadas entre 1689 e 1690: “Dois Tratados sobre o Governo Civil” e “Ensaio sobre o Entendimento Humano”. Façamos um breve resumo do conteúdo e circunstâncias dessas obras.

O início da Idade Moderna se dá com o surgimento dos Estados Nacionais, cujas razões estão no clássico da política de todos os tempos: Leviatã, de Thomas Hobbes (1588-1679). Era o absolutismo que se contrapunha ao feudalismo. Contratos entre os homens já eram discutidos por teólogos medievais, mas Hobbes inova com um único instrumento da alienação pessoal em pról de um soberano, um “órgão”, a personificação do Estado.

A este absolutismo e, principalmente, pela riqueza que o mercantilismo (aproximadamente do fim do século XV a meado do século XVIII) proporcionou aos Estados inglês, francês, holandês, possibilitando novos atores sociais, que surge a oposição liberal, que muitos associam ao surgimento do “estado burguês”. Emmet John Hughes (The Church and the Liberal Society, Princepton University Press, 1944) afirma que a sociedade liberal “foi o produto extremo” das correntes de pensamento que vão da Reforma Protestante (1517) à Revolução Francesa (1789).

O que expunha Locke? Que não há “ideias inatas”, que conduzem ao preconceito, ao “dogmatismo individual”, mas um pensamento verdadeiramente cristão: “age com relação aos outros como gostarias que agissem em relação a ti”. Que o pacto social, onde a coletividade é representada pelo Estado, deve preservar a vida, a liberdade e a propriedade. Que todo homem possui, em sua própria pessoa, uma propriedade e as coisas sem trabalho “teriam pouco valor”.

O uso por terceiros desta propriedade de um ser é um “inconveniente”.

Também se encontram em Locke as noções de que a ideia inclui “conceitos, noções, lembranças e fantasias” e “pensar é colocar em ação todas atividades cognitivas”. Podemos concluir que o pensamento de Locke se distancia de uma ideologia na qual predomine o darwinismo social, como nesta meritocracia excludente, tão em voga nos nossos dias.

Passemos, então, a Adam Smith – “A Riqueza das Nações”.

A obra entremeia conjunturas, casuísmos, moral, ideias transcendentes e aconselhamentos. E não o faz de modo estruturado.
Logo no início – Capítulo V do Livro I – temos uma leitura, a meu ver equivocada, de Hobbes na afirmação: “o poder é o poder de compra” (The power is the power of purchasing; a certain command over all the labour, or over all the produce of labour, wich is then in the market – An Inquiry Into the Nature and Causes of the Wealth of Nations, Great Books of the Western World, Encyclopaedia Britannica, Inc., 1955). Se poder é identificado com o poder da riqueza, do capital, também é um poder parcial, pois ignora todo poder que Locke, para ficarmos no liberalismo, atribui à ideia, à religião, à cultura. Escravizar o poder ao consumo, nem o mais ferrenho coxinha estadunidense se atreveria.

Ao tratar das relações capital-trabalho encontramos: “os patrões mantêm sempre, e por toda parte, uma espécie de acordo tácito, mas constante e uniforme, para não elevar os salários do trabalho acima de sua taxa corrente”… “a violação desse acordo constitui a mais impopular das ações, ficando o patrão sujeito às censuras de seus próximos e iguais”. Adiante, no mesmo Capítulo VIII – “Of the Wages of Labour” – denuncia que “os trabalhadores recorrem sempre ao mais alto clamor e, em certos casos, às mais chocantes violências e ofensas. Encontram-se desesperados e agem com tolice e extravagância de homens desesperados ….. (para) conseguir de seus patrões, pelo terror, o imediato cumprimento de suas exigências”. Dispensados comentários.

Ficasse na defesa intransigente do capital, sob o falso manto da liberdade, seria apenas um, entre tantos, defensores do poder (político, econômico, militar) sobre os direitos dos mais desprovidos.

Mas este “Papa do liberalismo econômico” nem avalia corretamente a formação da riqueza nacional. Todos sabemos que o período da história econômica denominado mercantilismo promoveu, com as medidas protecionistas e o autoritarismo do poder político, a primeira etapa do colonialismo, com a expansão, além das fronteiras nacionais, da Inglaterra, França, Holanda, Portugal e Espanha. Basta ver o mapa das Américas nos séculos XVI e XVII.

Este processo de enriquecimento foi possível pelas ações dos Estados Nacionais, mesmo quando atribuíam a execução a uma ou duas companhias. Mas o que afirma Smith, no Livro IV, Capítulo I, “confiamos cegamente na liberdade de comércio, sem que o governo interfira de modo algum” (We trust with perfect security that the freedon of trade, withouth any attention of government). Nem mesmo diante da mais concreta evidência da ação estatal produzindo o desenvolvimento econômico e tecnológico (vide revolução industrial, desenvolvimento marítimo) foi capaz de entender o que, sob seus olhos ingleses, ocorria.

Nisto lembra muitos, quase todos, colunistas da “grande imprensa” defendendo medidas indefensáveis, contrárias ao interesse nacional.

Poderíamos continuar transcrevendo juízos e doutrinas que não resistiriam a realidade da própria época de Adam Smith, o que dirá em nossos dias onde a concorrência, o livre mercado, é uma peça de ficção, de uma existência tão irreal como o saci, a iara ou o boitatá.

Mas foi sobre este falso pedestal que a banca, o neoliberalismo, o fim da história, a nova ordem mundial ou que apelido queiram dar ao sistema financeiro internacional procurou impor sua hegemonia. Hegemonia que de financeira se expande, torna-se total, conduzindo todas as expressões do poder.

Vamos tratar desta hegemonia hoje: seu alcance e seu projeto imediato.

Comecemos pela própria cratologia (o estudo do poder). Tradicionalmente se decompunha o poder em suas expressões militar, econômica, política, psicossocial e científica e tecnológica. O sistema financeiro, com o domínio das tecnologias informacionais, logo passou a controlar a economia, como um todo, e, paralelamente, a expressão psicossocial, com a manipulação midiática. Hoje não há um único veículo de comunicação de massa de larga difusão fora do controle da banca.

Usando questões que são designadas transversais, como a ecologia, a preservação ambiental, a banca passou, com a mídia, a orientar, em vários segmentos de negócio, o sucesso econômico. Em pouco tempo, as expressões econômica e psicossocial atuavam conforme os projetos da banca. Com este domínio, que vinha ocorrendo desde as crises do petróleo (1967-1980), e com os complexos industriais sendo paulatinamente controlados pela banca, ela também invadiu as universidades, as academias.

As crises financeiras, desde 1987 a 2008, a robusteceram ainda mais. Ela passa ao controle político, aos controle dos Estados Nacionais. Não se trata de um delírio, da concretização do romance de George Orwell. Mas de uma racionalidade administrativa para o permanente enriquecimento de um conjunto cada vez menor.

O que é mais desejável para a banca atualmente? Não ter de se submeter a legislações nacionais, a regras ditadas por políticas fora do seu controle. Como evitar? Destruindo os Estados, combatendo o nacionalismo, identificando-o como ideologia totalitária: o nazismo. A recente eleição francesa é um exemplo. E a eleição de Donald Trump um outro exemplo dos condicionamentos da banca, que, obviamente, já encontrou solução que não a leve a outra derrota.

À banca não interessa a guerra global, mas diversas guerras regionais. Ela obtém, ao mesmo tempo, a adesão militar e cientifico-tecnológica e os lucros que estas operações de guerra lhe proporcionam. Ainda mais, vai eliminando populações que, em tempo de paz, pressionariam pela melhor qualidade de vida.

E tudo isso está ocorrendo no Brasil com o governo dos golpistas de 2016. Cada dia há menos Brasil nas nossas riquezas naturais, há mais violência e mortes de índios e negros, há mais desarmonia, menor coesão social, facilitando o oportunismo político, o religioso, amedrontando pessoas, em todos os níveis.

A democracia não resiste a tamanha pressão: campanha midiática, corrupção em todos os poderes, redução das condições de vida e a sensação de desamparo. Prepara-se assim o caminho da tirania.

Vemos, portanto, o caminho da banca para consecução de seus objetivos: um mundo de menos pessoas, dividido entre pobres produtores e meia dezena de ricos consumidores.

Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado

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