Artigo

Do Mar do Norte ao nosso mar do Sul

Data da publicação: 20/05/2015

Nas recentes eleições no Reino Unido, a maior surpresa veio da Escócia, onde o Partido Nacionalista Escocês conquistou 56 das 59 cadeiras reservadas a esse que já foi e quer voltar a ser um reino independente. O Partido Nacionalista, que lidera a luta  pela independência, liderou a campanha pelo plebiscito do ano passado e já anunciou que pedirá novo plebiscito sobre a questão, porque no do ano passado a resposta foi negativa. A luta pela independência da Escócia é, em grande parte, uma luta pelo petróleo escocês do Mar do Norte. Por isso, a vitória do Partido Nacionalista Escocês reabre, com a da independência, a questão do petróleo, embora, de certo modo, a questão do petróleo tenha reaberto a questão da independência.

O esporte nacional favorito dos escoceses é falar mal dos ingleses, o que fazem com muito humor e imaginação. Quando fui à Escócia, há tempo, tive a primeira noção disso logo ao chegar. Feito o check in, procurei a caixa do hotel para trocar dinheiro e fui surpreendido pela senhora que me atendeu, bem idosa, cabelos inteiramente brancos, muito simpática, sorridente. Ela recebeu a nota do Banco da Inglaterra que eu queria trocar e mostrou-se timidamente surpresa ao examiná-la:

– Senhor, se eu não percebesse que o senhor é estrangeiro e ainda não conhecia nosso país, não sei o que lhe diria. Esse dinheiro é falso.

– Mas recebi em meu hotel em Londres, quando troquei dólares.

Ela riu e desculpou-se:

– Perdão.  Eu não quis dizer que o senhor tem culpa. Na Inglaterra é esse o dinheiro que eles fornecem, mas aqui na Escócia ele não vale. Vou trocar por dinheiro da Escócia, que o senhor poderá usar sem problemas.

E me estendeu cédulas e moedas do mesmo desenho e com a mesma efígie da Rainha Elizabeth II, mas emitidas pelo Banco da Escócia, não pelo Banco da Inglaterra, como a que eu pedira para trocar.

– Desculpe a brincadeira, se assustei o senhor – despediu-se ela.

Lição número um, aprendida: a Escócia faz parte, embora contrariada, como a Irlanda do Norte ainda faz, do Reino Unido, mas não quer ser confundida, nem pela existência de  dinheiro comum, com a  Inglaterra, cabeça do Reino Unido, pela qual se sente explorada.

Lição número dois, na noite seguinte: um jantar muito simpático de nosso pequeno grupo de jornalistas brasileiros com um professor da Universidade de Edimburgo, no restaurante do hotel. É um restaurante dançante e parece que todos os casais dançam, alguns mais românticos, todos muito alegres. Nossa mesa é bem festiva e é com muito humor e mortíferas piadas antiinglesas que o professor fala da Escócia:

– Nós escoceses somos seis milhões. Quando conseguirmos a independência, vamos vender nosso petróleo bem caro aos ingleses e dividir o lucro, igualmente, entre os seis milhões que somos. E nunca mais nenhum escocês precisará trabalhar, sobretudo para os ingleses.

Isso aconteceu na segunda metade da década de 1970,  quando o petróleo do Mar do Norte estava no auge, ou de produção ou de expectativas, e num momento em que a crise mundial do petróleo, iniciada em 1973, já elevara os preços internacionais do barril de 3 para 13 dólares e logo os levaria ao patamar de 30.

Quarenta anos depois, a aspiração da Escócia à reconquista de sua independência avançou a ponto de o Partido Nacionalista Escocês conquistar as outras 56 e reduzir a três cadeiras, de um total de 59, a representação dos três partidos ainda hegemônicos no resto do Reino Unido, o Conservador, o Trabalhista e o Liberal Democrático. Mas o petróleo, que tantas expectativas dava ao professor de Edimburgo, está no fim ou, na melhor das hipóteses, no começo do fim.

Os números e análises que encontro no Google vão todos nesse sentido. Para ficar apenas num deles, a título de exemplo, a produção caiu 38% de 2010 a 2913 e as descobertas são cada vez menores e mais difíceis de explorar.

É  o oposto, no Mar do Norte, ao que acontece com o petróleo brasileiro em nosso mar oceano  do Sul e precisamente no Pré-Sal. Aqui é tanto o petróleo que, aproveitando os escândalos investigados pela Operação Lava Jato, os interessados em tirar sua casquinha (casquinha coisa nenhuma, cascona!) de descobertas bancadas exclusivamente pela Petrobrás alegam que ela, dilapidada e endividada, já não tem os recursos necessários para investir no Pré-Sal e deve ser despojada da participação obrigatória que o regime legal da partilha lhe atribui em todos os campos a serem explorados.

Na verdade, a casquinha que esse pessoal quer é ainda maior – é privatizar todo o petróleo brasileiro e entregá-lo (claro que com partilha de lucros) à exploração por grupos multinacionais que privilegiem o abastecimento de mercados como o dos Estados Unidos, pouco ou nada os preocupando os interesses e o futuro do Brasil.

Lembro-me sempre e lembro ainda agora o apelo dramático que ouvimos do grande economista e brasileiro que é Carlos Lessa ao discursar na posse da última diretoria da Aepet presidida por Heitor Pereira:

– Não deixem o Brasil virar exportador de petróleo!

Não era preciso dizer mais. Todos sabíamos que o petróleo do Pré-Sal devia ser nosso não só no sentido de não entregarmos sua exploração a interesses antibrasileiros, como no sentido de o preservarmos para nosso futuro, em vez de o exportarmos sofregamente.

Não sei de quanto a Petrobrás vai precisar para continuar explorando racionalmente o Pré-Sal e espero que operações de financiamento como a realizada há pouco com a China, no valor de 3,5 bilhões de dólares, sejam suficientes. Pelo que informou na Conferência Offshore de Houston a diretora de Exploração e Produção da Petrobrás, Solange Guedes, o custo médio do barril produzido pela Petrobrás no Pré Sal é de 9 dólares, bem abaixo do custo médio do barril produzido em outras regiões pela própria Petrobrás – 14,6 dólares; e ainda menor que a média mundial de 15 dólares.

Mas o novo Ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, já disse que é preciso discutir a continuidade da participação obrigatória da Petrobrás no Pré-Sal. Isso é muito preocupante. Melhor seria para o Brasil pensarmos, a começar pelo ministro, da mesma forma que os escoceses.