Os mesmos males, a mesma ignomínia de uma classe que vive em águas turvas e se agarra como cracas ao Estado para entregar das riquezas do Brasil.
O exemplo, o tiro daquele personagem tumular que, nas páginas de seu jornal, escreveu a 6 de agosto de 1954:
“…. perante Deus acuso um só homem como responsável por esse crime. É o protetor dos ladrões, cuja impunidade lhes dá audácia para atos como o desta noite. Este homem chama-se Getúlio Vargas” (Tribuna da Imprensa).
No dia 23 daquele agosto, injustamente acusado pelo oportunista – que como todos os seus seguidores, sempre foi inimigo da nossa soberania – responde o grande Presidente, na manchete do único jornal que lhe dá acolhida:
“ Apenas morto sairei do Palácio do Catete” (Última Hora).
Na distância de mais de meio século, com volumosa literatura desvendando diversas vertentes deste momento infeliz de nossa história, procurarei traçar um paralelo com a desdita de hoje.
Como se forma a mente de um brasileiro, sem qualquer ganho com a submissão aos interesses estrangeiros, às potencias coloniais ou sistemas dominadores, que busca na mentira da publicidade enganosa dos fatos, no engodo das falsidades evidentes, em sua própria miséria, condenar os que lutam pela emancipação nacional e defender os traidores da Pátria? Não é resposta fácil, nem aceito a paranoia de ter a verdade. Coloco em questão a formação da cidadania.
Quantos já reproduziram piadas degradantes, quantas vezes se manifestaram desilusão, descrença na força da nação, em quais situações procuram demonstrar nossa irresponsabilidade, nossa vocação para o êrro, o escamotear? E por que esta autodepreciação? O que é a cidadania, ser cidadão? Em primeiro lugar a dificílima aceitação da paridade; considerar que todos os brasileiros são iguais, pares nas decisões sobre o País.
Esta é uma questão crucial, mas me deterei neste artigo à importância de Vargas em nossa história. Sem dúvida polêmica. Se prendeu e torturou brasileiros, cujo crime era discordar de sua administração, foi o primeiro governante a promover o efetivo desenvolvimento da indústria brasileira e a reconhecer a importância do trabalhador na formação nacional. Vinte anos após, por coincidência, outro presidente, que também prendeu e deixou que se torturasse opositores, Ernesto Geisel, promoveu a capacitação industrial brasileira nos segmentos de ponta, que hoje nos fazem falta: informática, nuclear e aeroespacial. Também este sofreu um golpe para designar seu sucessor.
Getúlio foi crescendo na compreensão do Brasil e do mundo durante seu primeiro governo e chega ao segundo, eleito pelo povo, com a certeza de que só o Estado, atuando com profundidade na economia, poderia desenvolver o Brasil. Isto era, e ainda é, constatado em todo mundo, e só os ideologicamente contrários ao Brasil Soberano podem defender a invasão estrangeira, com as falsidades liberais ou neoliberais, promovidas pela banca, o sistema financeiro internacional. E como vemos, não se trata de esquerda ou direita, mas de nacionalismo ou entreguismo.
Vargas viveu um momento em que as ideologias mais extremas galvanizavam as opiniões, restando um espaço desprezível para posições menos radicais. E como é óbvio, foi arrastado nesta disputa. Daí a acusação de ser um simpatizante do fascismo, como apontam alguns historiadores e biógrafos.
Mas no inconsciente popular ele foi e continua sendo “O Grande Presidente”, que defendeu o trabalhador, os menos afortunados, o “Pai dos Pobres”.
Tive, há dois anos, uma experiência significativa. Meu amigo do tempo de faculdade, o poliemérito intelectual, artista e escritor Nei Lopes lançava seu romance “Rio Negro, 50”, cuja história transcorre em 1950. Participavam do evento amigos sambistas do Nei, que usaram a rua, transformada em de pedestre naquele sábado, para homenageá-lo com músicas da época. Haveria bem mais de 100 pessoas, entre os convidados e os que ocupavam as mesas do bar próximo. Surge o samba que fala de Vargas. Um uníssono e arrepiante aplauso se delonga, vindo de todos. A referência a Getúlio Vargas, num ambiente de classe média, em 2015, despertava esta manifestação. Não é outro o motivo que desde os governos militares, do entreguismo tucano de FHC, mesmo de Lula, para nem falar dos golpistas de 2016, há o desejo de extinguir a Era Vargas. E seus verdadeiros ou pretensos herdeiros sempre foram atacados, caluniados e criminalizados nas páginas da “grande imprensa”.
Que possamos prosseguir, com a adequação temporal, social e tecnológica, a Era Vargas, é uma verdadeira saída para o impasse brasileiro.
No blog “Meu Lote”, Nei Lopes publicou, em 03/08/17, “Outro agosto, muitos anos atrás”, sobre suas recordações do 24 de agosto de 1954. Recomendo.
Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado