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Energia? Imenso apagão, mas a conta vem cheia de cifrões

Data da publicação: 25/06/2021

O talento cinematográfico de Stanley Kubrick (1928-1999) nos brindou com várias obras primas, dentre elas o filme “Dr. Fantástico” (Dr. Strangelove or How I learned to stop worrying and love the Bomb, 1964), onde um general estadunidense acredita que os reservatórios de água nos Estados Unidos da América (EUA) estão infectados com o vírus comunista (flúor). E, patrioticamente, resolve defender a civilização cristã ameaçada, dando início à Terceira Guerra Mundial.

Este filme teve a classificação de comédia, mas sua efetividade no Brasil contemporâneo é, sem dúvida, a de uma tragédia. Pois as autoridades nacionais, as mais altas e com supostamente maior responsabilidade, nos afirmam, com seriedade incompatível com a frase, que estão “impedindo o comunismo de invadir os lares e destruir a família brasileira”.

Nesta guerra santa são transferidos a propriedade e o controle de bens, naturais e/ou construídos, para capitais apátridas, residentes em paraísos fiscais, onde nem mesmo faltam os dinheiros das drogas, da prostituição, dos contrabandos, da corrupção e do suborno.

Destaquemos desta “cruzada religioso-patriótica”, onde os dirigentes públicos muitas vezes estão acompanhados dos bilionários bispos e pastores neopentecostais, a recente permissão para alienação da Eletrobrás aos capitais apátridas. Medida Provisória do Executivo, já aprovada pelo Legislativo, e que o Judiciário deve estar ansioso para sacramentar com sua concordância, consagrando assim a temporada dos apagões e o alto preço da energia elétrica, que será comum em todo Brasil.

Comecemos por entender o que significa a energia para um país e para o seu estágio civilizatório.

A medida geral para energia é o joule. Um joule é o trabalho de um newton aplicado no percurso de um metro, em outras palavras, a unidade de trabalho, de energia ou da quantidade de calor que é equivalente ao esforço produzido pela força de um newton cujo ponto de aplicação se desloca por um metro. No Sistema Internacional de Unidades, todo trabalho ou energia é medido em joules. Pode ainda ser definido como o trabalho produzido com a potência de um watt durante um segundo; ou um watt/segundo (compare quilowatt-hora). Assim, um quilowatt-hora corresponde a 3.600.000 joules ou 3,6 megajoules.

Com dados da CIA World Factbook, relativos a 2020, assim se comporta o indicador: consumo de energia per capita, para alguns países.

A maior relação encontra-se na Islândia, 50.409 quilowatt-hora (kWh) por habitante (hab), bem superior ao do segundo melhor aquinhoado país, a Noruega (22.351 kWh/hab). Na fria Europa do norte, além da Noruega, também se destacam, com 14.859 kWh/hab a Finlândia, com 13.085 kWh/hab a Suécia, 6.693 kWh/hab a Alemanha, 6.418 kWh/hab a Rússia, 5.626 kWh/hab a Dinamarca e 3.903 kWh/hab a Polônia.

O Brasil registra 2.404 kWh/hab, inferior à Argentina (2.661), ao Uruguai (3.179) e à África do Sul (3.668), mas superior à Índia, com 857 kWh/hab. Entre os dez países de melhor desempenho, apenas os EUA também estão entre os de maior consumo per capita.

China, EUA, Rússia, Índia, Japão e Alemanha são os países que mais consomem energia. E estão entre as grandes potências mundiais.

Antes de prosseguirmos com os dados estatísticos é necessário apresentar algumas considerações para discussão com nossos prezados leitores.

O consumo de energia é um indicador do nível de industrialização e da tecnologia utilizada para produção de bens. Vejam o Brasil escravagista do século XIX que retorna a condição análoga neste século XXI, de uberizações e de micros empreendedores individuais (MEIs).

O trabalho humano, do escravo, mesmo com o custo reduzido da sua produção, não permitia a quantidade, volume de produção, nem a qualidade competitiva com o de outras fontes e com outras tecnologias.

Apenas a cegueira da economia atual, cujo único objetivo é obter o maior e mais rápido lucro, sem atentar para qualquer outra consequência, nos lançou neste abismo de produção e no freio do desenvolvimento tecnológico.

A indústria do petróleo oferece exemplos bem nítidos. Gail Tverberg, da ONG Space Solar Power Institute, em seus artigos sobre economia e energia, tem se mostrado apreensivo quanto ao desequilíbrio entre a produção de recursos e o aumento populacional (entre outros leia-se, ourfiniteworld.com/2021/06/18/how-energy-transition-models-go-wrong, tradução em AEPET Direto, 23/06/2021).

Como assinalou, com habitual brilho, o engenheiro químico da Petrobrás Felipe Coutinho, dirigente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET):

“Os sucessos econômicos da ex-União Soviética e dos EUA refletem um abundante suprimento de energia de alta qualidade. Esta abundância terminou na década de 1970 nos EUA e na década de 1980 na antiga União Soviética. Nos EUA, o fim do petróleo barato causou a estagnação da produtividade do trabalho, o que interrompeu o crescimento contínuo dos salários e dos rendimentos familiares. Para preservar o sonho americano, segundo o qual cada geração viverá melhor do que a precedente, as mulheres entraram na força de trabalho, a renda foi transferida da poupança para o consumo, a economia dos EUA mudou de credora líquida para devedora e as dívidas das famílias, das corporações e do governo federal dispararam” (O fim do petróleo barato e do mundo que conhecemos, AEPET Direto, setembro/2017).

Para manter elevada a produção de petróleo, a mais importante fonte primária de energia, é necessário incorporar novas reservas e aumentar o fator de recuperação das já conhecidas. Para estas conquistas são indispensáveis pesquisas científicas e tecnológicas e muito investimento em exploração e desenvolvimento para produção de óleo e gás. Certamente há petróleo a ser descoberto, mas em condições difíceis para encontrar e, provavelmente, também complexas para produção.

Confrontemos a energia primária, por suas fontes, nos anos de 2018 e 2019, de acordo com a BP Statistical Review of World Energy 2020.

PRODUÇÃO DE ENERGIA PRIMÁRIA (em exajoules)

2018 2019

Petróleo …………… 191,45 …………… 193,03

Carvão …………….. 158,79 …………… 157,86

Gás …………………. 138,66 …………… 141,45

Hídrica …………………37,34 ……………. 37,66

Renováveis ………. … 25,82 ……………. 28,98

Nuclear …………….. ..24,16 ……………. 24,92

TOTAL ………………..576,23 …………… 583,90

Apesar de toda campanha para o uso de energia limpa e renovável, os combustíveis fósseis ainda representam quase 85% da produção.

Isto se deve a dois fatores importantíssimos: o custo ainda compensador para produzi-los e as facilidades para o transporte, comercialização e uso.

Porém a transferência dos valores de investimentos para aumentar os dividendos, beneficiando somente os acionistas, acarretará menos descobertas e, consequentemente, maiores preços desta fonte ainda, e por muito tempo, indispensável.

Vejamos a evolução do consumo mundial de energia e de países importantes para economia mundial, comparando-os com o Brasil. Valores em milhões de toneladas equivalentes de petróleo (mtoe).

CONSUMO MUNDIAL DE ENERGIA (mtoe)

             EUA     Brasil   Rússia China   Índia    Mundo

1995 … 2122 … 153 … 664 … 913 … 236 …… 8578

2000 … 2314 … 185 … 620 … 1038 … 296 … ..9382

2005 … 2351 … 207 … 657 … 1691 … 364 … 10801

2010 … 2286 … 254 … 691 … 2432 … 524 … 12002

2015 … 2258 … 290 … 731 … 3118 … 676 … 13360

2020 … 2270 … 333 … 766 … 3688 … 871 … 14627

Estes números também refletem a alteração do poder mundial que vem se transferindo dos EUA, com economia cada vez mais financeirizada, e de um modo geral de todo ocidente, para o oriente, este em permanente processo de industrialização e consequente desenvolvimento científico e tecnológico – China e Índia – onde estão também os maiores contingentes populacionais do planeta. Decresce o consumo estadunidense, dobra o brasileiro, a Rússia após um período de decréscimo acentuado, já sob a direção de Vladimir Putin, pode, nas mesmas bases dos demais, apresentar 15% de acréscimo, enquanto China e Índia quadriplicam o consumo.

Pela incapacidade de desvendar esta situação ou por comprometimentos inconfessáveis que ouvimos, com perplexidade, mas até como justificativa de indefensáveis ações governamentais, sobre “o perigo comunista”, “a ameaça do foro de São Paulo”, quando muito mais nos atingem as decisões do “foro econômico mundial de Davos”, fiscal do “Consenso de Washington”.

A privatização da Eletrobrás e o estilhaçamento, para encerramento, da Petrobrás têm o aspecto político, de riscar a Era Vargas da História do Brasil, quando nosso País promoveu verdadeira revolução na sua estrutura organizacional, nos objetivos nacionais e na valorização da cultura brasileira.
Mas têm aspectos econômico e geopolítico ao colocar nossa Nação subordinada aos interesses do capital financeiro, marginal e apátrida, de âmbito internacional, voltando a ser colônia: exportadora de matérias primas (vegetais, minerais) e seres humanos e importadora de produtos industrializados.

Há outro agravante. Vamos também perdendo lideranças, pois ao capital marginal, apátrida, interessa um governo de milicianos, traficantes e destituídos de qualquer interesse nacional. As privatizações não significam somente o enfraquecimento da defesa nacional, sem combustível para aeronaves, navios e deslocamentos terrestres. Significam que a Questão Nacional, ideal que concentra o povo, é trocado por abstrações, irrealismos como energia limpa, auxílios transcendentais, e o individualismo que mostra a falta de solidariedade humana.

E tudo fica mais caro e difícil quando depende de quem não sofrerá com a sua falta, pois nem mesmo reside no Brasil.

Felipe Maruf Quintas, doutorando em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense.

Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.

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