No início da década de 1960, a vitoriosa atuação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) na disputa espacial parecia mostrar que o mundo se inclinaria para o campo socialista.
As forças do capitalismo, grupadas nos Estados Unidos da América (EUA), empreendiam a campanha contra “o comunismo” e este programa invadia todos ambientes: estudantil, empresarial, sindical, agrário, artístico. Quando as ideias não bastavam, as forças da inteligência (espionagem) e os militares estadunidenses aplicavam golpes, demoliam a democracia que, contraditoriamente, sua manutenção era parte importante dos discursos.
Eram facilmente constatáveis as contradições entre as propagandas, as comunicações, os discursos e as ações empreendidas contra os povos que, majoritariamente, apenas queriam ter vida digna: soberania e cidadania.
Uma questão, entre tantos exemplos possíveis, tratava da compreensão do planejamento. Como a URSS tinha planos plurianuais, orientadores das ações públicas, na doutrinação contrária entendia-se o planejamento como cerceador da liberdade, inibidor das manifestações de vontade, um procedimento não democrático e liberal.
No entanto todas as ações para a tomada do poder e a eliminação das oposições aos interesses do império estadunidense eram minuciosamente preparadas, envolvia o planejamento das comunicações, das fabricações, das pedagogias, do transporte, de tudo que pudesse pressionar e influenciar o homem comum e as lideranças.
Naqueles anos 1960, duas forças disputavam a primazia no campo capitalista: a industrial e a financeira. Mas era uma peleja nas sombras, atrás das cortinas, não reconhecida pelos contendores que, na aparência, apenas focavam o comunismo.
O golpe de 1964, no Brasil, foi planejado e executado pelo segmento industrial, embora não sofresse qualquer oposição dos financistas. E, como nas ironias da história, sofreu um golpe dentro do golpe, em 1967, que colocou militares nacionalistas no governo, estes existiam e eram até numerosos à época.
Os financistas aprenderam, com esta virada no golpe de 1964, que os militares não eram de confiança para conduzir o projeto de sujeição do Brasil ao interesse das finanças. Desencadearam, então, um duplo processo.
Conquistar os militares, a partir da infiltração da ideologia neoliberal nas escolas de comando e estado maior, e ampliando esta doutrinação por toda cadeia de formação, instrução e adestramento militar. Hoje são raros os militares nacionalistas e mais raros ainda os que assumem a defesa da questão nacional.
Paralelamente, desconhecendo o grau de sucesso da doutrinação neoliberal nas Forças Armadas (FA), ainda que mobilizasse toda comunicação de massa, quase unicamente privada, na propaganda, enveredou também pela colocação da juristocracia no poder brasileiro.
Detenhamo-nos um pouco nesta alteração da classe no governo. Como sabemos de todos estudiosos da História pátria, o poder no Brasil, salvo momentos de exceção, esteve em mãos estrangeiras, nos colonizadores, que se sucederam desde 1500 até hoje.
Estes colonizadores colocavam no governo do Brasil setores da sociedade com os quais tivessem estreito contato e domínio. Isto fez do Brasil o “país essencialmente agrário” e, com a exploração mineral e energética, um país exportador de produtos primários, seja oriundo do campo agropecuário, seja das minerações e, mais recentemente, do petróleo descoberto pela Petrobrás em águas ultra profundas, onde sua qualificação é única no mundo.
Com os militares sob suspeita, os financistas preparam os juízes. Afinal, os pilares da administração nacional, desde os governadores gerais lusitanos até os recentes eleitos em fraude eletrônica, foram a repressão (ou justiça) e a finança. Tudo mais variava ou era unicamente privado, como a grande imprensa.
Além disso, a juristocracia formara-se, historicamente, nas fazendas, na alta classe média, nos cursos no exterior, na representação política, o que a tornava não apenas identificada por classe, porém mesmo por herança de família: avô, ministro; filho, desembargador; neto juiz. A homogeneidade judiciária era muitíssimo maior do que a militar, que acolhia mais democraticamente seus membros, dos pobres até os ricos.
Tudo foi minuciosamente preparado para que na saída dos militares se empossasse o poder financeiro. A sucessão do Geisel, a eleição indireta de Tancredo-Sarney, a constituição de 1988 foram a instrumentação adequada para o que se seguiu e permanece até hoje: governo das finanças, do capital financeiro, da especulação e da corrupção.
E, com um toque maquiavélico, armar parte da oposição com um discurso identitário que se confunde com o da própria banca. E, o que torna ainda mais complexa a junção oposicionista, os identitarismos passam a ser agredidos por grupos conservadores, por crenças religiosas, que acabam por fazer crer que o neoliberalismo é libertário e não escravagista.
E, pelas facilidades tributárias, patrimoniais, contábeis, as igrejas, especialmente a neopentecostal que tem formação ideológica estadunidense – a teologia da prosperidade – atuam na lavagem do dinheiro ilícito, formando o que o jornalista Romulus Maya denomina “evangelistão do pó”.
O que temos hoje, alguns denominam cismogênese, palavra construída pelo antropólogo anglo-estadunidense Gregory Bateson (1904–1980), que significa no grego, origem da ruptura ou da divisão. São atores que agem tanto no governo e quanto na oposição, cuja passagem de um polo ao outro não modifica sua conduta nem mesmo seu discurso.
Verdadeira obra coletiva, de muitos pesquisadores, de muito planejamento e de muita farsa e corrupção; uma construção da banca iniciada nos anos 1950.
Mas não é surpreendente. Com as finanças no poder e sem controles e regulações, o capital financeiro ficou, cada vez mais, representado pelos ganhos ilícitos, criminosos, da produção e tráfico de drogas, dos contrabandos de armas, pessoas e órgãos humanos. Com as mais expressivas formas de enriquecer e criar um modelo de ação corrompendo policiais, militares, juízes, políticos e toda estrutura dos Estados.
Há perfeita identidade entre a banca, o sistema financeiro internacional, e a corrupção. Vimos magistrados e membros do ministério público e da polícia brasileira, inteiramente ao arrepio da lei e da ética profissional, viajarem para os EUA, desde a Nova República, para serem treinados em fraudes processuais, ações irregulares quando não ilícitas na condução dos processos e nos intensos e corruptos relacionamentos com advogados e todos que participem, de algum modo, do Poder Judiciário e do Ministério da Justiça.
E, mesmo apoiando pelo voto os agentes da banca, o povo tem conceito cada vez menos elogioso do judiciário, da polícia e dos bancos.
Que Estado podemos imaginar, dominado pela especulação, pela corrupção, pelas drogas, contrabandos e uma religião que divulga e pratica a teologia do enriquecimento, sem qualquer restrição ética ou moral?
Que formação estar-se-á dando ao povo, pelos meios formais da pedagogia oficial ou pela irresponsável comunicação de massa, para que tenha orgulho nacional, que lute pela soberania do Brasil?
Por fim, que direito estará perseguindo este estado traficante-financeiro-religioso-malthusiano?
Não há espaço para acomodações, entramos na era das rupturas.
*Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado
Fonte: Pátria Latina