Artigo

Eu sou uruguaio

Data da publicação: 05/07/2010
Autor(es): Paulo Metri

Torci, obviamente, pelo Brasil contra a Holanda. Mas, torci também pela Argentina contra a Alemanha e pelo Paraguai contra a Espanha. Acho totalmente irracional, alguns brasileiros torcerem por qualquer país que vá enfrentar a Argentina. Os argentinos são nossos irmãos e são muito mais parecidos conosco do que muitos europeus. Precisamos acabar com esta rixa alimentada por grupos radicais dos dois lados. Apesar deles não terem tido influência da cultura negra, nem da indígena, eles têm uma identidade constituída de forma similar à nossa.

Ambos países foram colônias de países europeus católicos, durante mais de trezentos anos, e eram colônias destinadas à exploração pelos colonizadores, que nunca pensaram em estabelecer na América novos reinos, que passariam a compor Reinos Unidos junto com os países europeus. O caso brasileiro, em que a corte portuguesa, fugindo de Napoleão, aqui se estabeleceu, é uma exceção imposta por um acidente histórico. A lei que era válida nas Colônias não era a mesma do Reinado ou Império europeus. Pulando centenas de anos, a onda neoliberal dos anos 90 varreu o continente sul americano por igual, então, na dor da exploração, somos vítimas idênticas. É impossível, portanto, não ser solidário a qualquer país sul americano!

Entretanto, confesso que fiquei um pouco em dúvida para quem torcer no jogo Uruguai versus Gana, pois o Uruguai é nosso, mas a África conseguiu ser mais sofredora que a América do Sul. Trata-se de um continente em que seu povo foi seqüestrado, transferido para bem longe, acorrentado e surrado para oferecer sua força física. Não se pode entregar a taça para eles gratuitamente, pois é necessário possuir o mérito para recebê-la, mas ninguém irá me proibir de torcer por eles.

Assim, meu critério de escolha para que um país seja aquinhoado com meu desejo de sucesso, meus gritos de incentivo e minhas mandingas e ansiedades é simples: em primeiro lugar, o Brasil; em segundo, os países do Mercosul; em terceiro, os demais países da América Latina; em quarto, os países da África; em quinto, os demais países subdesenvolvidos; e em último lugar, os países desenvolvidos. Se dois times de países do berço ocidental da exploração econômica humana, ou seja, dois times europeus, estiverem jogando, posso reconhecer até um futebol de excelente nível, mas nenhum ganhará minha torcida. Só torcerei por uma seleção européia no dia em que os alienígenas baixarem na Terra e quiserem jogar um campeonato galáctico, e a seleção de um país europeu estiver representando a raça humana.

Vejo no futebol um caminho de superação da exploração que fomos submetidos durante séculos, de início pela força e, hoje, pela sutil dominação cultural, com apoio de traidores pertencentes aos povos dominados. O Uruguai, neste intervalo de quatro dias entre as oitavas e as quartas de final, representa a esperança de todo um continente. Vibrarei por sua vitória como vibrei em todas as cinco copas ganhadas pelo Brasil e chorarei, se por acaso for derrotado, como chorei em todos fracassos da seleção do meu país. Pode não valer grande coisa, mas a seleção do Uruguai é, no momento, meu instrumento de libertação. Até os próximos jogos, e tomara que até o fim da Copa, serei, com muito orgulho, uruguaio.

Paulo Metri é conselheiro da Federação Brasileira de Associações de Engenheiros e sócio honorário da AEPET.

05/06/2010