que inclui o exame dos fatores geográficos e do planeta Terra (ecológicos), conforme se lê no Dicionário de Política de Norberto Bobbio e outros.
Mas neste entendimento, do final do século XX, faltou a presença da globalização financeira: sistema financeiro internacional, que vem alterando as políticas de Estados para as políticas daquele sistema.
Assim, a influência de aspectos físicos, étnicos, demográficos e econômicos — que entravam na análise geopolítica — dão lugar às estratégias e aos objetivos do sistema que iremos nos referir, abreviadamente, por ‘banca’.
Desenvolveremos a análise do petróleo, dentro deste universo sistêmico, sob a ótica da banca.
Foi sobre o petróleo que se construiu a sociedade industrial no século XX. A história da geopolítica do petróleo pode começar pelo controle das suas reservas pela maior potência no início do século XX: a Inglaterra.
O primeiro país do Oriente Médio a ter jazidas descobertas foi o Irã, em 1904; e sua exploração deu origem à empresa Anglo Persian Company Oil, embrião da atual BP (British Petroleum).
A partir da I Grande Guerra, com a rápida ascensão política, econômica e militar dos Estados Unidos da América (EUA), foi a ação estadunidense que condicionou a geopolítica petroleira. Mas não havia o explícito envolvimento estatal. Tal como o fizera a Inglaterra, eram empresas privadas, apoiadas política e militarmente pelo Estado Nacional, que atuavam no tabuleiro mundial.
Durante o século XX, o petróleo, ainda barato de se produzir, constituiu fonte de energia primária de baixíssimo custo e alta qualidade. A qualidade do petróleo pode ser inferida por sua concentração energética e facilidade para transporte e uso. A qualidade do petróleo também se expressa por sua capacidade de aumentar a produtividade do trabalho humano, sendo superior às energias da madeira (e outras biomassas); dos ventos; potencial e cinética da água; do carvão; do gás natural; e do Sol.
Acessar o petróleo, garantir seu uso e impedir o acesso de seus competidores às maiores e melhores reservas são fatores determinantes para o sucesso econômico, militar e, portanto, geopolítico na competição entre Estados e corporações transnacionais.
A disputa geopolítica se estende — e durante o século XX se concentra — na esfera financeira. O petróleo também neste campo foi protagonista no século XX.
Ao final da Segunda Grande Guerra, estabeleceram–se dois blocos: um sob influência das potências vencedoras e capitalistas, com hegemonia dos EUA; e outro sob o controle das potências vitoriosas socialistas, com a liderança da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
No bloco ocidental–capitalista, os EUA conduziram o estabelecimento das regras de comércio e investimento com a celebração do tratado de Bretton Woods de 1944. No acordo, se estabeleceu a ordem monetária internacional e se reconheceu o dólar, lastreado e garantido pelas reservas de ouro dos EUA, como padrão fiduciário de reserva e das trocas internacionais.
O sistema de Bretton Woods e o padrão ouro–dólar colapsou no início da década de 1970, como resultado dos elevados déficits comerciais e da dívida dos EUA, também correlacionados com os gastos na Guerra contra o Vietnã.
Sob a ameaça de grande desvalorização internacional do dólar estadunidense, o governo Nixon negociou com a monarquia da Arábia Saudita —e depois com outras ditaduras do Oriente Médio — o estabelecimento do sistema dos petrodólares.
No acordo, os países exportadores de petróleo se comprometiam a vendê–lo exclusivamente em troca de dólares dos EUA. Também em reinvestir sua renda petroleira em títulos da dívida e outros ativos americanos. Em troca, primeiro a monarquia saudita, depois outros regimes, recebiam apoio diplomático e militar, além de acesso ao armamento bélico e treinamento para guerra e repressão social.
O sistema dos petrodólares permitiu que os EUA preservassem o valor relativo da sua moeda, já que todos os demais países importadores dependiam dela para comprar o petróleo. Assim, os EUA garantiram sua expansão monetária, com déficits comerciais e dívidas crescentes, mediante a impressão, sem lastro, dos dólares.
Sua presença militar em centenas de bases ao redor do mundo e os constrangimentos financeiros que os EUA podem impor aos seus adversários dependem da imposição do valor do dólar que, durante o século XX e início do XXI, tem sido garantido como moeda necessária para o comércio do petróleo.
Examinemos o consumo de energia primária, em 2017, por produto, em milhões de toneladas de óleo equivalente (toe): óleo: 4.621,9; gás: 3.156,0; carvão: 3.731,5. Outros produtos tiveram os seguintes consumos (toe): renováveis: 486,8; nuclear: 596,4; e hídrica: 918,6.
A distância que separa o petróleo (óleo e gás) das demais fontes mostra, claramente, que estamos longe de ter o fim do petróleo como o grande supridor de energia e insumo industrial.
A distância que separa o petróleo (óleo e gás) das demais fontes mostra, claramente, que estamos longe de ter o fim do petróleo como o grande supridor de energia e insumo industrial.
Examinemos as reservas de óleo, com dados da já referida publicação.
Nas duas últimas décadas as reservas de óleo, por regiões, tiveram o seguinte comportamento, em bilhões de barris.
Região 1997 2007 2017
América do Norte 127,1 221,5 226,1
América Central e do Sul 93,4 125,3 330,1
CIS* 121,4 145,9 144,9
Europa 21,3 15,1 13,4
Oriente Médio 683,2 754,9 807,7
África 75,3 119,7 126,6
*CIS – Comunidade de Estados Independentes é a designação que a BP dá aos países euroasiáticos da extinta URSS.
As reservas de gás, em trilhões de metros cúbicos, assim se distribuíam nos mesmos períodos:
Região 1997 2007 2017
América do Norte 8,0 8,4 10,8
América Central e do Sul 6,6 7,8 8,2
CIS* 40,3 41,2 59,2
Europa 4,9 5,0 3,0
Oriente Médio 48,6 73,6 79,1
África 10,2 14,0 13,8
Na concepção geopolítica tradicional buscaríamos os consumos e, de certo modo, teríamos as políticas nacionais de controle de reservas, o que colocaria determinados países sob a ameaça ou jugo das grandes potências.
Usaríamos as relações Reserva/Produção (R/P) para buscar as mais duradouras reservas. Os dados de 2017, tanto para óleo quanto para gás, dão mais de 50 anos para que se produzam, nas mesmas quantidades daquele ano, as reservas conhecidas em 31/12/2017. Óleo tem R/P 50,2 e gás R/P 52,6.
A relação R/P pode nos levar a impressão equivocada de abundância. Primeiro porque a produção futura não acontece constantemente durante 50 anos; e instantaneamente cessa. Existe a perspectiva de crescimento e decréscimo da produção e do consumo. Quais seriam as consequências econômicas e sociais do período de declínio da produção e do consumo, caso não haja energia primária barata e disponível para substituir o petróleo?
Outro aspecto que deve ser levada em conta é que quando a produção (P) cai, a relação R/P se eleva. No limite, quando a produção tende a zero, a razão R/P tende a infinito, assim, elevada razão R/P não necessariamente é bom sinal.
Não afirmamos que isto não se dê. Mas o que move a geopolítica no tempo da banca é o lucro mais rápido e maior.
Se observamos a Venezuela assediada: nem é pela falta de democracia — nenhum país teve tantas eleições no mesmo período e houve vitórias e derrotas do Executivo; nem pela miséria de sua população (que apoia majoritariamente o governo, mal-grado a guerra híbrida); e nem pelo descontentamento das forças armadas. É pelo interesse da banca em produzir, o mais rapidamente possível, a enorme reserva de óleo em um único país, para auferir este lucro no lugar do Estado Venezuelano.
Esta questão fica ainda mais evidente quando se analisam os balanços das empresas privadas de petróleo ou das que, embora estatais ou de economia mista, têm os governos nacionais nas mãos da banca ou seus Estados aparelhados, total ou parcialmente, pela banca.
É razoável pensar — e efetivamente ocorreram — em golpes e “revoluções” patrocinados pela antiga Standard Oil, fundada por John Rockefeller, para se apossar de reservas de petróleo e para dominar países que as tivessem em abundância.
Mas, após o domínio, não buscaram usufruir ao máximo e rapidamente seu butim, elevando fatores de recuperação (que seria cobrado como patente ou outro custo do país dominado), construindo terminais e até refinarias, se assim concluísse sem suas análises econômicas. Nem reservariam, dos seus lucros, recursos para pesquisa e desenvolvimento.
Hoje dá–se o contrário. A Exxon Mobil, sucessora da Standard Oil, procura distribuir o maior lucro possível a menores intervalos de tempo — não mais anuais, mas a cada trimestre. Quem é o principal acionista da Exxon Mobil (XOM)? Não a família Rockefeller, mas Empresas Gestoras e Fundos de Investimentos que controlam 55% do capital da XOM (a maior é o Vanguard Group com 13,95%do total).
São dois os objetivos da banca: um deles é a permanente concentração de renda. Consideramos este objetivo autofágico. E o outro transformar todos os demais ganhos (lucro, aluguéis, salários, tributos) em ganhos financeiros; quer pela propriedade direta, como na Exxon Mobil; quer pelas dívidas. E não são maneiras excludentes.
Os resultados (net income) da Exxon Mobil, desde 2014, que serviriam, em princípio, para distribuição dos lucros têm sido sucessivamente menores, até 2018.
Em nossa análise, a situação geopolítica para o petróleo brasileiro é preocupante. Desde a descoberta do Pré–sal, que colocou o Brasil com a expectativa de grandes reservas — o que vem sendo comprovado — associado às reduções dos lucros privados (que a Exxon Mobil é apenas um exemplo, embora seja a maior empresa petroleira privada) — em parte pela redução de emprego e consumo ao redor do globo, em parte pelas dívidas (como já expusemos) — o assédio a nossos patrimônios naturais exigiria governos nacionalistas.
E não os temos conseguido, vítimas que somos da guerra híbrida. Assistimos à elevação da produção do Pré–sal, com o único objetivo de aumentar os lucros e entregá–los aos acionistas. Nenhuma preocupação com a demanda e os usos nacionais.
As maiores multinacionais de capital privado do setor do petróleo não repõem suas reservas na taxa que são esgotadas; têm produção declinante; apresentam resultados financeiros fracos; e perderam boa parte de sua capacidade tecnológica, ao terceirizar suas atividades às empresas prestadoras de serviço. Em uma palavra: definham.
Entre as principais causas: adoção de modelo de negócios baseado em premissas falsas, com objetivo de maximizar o valor para o acionista no curto prazo; com precária visão estratégica ao não compreender o ambiente de negócios; seguindo, bovina e consensualmente, planos similares baseados em informações de “consultorias independentes”; ao negar restrições socioeconômicas; além de ignorar limites naturais.
Caso a Petrobrás adote modelo parecido terá o mesmo destino, em breve.
As oscilações nos preços do petróleo têm impactado a economia. A frequência e a amplitude dos movimentos são maiores nos últimos dez anos do que aquelas observadas historicamente. As interpretações sobre o comportamento dos preços variam de acordo com a formação do analista e da sua capacidade, mas também dos seus interesses.
Com a indisponibilidade de energia primária barata de se produzir e a incapacidade de os assalariados em pagar por mercadorias relativamente mais caras, o sistema econômico, de natureza concentradora, não funciona. A produção de energia primária per capita mundial tende a cair, e assim a economia e o sistema financeiro também podem colapsar.
Não há substituto para o petróleo barato de se produzir, mas ele acabou e a humanidade viv as consequências econômicas e sociais deste fato no século XXI.
Informações da indústria mundial: o investimento em Exploração e Produção (E&P) e a produção agregada evidenciam o aumento do custo médio de seencontrar e produzir cada barril adicional de petróleo. Diante desta restrição estrutural, há severas consequências para a indústria e para a sociedade.
A descoberta do Pré–sal e a condição relativa do Brasil e da Petrobrás, diante da situação internacional aqui descrita, conferem à Nação vantagem geopolítica que pode ser aproveitada ou desperdiçada.
FELIPE COUTINHO, engenheiro e ex-presidente da Associação de Engenheiros da Petrobrás (AEPET)
PEDRO AUGUSTO PINHO, administrador e presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)
Publicado em Legados Trabalhistas