“A realidade não é apenas negada, ela é também proibida.”
(Thomas Leithhäuser, Ideologia e Consciência)
O conceito de segurança está associado à subjetividade. Dentro de um bunker, cercado por tropas com atualizadas e eficazes armas e todo sistema defensivo atuante, a pessoa ainda poderá se sentir insegura.
Mas, tratando não só da questão individual como coletiva, a confiança nas instituições do país é, indiscutivelmente, alimentadora de um nível de segurança.
Com o recente golpe pelo impeachment da Presidente Dilma Rousseff, desfez-se a pouca, se ainda restasse alguma, credibilidade nas instituições nacionais, especificamente nos poderes legislativo, judiciário, executivo e no ministério público.
O legislativo, assim como toda classe política, vem sendo seguidamente desmoralizado pela imprensa em geral. Mas o espetáculo, amplamente divulgado, do domingo, 17 de abril de 2016, no Congresso Nacional, emoldurou este fragilizado poder. Votos em defesa da tortura, parlamentar enrolado na bandeira nacional para entregar a riqueza brasileira do pré-sal a empresas estrangeiras, voto às esposas e filhos pelos que sabidamente vivem com relações moralmente reprováveis, apenas acentuaram a descrença neste poder.
Como então esperar leis que, minimamente, protejam o direito à cidadania. Cabe uma breve conceituação do que entendo por cidadania e o faço adotando a ideia da “paridade da participação” da filósofa norteamericana Nancy Fraser. Ela se firma em três condições:
primeira a objetiva – aquela que assegura alguma garantia material, econômica, a toda população. A plataforma do Bolsa Família, o Programa de Renda Mínima, ora em plebiscito na Suíça, são exemplos desta condição objetiva.
segunda a intersubjetiva – voltada para o valor cultural, ou seja, o respeito à diversidade e desigualdade, a garantia da efetiva e idêntica oportunidade para todos terem “estima social”. O Ministério da Cultura, a Secretaria da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos constituem exemplos garantidores desta condição.
terceira a política – onde não será negada ou dificultada a voz das minorias ou seja excluir toda e qualquer forma de marginalização política. Uma Empresa Pública de Comunicação faz parte desta terceira condição.
É evidente que deste legislativo, quer pela baixa capacidade crítica quer pelos “compromissos de campanha”, não se espera qualquer contribuição à cidadania ou à “paridade participativa” do povo brasileiro.
Passemos ao judiciário.
Vale aqui a desconstrução do mito da meritocracia. Ressalvo entender que as duas únicas formas de acesso às funções públicas deveriam ser o voto popular ou o concurso público amplo e geral. As funções de confiança e as terceirizações seriam consideradas burlas inaceitáveis ao provimento e exercício de funções nos Poderes Públicos em toda extensão.
Agora tomo o conceito de “ideologia do desempenho” do sociólogo alemão Reinhard Kreckel. Esta ideologia busca firmar e legitimar um processo de exclusão social pela qualificação pessoal. Para não transformar um artigo numa tese acadêmica, lembrarei apenas a questão do tempo.
Um jovem da classe média terá uma disponibilidade de tempo muito maior para ler, estudar, ir ao cinema ou espetáculo cultural, enriquecer seu conhecimento do que uma criança de família despossuída, obrigada desde a infância a vender seu tempo, sua força física, para garantir a sobrevivência.
Forma-se assim no judiciário e em outras esferas do poder – ministério público, carreiras do executivo – uma casta mais disposta a manter seus privilégios do que corrigir as desigualdades e disfunções sociais. E esta característica é reforçada pelo “pertencimento”, ou seja, dela se excluirão todos os que não tenham a “mesma origem” ou se insurjam ou não ajam como seus “pares”.
Bastam os salários destas funções e seus ganhos indiretos para comprovação desta solidariedade. Claro está que, além das dificuldades colocadas na própria legislação, vide nosso legislativo, os procedimentos excludentes do sistema judicial e um julgamento partidarizado, não necessariamente político mas pela classe social, não serão garantidores da segurança institucional, a não ser por exceção.
Surge, então, a comunicação social para propugnar, defender e reforçar todo este contexto de insegurança.
Usarei a palavra midia no sentido mais amplo, envolvendo toda sorte de comunicação social, inclusive a vinculada por canais virtuais.
Alguns estudiosos da pedagogia afirmam que ao analfabetismo literário segue o televisivo e chega, hoje, ao virtual. Isto significa dizer que em nenhum ponto da formação do conhecimento há espaço para a crítica. Assim todo processo da comunicação social, com as mínimas exceções que também existem nos outros sistemas até aqui tratados, só faz naturalizar todas as desigualdades. E a tal ponto que pessoas passam a aceitar como correto serem flageladas e estupradas física e psiquicamente.
Os abundantes exemplos podem ser visto nas midias e destaco as entrevistas ao vivo com transeuntes, colhidos ao acaso.
Chegamos à absoluta insegurança que nos transmitem as instituições nacionais.
O processo democrático para rever este quadro só pode ser pela elaboração de um novo Estado por uma nova Constituição, esta o mais amplamente debatida por toda sociedade, formulada por todos os atores sociais para que a cidadania e a nacionalidade brasileiras sejam garantidas e protegidas.
Não é possível, obviamente, sair do zero, mas é possível, e já ocorreu, afastar o poder econômico por limitações formais e adotar restrições à midia. Existem exemplos no exterior que como recomendava Ortega y Gasset devem ser buscados mas nunca transplantados.