Artigo

Macaco Obama, não

Data da publicação: 06/07/2015

Alguns leitores – avisam os amigos da AEPET – protestaram com indignação contra meu artigo “Macaco Obama” e até pediram para não receber mais os informativos que incluam manifestações como essa. Um dos leitores esclareceu que, revoltado com o título do artigo, nem chegou a ler nada de seu texto. Suponho que os outros reclamantes também não tenham lido o artigo.

Devo pedir desculpas a esses leitores e, é claro, à AEPET, pelo constrangimento que lhe causo. Com tantos anos de experiência jornalística, eu devia desconfiar de que aquele título poderia causar mal-entendidos. Confiei, porém, que os primeiros parágrafos do texto esclareceriam tudo. Já no segundo, eu escrevia:

Noticia-se agora que ele [Obama] tem recebido pelo twitter mensagens insultuosas, rancorosas e ameaçadoras. No mínimo tentam ofendê-lo chamando-o de negro, o que ele, sem dúvida, tem orgulho de ser, e houve quem o chamasse de macaco e quem lhe mandasse um desenho que pretende ser o dele na forca, com uma legenda que em  português significaria mais ou menos  “precisa-se de corda”, embora o boneco do desenho apareça com a corda no pescoço.

Eu, na verdade, protestava, contra a onda de mensagens racistas enviadas a Obama, que cometera a ousadia verdadeiramente democrática, mas imprudente, de abrir a todos os americanos o acesso a seu twitter. Sabemos hoje que a internet oferece, ao lado de mil e uma possibilidade de buscar uma nova fronteira para nossos horizontes, o risco de acolher coisas como essa. Ainda outro dia Umberto Eco, ao receber o título de doutor honoris causa da Universidade de Turim, dizia que a internet concedeu o privilégio de invadir a intimidade alheia ao primeiro cretino que termine o segundo copo de vinho em um bar.

Obama assumiu esse risco para dispor, em troca, da possibilidade de ouvir a manifestação de outras vozes, para conhecer a alma verdadeira de seu povo. Foi e é uma provocação sadia e corajosa e ele pôde comprovar, pelos insultos, que o racismo continua presente, se é que não recrudesceu, em alguns grupos de americanos. Racismo que voltou a ser um problema grave a partir de sucessivos casos de policiais brancos matando negros em várias partes dos Estados Unidos. (Aqui no Brasil, a propósito,  não temos muita autoridade para falar mal dos policiais americanos…)

Depois dessa provocação, Obama já fez outra – e vou falar dela com cuidado, para não parecer que estou do outro lado (ia acrescentar “do outro lado da jaula do zoológico”, mas isso pode provocar outra confusão). Logo depois do assassinato de nove negros na igreja da Carolina do Sul, Obama, num discurso contido, mas intenso, usou de propósito uma palavra há muito tempo proibida nos Estados Unidos.

Há muito tempo. Há mais de quarenta anos, no início da década de 1970, eu caminhava à noite pela movimentadíssima e chique Terceira Avenida de Nova York, com meu amigo e colega Octávio Bonfim, quando ele me advertiu. Era minha primeira viagem aos Estados Unidos e ele vivia em Nova York, como correspondente do Jornal do Brasil. Conversávamos em português sobre a questão dos direitos civis e eu, sem saber da impropriedade disso, usei a palavra “negros”. À nossa frente andavam dois senhores negros e Bonfim me interrompeu:

– Não fale assim, podem confundir e ficar ofendidos. Diga “pretos”.

Podiam pensar que eu me referia a eles e confundir a palavra que eu usara com uma corruptela odiosa da palavra inglesa “negro”, que se pronuncia “nigroo” – a corruptela “nigger”, usada pelos racistas e sem tradução em português, porque palavras que poderiam ser equivalentes, como “negão”,  nem sempre são ofensivas e às vezes soam até carinhosas.

Agora, mais de quarenta anos depois, Obama chocou os Estados Unidos ao referir-se às mortes na Carolina do Sul recorrendo à palavra proibida “niggers”. As televisões tiveram cuidados extremos ao anunciar que reproduziriam esse trecho do discurso, para deixar claro que Obama falava também dele mesmo. Obama fez isso de propósito, da mesma forma como revelara que pelo twitter fora chamado de macaco Obama. Ele queria escandalizar os americanos, mostrando a ironia de constituírem uma sociedade que poupa os negros, cuidadosamente, de  palavras maldosas, mas às vezes usa contra eles balas de revólver assassinas.

Esperando não ter cometido neste texto algum deslize maior, espero também que me desculpem e compreendam os leitores que ofendi.