O estreitamento e o empobrecimento do debate político-econômico em que estamos entalados pela mediocridade das ideias do arrastão neoliberal, ainda hegemônico no mundo de nossos dias, conduzem-nos (ou melhor, conduzem os pastores e bispos dessa opressiva igreja fundamentalista) a reduzir tudo às dimensões do mercado, como se este fosse maior e mais importante que países e povos.
Décadas atrás o povo norte-americano ouvia que o que era bom para a General Motors era bom para os Estados Unidos. Em seguida passamos a ouvir, nós, brasileiros, que o que era bom para os Estados Unidos era bom para nosso país. Hoje somos obrigados a ouvir que o que é bom para o mercado é bom para o Brasil.
Com base nesse artigo de fé, fomos condenados, há quase um ano, a uma recessão que nos prometiam breve e passageira, mas que agora já dizem que vai estender-se até o fim de 2016, quando estará para completar dois anos ininterruptos, e possivelmente penetrará pelo ano de 1917 e talvez chegue ao ano da eleição presidencial, 2018.
Essa recessão, dizem-nos, é necessária para realizar um ajuste fiscal cada vez mais distante, pois com a queda da atividade econômica cai também a arrecadação do governo e aumenta o déficit que se quer suprimir. A cada aumento dos juros, a dívida pública cresce mais bilhões que os que pretendem economizar cortando benefícios sociais. (Aliás, o Bolsa Família, que paga por mês menos de duzentos reais a cada miserável família beneficiada, custa mil vezes menos que os juros mensais de uma dívida pública da ordem, se não me engano para menos, de DOIS TRILHÕES E MEIO de reais. Esses juros são o Bolsa Família dos ricos.)
Um exemplo bem remoto desse endeusamento do dinheiro (com o correspondente aviltamento da condição humana) eu o tive na campanha presidencial de 1960, em que eram candidatos mais fortes o futuro Presidente Jânio Quadros e o Marechal Henrique Teixeira Lott, o ex-Ministro da Guerra que assegurara a eleição, a posse e o governo do Presidente Juscelino Kubitschek.
Lott foi um grande patriota e nacionalista, mas tão ingênuo que sempre dizia e perguntava as coisas no lugar mais errado. No Recife, onde a esquerda tinha muita força, Lott foi dizer que lugar de comunista era na cadeia. Em Londrina, a milionária e reacionária capital da economia cafeeira que sustentava o Brasil, Lott poderia dizer isso impunemente e até aplaudido, mas preferiu falar de outra coisa, demonstrando, aliás, uma sensibilidade social antes insuspeitada.
No comício de Londrina – eu estava lá, jovem jornalista – Lott defendeu medidas como a extensão das leis trabalhistas aos trabalhadores rurais e perguntou ao público:
– Afinal, meus amigos, o que vale mais, um homem ou uma saca de café?
Um menino descalço, muito pobre e quase maltrapilho, mas já conhecedor das realidades da vida, não teve um segundo de dúvida e gritou ao Marechal:
– A saca de café!
Naquela região produtora, onde talvez já fosse um trabalhador sem direitos (e sem sapatos), aquele menino sabia que pelo menos ali uma saca de café valia mais que um homem. Hoje o pensamento dominante equivale a esse. E não se pergunta sequer se existirá a alternativa de um ajuste fiscal sem as cruéis sequelas de mais recessão com mais inflação, mais desindustrialização e mais desnacionalização, e mais desemprego e mais arrocho salarial (os últimos reajustes salariais aceitos pelos sindicatos ficam na maioria abaixo da inflação, como na época do governo Figueiredo, o último da ditadura).
Agora perdoem se pergunto: como é que, nessa desgraça toda, em que todos perdem, só os bancos lucram e lucram cada vez mais?