“Há duzentos anos, em maio de 1787, algumas dezenas de delegados – todos homens, todos brancos, todos membros de boa reputação da instituição política americana, todos homens de posse – donos de escravos e plantações, fazendeiros, negociantes, advogados, banqueiros e armadores – reuniram-se em Assembleia Legislativa, na Filadélfia, onde, nos meses subsequentes, redigiram a Constituição dos Estados Unidos”. “Ao término da Convenção, nenhum dos delegados – nem um sequer – estava inteiramente satisfeito com a constituição que haviam elaborado. Alguns recusaram-se firmemente a assiná-la, e os que a assinaram fizeram-no com graus variáveis de relutância, desalento, angústia e desagrado“.
Assim, Charles L. Mee, Jr. apresenta sua obra “A História da Constituição Americana”, que a Expressão e Cultura (RJ) publicou, na tradução de Octávio A. Velho, em 1993.
Por que o trabalho que desagradou aos que dele participaram perdura até hoje, passados mais de dois séculos, com apenas 27 emendas?
Porque ao se tornarem um país, as treze colônias optaram por construi-lo uma plutocracia. E esta vem sendo a realidade estadunidense, pouco importa quem o governe, desde que siga as decisões dos homens de posse, que se arvoraram, em 1787, representantes da Nação. E assim se construiu um país para as finanças, para o dinheiro, e não para as pessoas, para seus habitantes.
Por que Joe Biden, diante da prestação de contas de Luiz Inácio Lula da Silva, agiria diferentemente do que fazem permanentemente os presidentes com os John Does natais?
DA LAVA JATO AO RETORNO AO ALVORADA
Barack Hussein Obama II é exemplar do que resultaria da descrição de Charles Mee, Jr. Não se representa nem seus eleitores, mas as finanças que, desde o Consenso de Washington (1989), decidem os rumos do Ocidente, e buscam ampliar seu poder para o mundo globalizado.
E foi desse modo que, no Brasil, nos deu a Revolução Colorida de 2013, e montou a Operação Lava Jato: para sujeitar os futuros dirigentes deste, riquíssimo em recursos e paupérrimo em homens públicos, País. Não que elas estivessem desgostosas com os rumos da Nova República e da Redemocratização, mas estavam precisando ter absoluto domínio dos recursos da energia fóssil (petróleo) e das águas (emersas e aquíferas), que se tornavam cada vez mais valiosos e impossíveis de transferir para os Estados Unidos da América (EUA), o feitor das finanças pelo mundo.
A conclusão deste ataque ao Brasil foi Jair Bolsonaro, embora ignorante o suficiente para cumprir as ordens, era também verdadeiro marginal, que havia sido expulso do Exército por atos incompatíveis com os de um miltar. Não chegara a Capitão por promoção mas por reforma, ou seja, era um capitão de pijama. E, cercado de iguais, era constante desafio para a implantação das medidas preconizadas pelas finanças apátridas, transmitidas por seus feitores: os organismos de Estado dos EUA.
O historiador Gustavo Barroso, em “História Militar do Brasil” (Companhia Editora Nacional, SP, 1935), escreve qua a “Nação (brasileira) surge no dia em que a coroa da Metrópole vem para o continente americano. Até então, éramos simples colônia. Depois, somos um Reino”. E o que somos hoje, com as formalidades de um Estado Nacional, mas com a capacidade decisória de sucursal de empresa internacional?
Quem estavam os brasileiros elegendo em 30.10.2022? Um presidente? Um feitor? Ou um preposto do feitor? Um gerente, ou seja, alguém que prestaria contas ao emissário das finanças encarregado de tratar dos assuntos relativos ao Brasil?
Caímos muito, desde os governos de Costa e Silva, Médici, Geisel. Se ao Brasil faltavam recursos financeiros, não carecia, no entando, altivez, autonomia, coragem de enfrentar inclusive os emissários dos EUA, que vinham aqui cobrar atitudes e decisões e voltavam inexoravelmente com as mãos vazias.
O fim dos governos militares não se deu por ações de democratas ou de oposiores à esquerda do espectro político nacional. Quem encerrou os governos militares foram as finanças, o capital financeiro internacional, que assumia o poder no Ocidente com as crises dos anos 1970 e as desregulações financeiras nos anos 1980, concluídas com a edição do “Consenso de Washington”, em 1989, a nova bíblia neoliberal para os governos no mundo, e o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1991. Esta outrora potência já se encontrava em processo de dissolução desde o fragílimo Iúri Andropov (12/11/1982 a 09/02/1984) e aquele que continuou sendo sempre um segundo de Brejnev, Konstantin Chernenko (13/02/1984 a 10/03/1985), até o corrupto Mikhail Gorbatchov (11/03/1985 a 24/08/1991), membro do Clube de Roma (1994), agraciado com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade de Portugal (1995), e participante de anúncio da Pizza Hut, na televisão estadunidense, em 1997.
Lula da Silva foi a Washington agradecer sua libertação e entoar música agradável aos ouvidos de Biden: em 10/02/2023 propõe que os países se organizem em nova governança global “mais forte” para que decisões sobre o clima, tomadas em níveis internacionais, sejam cumpridas. Ou seja, a internacionalização da Amazônia, sonho de todas as grandes potências ocidentais sem recursos naturais para se manter.
Um país que teve o tsunami Bolsonaro/Mourão destruindo todas as instituições nacionais, capazes de defender o interesse do Brasil, como a Eletrobrás, a Petrobrás, o Banco do Brasil, estilhaçadas, fatiadas ou, simplesmente, alienadas a capitais estrangeiros, agora terá mais de 50% de seu território sob a gestão das finanças, com força para impor seus interesses sobre terra, recursos e gentes.
E saiu com o trocadinho para a cerveja ou a pinga, dado com absoluta ironia por Joe Biden: US$ 50 milhões. O preço de casa de artista de Holywwod ou dos novos ricos da revolução digital. Vergonha, apenas vergonha para o Brasil.
PAÍS SEM SOBERANIA NÃO GARANTE CIDADANIA
Mas Lula tem programas sociais, vai garantir que o salário mínimo cresça e o bolsa família atinja milhões de brasileiros. Porém como poderá garantir o salário ou a esmola, se o Brasil está controlado pelas finanças apátridas, por organizações internacionais com força para impor suas decisões aos dirigentes brasileiros? Como, se as empresas estrangeiras estão dominando os setores estratégicos brasileiros?
O jornal Poder 360, em 29/12/2022, matéria de Douglas Rodrigues e Paulo Silva Pinto, faz resumo do que acontece com o Brasil desde a década de 1990, ou seja, quando as finanças assumem o controle das decisões no Brasil. Com dados de novembro de 2022, ficamos informados que o capital estrangeiro domina 54,50% do movimento da Bolsa de Valores Brasileira. Nas áreas da infraestrutura, as telecomunicações estão dominadas por empresas estrangeiras. Cabe um esclarecimento, no sistema econômico atual, o fato de o capital ser de tal ou qual país não é relevante. Todo capital financeiro transita pelos 85 paraísos fiscais e ora estão majoritariamente sob controle dos fundos europeus ora estadunidenses, ora britânicos, ora alemães, suíços, holandeses, de modo que se a Tim é italiana neste mês, sem que haja qualquer alteração que não seja da compra de cotas, amanhã pode ser belga. Ou o caro leitor imagina que Espanha e Portugal concorram com capitais do Reino Unido? Os aeroportos brasileiros não são brasileiros, mas administrados por empresas espanholas, francesas, alemães, suíças e, mesmo, argentinas, que,certamente, pertencem a capitais do hemisfério norte. O fundamental saneamento básico, basilar para construção da cidadania (habitação), tem administração de Cingapura, Canadá e está na mira dos governantes eleitos em 2022.
E o que dizer de bens irrenováveis, como a energia fóssil e os minérios? Quem é dono das reservas de óleo e gás do Brasil, que custou a vida do Estadista Getúlio Vargas? O Reino Unido, a Noruega, a China, a França, os EUA e até os Emirados Árabes Unidos iniciaram suas compras com a primeira refinaria construída no Brasil, a Refinaria Landulfo Alves, Mataripe, na Bahia. E é até cômico que o Banco Mundial, porta voz das finanças apátridas, nos considere um “mercado muito fechado” (sic).
Dois são pilares da construção da cidadania, embora a habitação e o transporte sejam indispensáveis: a saúde e a educação. A saúde não significa eliminar filas em hospitais, mas garantir a saúde, evitar a ida ao hospital com a atenção constante, as vacinações, o acompanhamento das crianças, adultos e idosos. Ou seja, é um ônus que cabe ao Estado e o Brasil tem o melhor sistema do mundo: o Sistema Único de Saúde (SUS), permanentemente combatido pelos planos de saúde estrangeiros, pelas comunicações privadas, que dependem de anúncios e outros recursos, ou seja, precisam ser analisadas, interpretadas, entendidas pela população instruída, pela educação crítica, pelo verdadeiro conhecimento. Mas qual educação nos apresenta o Partido dos Trabalhadores (PT)?
A educação privada com financiamento dos donos do Brasil, as finanças apátridas, bancos e financeiras cujo controle está no estrangeiro.
Há necessidade de compreender o sistema que denominamos Estado Nacional. É óbvio que as finanças procuram desmembrá-lo, simular que são partes independentes, que o poder não é único, mas fracionado, que se pode cuidar de gênero, cor e raça como partes distintas, como se a saúde, a educação, o trabalho, a higiene fossem diferentes para cada um, diferente conforme a condição humana, cada região brasileira devesse ser tratada dentro de sua especificidade. Uma questão é respeitar as culturas, até mesmo para facilitar a comunicação e a compreensão, outra é garantir as condições de vida. O “Estado Democrático de Direito” inexiste na desigualdade das condições materiais e intelectuais de vida.
No 3º Encontro de Pesquisadores dos Programas de Pós-Graduação em Artes do Estado do Rio de Janeiro, ocorrido em 2015, o professor Carlos Bernardo Vainer (UFRJ) apresentou o trabalho “A experiência da cidade: entre o projeto e o imprevisível”. Em bem fundamentada dissertação, Vainer mostra a desejável existência de conflitos. Faz lembrar a antropologia nietzschiana de ser necessário “o caos interior, para dar luz a estrela cintilante”, diferente da ingenuidade rousseauniana, do homem naturalmente bom.
O conflito não constituí antagonismo pela disputa e conquista do poder, mas a natural diferença entre os seres animados que se harmonizam num estágio de sinteses. Falou o professor, no Encontro: “bem vindos os conflitos, que se multipliquem e generalizem. E somente assim será possível constituir, construir, sonhar e viabilizar políticas transformadoras”.
Uma consideração necessária, para concluir.
Foi divulgado que no Governo Lula haveria a constituição de escolas de tempo integral. São bem vindas, mas não constituem o bastante. Se houvesse real empenho em dar a condição básica de transformação da sociedade, colocá-la em patamar de promotora de saber crítico, de combater a pedagogia colonial, os membros do governo não exitariam em se referir ao que houve de melhor no ensino nacional: os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), magnífico e sabotado projeto e realização de Leonel Brizola-Darcy Ribeiro, no Rio de Janeiro. Por que sabotado? Porque tiraria o brasileiro da maior ignorância, que é a de si próprio; não se saber um povo rico pela miscigenação, como fora Roma, o maior império pré-capitalista do Ocidente, de viver em país onde abundam recursos naturais, de ter patrimônio desejado por todos, a Amazônia, ocupando mais da metade do Brasil. E a consciência de ser este povo, e neste território, não nos permitiria ir aos EUA para sermos humilhado por um império em decadência.
(1) alusão ao filme de 1939, de Frank Capra, diretor ítalo-estadunidense, que recebeu 11 indicações para o Oscar por “Mr. Smith goes to Washington”.
Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, foi membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra (ESG), professor universitário, é atual Presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás – AEPET.