A saída de Lula da prisão e sua eleição para Presidente do Brasil são eventos muito recentes para que possamos colocá-los, criticamente, na nossa História.
Porém, como analista do cotidiano, peço a complacência dos leitores, como se fosse licença poética, para apresentar um entendimento dos acontecimentos da sociedade, especialmente a brasileira, que sempre constituiu nossa maior preocupação.
O poder no mundo ocidental, assim entendido o euro estadunidense e suas colônias, onde está o Brasil, desde 1980 é o dos capitais financeiros. Estes capitais puderam com as desregulações agregar os capitais marginais (das drogas e toda sorte de ilícitos e crimes, onde estão o tráfico de pessoas, chantagens, corrupções e assassinatos).
Esta soma de capitais assumiu a designação, no século XXI, de “gestores de ativos”, ou seja, há o grupo de poderosíssimos senhores que mandam, e estes são seus privilegiados agentes. Algo parecido com o senhor e os feitores, na escravidão; ou o coronel e o os capangas, nas sociedades mais contemporâneas.
Que arranjo se deu na governança nacional com a eleição do indiscutível líder Luís Inácio Lula da Silva?
Que todos estão submissos à ordem financeira apátrida, dir-se-ia que é preliminar necessária e insofismável. Porém, também indiscutível, são os interesses não convergentes, ou melhor, não necessariamente convergentes, destes capitais financeiros.
Busquemos na história, mestra da vida, as comprovações. O poder fundiário surge com as Magnas Cartas na Inglaterra (de 1215 ao século XV) e se espalham pelas aristocracias europeias, é um poder que tem origem na propriedade da terra e dos rendimentos nela produzidos, que se alterou na separação do fundiário quando do surgimento do monetário, pelas criações dos bancos centrais, a partir do século XVII. Mas ganham outra expressão com os capitais fora do sistema financeiro, os capitais dos empreendimentos produtivos, consequência das grandes revoluções do século XVIII: a industrial e a francesa.
Atente o prezado leitor para as datas: Revolução Industrial – 1760; Constituição dos Estados Unidos da América (EUA) – 1787; Revolução Francesa – 1789; início das independências nas América Central e do Sul (Haiti, Paraguai, Argentina, Chile, Venezuela, Colômbia, México, Equador) até a do Brasil (1822) – 1809.
Foram pouco mais de meio século de profundas modificações civilizatórias que prosseguirão até 1980, quando as finanças recuperam o poder que tiveram até o século XX, editando o decálogo – Consenso de Washington (1989) – para rever, na prática eleitoral, em congressos e plebiscitos, quando não por golpes, todas as constituições. As 140 mudanças na Constituição de 1988 não foram todas para colocá-la adequada aos interesses financeiros, pois algumas decorrem de acordos internacionais de outras naturezas e de políticas internas e regionais, mas sem dúvida consistem na imensa maioria.
Composição do poder neste 3º Governo Lula
A tripartição harmônica dos poderes é destas farsas para enganar as pessoas sobre quem governa o País. Até por ser uma característica do próprio poder, a governança do País, da empresa, dos negócios, da família é ele (o efetivo poder) quem decide como exercerá.
De tal modo o neoliberalismo conseguiu desestruturar o Poder do Estado Nacional, que cada um dos “poderes” constitucionais busca, no Brasil de hoje, seu protagonismo.
O judiciário alia sua capacidade de decisão à inclusão da elaboração de novos referenciais, fora dos instrumentos constitucionalmente estabelecidos, para decidir. E avança estas decisões para a execução de processos de rotinas governamentais.
O legislativo briga em duas dimensões. Procurando cercear a invasão judiciária na elaboração das leis – o principal elemento da decisão – e na criação de um sistema parlamentarista, mesmo que não submetido à revisão constitucional, mas, na prática, nomeando os membros do executivo e fazendo de leis e derrubada de vetos, a governança brasileira.
O executivo só faz discursos, primeiro procurando ganhar maioria do próprio Partido dos Trabalhadores (PT) e, secundariamente, para obter a pressão popular que possa ser conseguida pela liderança do Presidente Lula.
Qualquer tentativa de reforma do Estado Nacional, indispensável para corrigir os males provocados pelo neoliberalismo, encontrará a comunicação hegemônica da imprensa impressa, da televisiva e, também, da radiofônica e quase integral dos controladores das redes sociais virtuais, em feroz e permanente oposição.
Ainda repercute no imaginário brasileiro a ditadura militar com a visão dos vencidos e daqueles eliminados. Não se reconhece a imensa diferença de um Chile e Argentina já subordinados aos interesses coloniais estadunidenses, sendo, aquele país voltado para o Pacífico, o primeiro laboratório das medidas neoliberais. Também o Uruguai e o Paraguai que não saíam da sujeição de interesses alienígenas.
Por outro lado, a breve e rica revolução peruana do general Juan Velasco Alvarado (1968) era vista como mais um golpe militar, como se denominou “Junta Militar de 1963”, o governo de 1963-1966, que nacionalizou empresas e promoveu, em curto período, extraordinário desenvolvimento social e econômico no Equador.
A “democracia” que surge após duas décadas de governos militares nem era democracia e derrubava o nacionalismo, que alguns destes governos adotaram para seus projetos de poder.
Petrobrás no jogo das pressões
O conhecimento da Petrobrás é muito pequeno na sociedade brasileira. Isso não começou agora, no período neoliberal. Os capitais estrangeiros jamais deixaram que os brasileiros se informassem dessa empresa que respondeu pelo maior avanço social, econômico e tecnológico do Brasil.
“No domingo, 1º de agosto de 1954, praticamente nenhum dos grandes jornais do país dá a notícia, mas a Petrobrás, a empresa criada no ano anterior pela lei que instituíra o monopólio estatal do petróleo, assume o controle efetivo de todas as reservas de petróleo em território brasileiro, de todos os campos em pesquisa e exploração, de todos os navios transportadores, de todas as unidades de processamento e armazenamento de óleo bruto e derivados e de todas as outras instalações industriais de propriedade do governo federal ligadas à atividade petrolífera” (José Augusto Ribeiro, “A História da Petrobrás”, AEPET, 2023).
“Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente” (Getúlio Vargas, “Carta Testamento”, 24 de agosto de 1954).
Nestes 70 anos, a Petrobrás conheceu grandes presidentes, como o General Ernesto Geisel, e verdadeiros assassinos da reputação internacional da empresa, multipremiada pelo seu trabalho, como o senhor Pedro Parente, criador do Preço de Paridade de Importação (PPI) e responsável, como Ministro, pelos apagões de FHC.
Na Petrobrás de hoje há o conflito de três poderes que podem ser identificados pelos pronunciamentos e propostas de seus agentes para os setores industriais e da energia.
O poder das empresas que atuam na falácia da transição energética que propõem o retrocesso para o Sol e o vento, pré-industriais (1760). As empresas e países que estão trabalhando na verdadeira transição energética pesquisam a fusão nuclear. O representante deste grupo é o próprio presidente da Petrobrás, o advogado carioca Jean Paul Terra Prates.
Outro poder está nas empresas que exportam o petróleo brasileiro. Com a descoberta dos reservatórios do pré-sal, a Petrobrás não só conquistou a autossuficiência desta valiosa fonte primária de energia e insumo industrial, como em condições de produção de baixíssimo custo, pela produtividade dos reservatórios.
Fazer do Brasil um grande exportador interessa muito às empresas de petróleo estadunidenses e do Reino Unido e Holanda, que já não podem contar a garantia das reservas dos países árabes do Oriente Médio e norte da África. E, ainda mais, com o custo de produção do pré-sal. Quem, aparentemente, defende este interesse é o Ministro de Minas e Energia, o advogado mineiro Alexandre Silveira.
E existe também um terceiro grupo identificável, de empresários paulistas, verbalizando seus interesses industriais ou dos parceiros estrangeiros neste petróleo, mais como insumo industrial, por exemplo, produção de fertilizantes, do que como produtor de energia. A nosso ver, o próprio Vice-presidente e Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, o médico paulista Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho faz a defesa deste setor.
E o presidente Lula?
Fica se equilibrando entre estas disputas e não faz o que seria necessário para o Brasil: abrir a auditoria das alienações do patrimônio brasileiro, feita nos governos anteriores, e promover o cancelamento destas lesivas transferências para o controle estrangeiro.
A Petrobrás e o País sob o poder neoliberal são naus sem rumo!
*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.
Publicado originalmente em 26/11/2023 em Pátria Latina