O episódio lamentável para a cidadania brasileira ocorrido no domingo, oito de janeiro, uma semana após a festa da posse de Lula, pela terceira vez eleito presidente do Brasil, exige análise mais consistente do que o óbvio conluio de pessoas situadas nos poderes públicos e a corja baderneira conduzida com fanatismo bolsonarista.
Episódio histórico que nos vem à mente é a malfadada Noite dos Cristais, que correu por cidades da Alemanha e da Áustria, em novembro de 1938, impulsionando o nazismo.
Examinemos os antecedentes e iremos encontrar, como em muitas outras desditas do mundo moderno, as finanças. Ao tratar das finanças, foco um poder, dentro da economia. Esta poderia ser separada na produtiva e na estéril, a primeira produzindo bens, ensejando serviços, e a segunda especulando com valores, manipulando taxas de juros e de câmbio. Numa existem empreendedores, inovadores, na outra rentistas e, na melhor hipótese, fraudadores de tributos.
O mundo contemporâneo foi tomado pelas finanças estéreis, apátridas, num processo construído ao longo do século XX, que culminou nas desregulações ocorridas no Reino Unido e nos Estados Unidos da América (EUA), durante a década de 1980. Este processo, corruptor e corrupto, como é arma dos capitais apátridas, residente em paraísos fiscais, se apossa do poder que pretende seja unipolar, após o desmembramento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
A partir da última década do século XX e até hoje, início da terceira do século XXI, as finanças apátridas, com subornos, chantagens, corrupções, vêm dominando o mundo ocidental, com crises e guerras, que levam à permanente concentração de renda e bens, ao desemprego, à fome, à miséria e às doenças, com vírus produzidos em laboratório, como desde meados do século passado pesquisam e testam na África e países menos ou pouco desenvolvidos socialmente.
Para entender este entorno do poder neoliberal, que aqui deu sua demonstração, que todos viram na gravação da reunião ministerial de Bolsonaro, onde Paulo Guedes, o verdadeiro presidente, ofende os militares presentes, inclusive o candidato a vice, derrotado na última eleição presidencial, que, sem poder revidar, fazem “cara de paisagem”. Lamentável episódio para as Forças Armadas brasileiras.
UM POUCO DA HISTÓRIA
A significativa derrota das finanças no início do século XX, quando eram majoritariamente inglesas, se dá com a I Grande Guerra, ou Guerra Civil Europeia. Mas se espalha pelo mundo e vai atingir o industrializado EUA, com a crise de 1929. Ela parte da falácia da ação humana desvinculada da sociedade, como se qualquer ato econômico fosse isolado, numa ilha, sem pressões para tipos de insumos, produtos, qualidades e preços, suportáveis num grupamento de pessoas, ou seja, numa sociedade.
Estas construções ideológicas foram se expandindo em seitas religiosas, especialmente as neopentecostais, em estruturas de organização, subordinando ao lucro as demais avaliações sobre resultados corporativos, na psicologia do que seria o normal e um novo normal, vejam-se as manifestações culturais no ocidente na década de 1960, e até no direito, reformando normas de conduta social e, inversamente ao propugnado, congelando normas de organização.
Ao conquistar o poder, as finanças haviam gasto bastante, construindo realidades, influenciando mídias, alterando currículos de ensino, criando expectativas inalcançáveis, corrompendo por toda parte; precisavam se ressarcir. Isto leva às nove crises para transferir de tesouros estatais, de órgãos públicos e privados recursos financeiros para a “banca”: 1987 (EUA), 1990 (Japão), 1992 (Europa), 1994 (México), 1997 (Sudeste asiático), 1998 (Rússia), 1999 (Brasil), 2000 (EUA) e 2001 (Argentina).
Para captar recursos emitem papéis sem lastros, que passam a compor falsos ativos no qual as pessoas, ingenuamente, imaginam estar fazendo poupanças pessoais. Encontram nesta área os “peritos em investimentos”, os “analistas em aplicações”, que se multiplicam fora das possibilidades de tempo para estudar e ganhar experiência, por aparecerem em programas de televisão, em colunas de jornais, em entrevistas radiofônicas e, atenção para a importância crescente, nas mídias virtuais.
São estas novas formas de comunicação, com muito menor rigor que as tradicionais audiovisuais, que passaram a influenciar no século XXI.
A crise de 2008-2010 já é a crise informatizada, envolve não só os EUA, seu ponto de partida, mas a Europa e boa parte do mundo ocidentalizado. Se pedir a demonstração das perdas, dificilmente se encontrarão duas respostas iguais. Porém uma consequência é indubitável: a massa de papéis sem lastros multiplicou-se tantas vezes que hoje se discute o tamanho do rombo financeiro mundial em centenas de trilhões de dólares estadunidenses (USD), havendo mesmo think tank (laboratório de análise e de ideias), como o Instituto Schiller com especialistas em 50 países, que chega ao quatrilhão de USD.
A luta, que se trava desesperada, é dos capitais apátridas que precisam dominar países ricos ou com riquezas reais, não virtuais, como é o caso do Brasil: reservas de centenas de bilhões de barris equivalentes de petróleo, minerais indispensáveis para os equipamentos de comunicação, transporte, saúde, como o nióbio, o lítio, o cobalto, o níquel e o sempre necessário ferro, para os diversos tipos de aço, e a capacidade de produção agrícola por terras e águas disponíveis o ano inteiro. Sem este domínio, os papéis sem lastros só geram grandes crises e crescentes perdas.
CONQUISTA DO BRASIL E NOVA NOITE DOS CRISTAIS
A educação e a comunicação foram deixadas de lado na colonização brasileira. Como todos devem lembrar, o Brasil, como unidade governamental, tem início com a chegada de Tomé de Souza, em 29 de março de 1549, a Salvador (Bahia). Até então era um conjunto de terras, habitadas pelas populações originárias, entregues a nobres e ricos portugueses. O fracasso da colonização privada levou o reino português a constituir o governo-geral. Mas quais as funções deste governo-geral? A proteção da colônia, pelo capitão-mor da costa, a segurança pública, pelo ouvidor-mor, e a garantia das finanças para o reino, pelo provedor-mor. Nenhuma função para desenvolver a colônia, para educar seus habitantes, para promover a comunicação em tão extenso território. E assim permaneceu o Brasil até 1891, quando a primeira constituição republicana no artigo 72 § 6º estabelece que “será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos”, menos enfático e completo do que a constituição do Estado do Rio Grande do Sul, de 1891, “castilhista”: “será leigo, livre e gratuito o ensino primário ministrado nos estabelecimentos do Estado” (art.71§10).
Porém nenhuma atitude objetiva foi tomada. Educação e comunicação continuaram privadas e religiosas até novembro de 1930, quando Getúlio Vargas, 11 dias após ser designado Presidente do Governo Provisório cria o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública (14 de novembro de 1930) e a verdadeira Lei Áurea, o Ministério do Trabalho, Indústria e do Comércio (26 de novembro de 1930). Surge o Novo Brasil, a Era Vargas que permanece até a tomada do poder pelas finanças, com a denominada “redemocratização”, promovendo a alienação dos bens públicos para ressarcir as despesas da “banca”.
Durante todo este período, houve duas conflitantes ações desenvolvimentistas: a conduzida por interesses populares, representada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), criado por Getúlio Vargas, e partidos nacionalistas de esquerda, e a conduzida pela elite econômica nacional, representada pela União Democrática Nacional (UDN), o Partido Social Democrático (PSD) e outras agremiações de menor representatividade. Mas corria paralela, muitas vezes abrigada na UDN, forças alienígenas, interesses estrangeiros, que exerciam forte pressão pelas mídias e pela pedagogia colonial, buscando menosprezar as conquistas nacionais e os feitos brasileiros. Vê-se claramente nas histórias do Brasil que foram sendo elaboradas desde o início da república até o fim dos governos militares.
Com o domínio das finanças se acaba, se finda este Brasil que busca ser desenvolvido. Os partidos, com pouquíssimas exceções, são apenas siglas para troca de favores e para se apropriar das coisas públicas, mesmo utilizando siglas que lutaram pelo País e pelo povo, como o PTB.
O neoliberalismo, como ideologia, foi a mais nefasta importação que este País fez ao longo de sua história. E trouxe toda sorte de falácias, mentiras, engodos, subversões de expressões vernaculares, que gerou na coluna Fatos & Comentários, do jornal Monitor Mercantil, o tópico “Desvendando o Embromês”. Apenas um exemplo: “responsabilidade fiscal” não significa controle das despesas públicas mas reservar a maior parte do orçamento público para pagamento de juros e amortização de dívidas jamais auditadas, com toda certeza indevidas.
O Brasil e suas empresas públicas foram despedaçados, fatiados, entregues por valores reles, para gerar ativos e rendas que suprissem os papéis sem lastro emitidos pelos “gestores de ativos”, o nome que a “banca” passou a se autorreferir.
Neste mundo do faz-de-conta, a política passou a se guiar pelas mídias virtuais. Afinal nada mais era real, como os títulos que os inocentes poupadores compravam nos bancos e financeiras, apenas aguardando a próxima crise para perderem todo ou a maior parte do valor.
Podem então surgir políticos cujos discursos nada tinham de compromisso com os eleitores, apenas a capacidade de reuni-los em manifestações e eleições. As finanças aproveitaram para ganhar todas, nos poderes eletivos: executivo e legislativo, e por designação: judiciário e ministério público.
Quanto menos escrúpulo, mais êxito, quanto mais promessas vãs, mais adeptos. Surge então um militar que, por falta de disciplina, comportamento inadequado, fora expulso do Exército e passara a se dedicar a cargos eletivos: Jair Bolsonaro. Usa o título que não teve na ativa, um capitão de pijamas.
E congrega a direita pouco exigente em coerência e saber, porém muito ávida em gorjetas. Basta pagar o lanche com refresco para unir multidão de desocupados, marginais com diversos coturnos e estilos.
Tal qual a “Noite dos Cristais”, uma senha sem sentido para quem a examinasse com mínimo de atenção e inteligência, congrega a marginalidade: “vem aí o comunismo”, “vamos salvar a família e a religião”, “não seremos a Venezuela”, e sandices semelhantes. Mas o que é o comunismo? qual comunismo, dos primitivos cristãos? que família e que religião? a família negra umbandista? ou a neopentecostal com duas ou três mulheres? a Venezuela onde não há morador de ruas e o metrô de Caracas é grátis?
Vê-se que são senhas para imbecis, como a condenação dos judeus por serem judeus.
Mas os verdadeiros responsáveis fugiram, já se denomina, jocosamente, que se 9 de janeiro de 1822 foi o “Dia do Fico”, 30 de dezembro de 2022 é o “Dia do Fujo”!
Sem dúvida que a fome, a miséria, o desemprego são mazelas que exigem imediata solução, mas se o Governo Lula descuidar das bases formadoras do Estado Nacional: o total e absoluto controle da energia, dos bens finitos, como os minerais aqui citados, o desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação com controle estatal, e a educação em tempo integral dos três aos dezoito anos, e usar a informática para permanente comunicação com o povo e do povo com o Governo, este será mais um governo de frustação, de fácil dominação pelas finanças apátridas, levando a outros Collors, Temers, Bolsonaros, conduzidos por ministros empregados do sistema financeiro internacional ao poder. E o povo, cada vez mais descrente constituirá, como já vem fazendo, uma sociedade paralela. O fim de um sonho do Brasil país do futuro, da Pátria Grande, da Nova Roma do genial Darcy Ribeiro.
*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, atual presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás – AEPET.