Vejo, pela cidade, cenas que minha retina já registrou no passado. A população de mendigos, que tinha crescido nos anos 90 do século passado e declinado nos anos 2000, voltou a crescer. Pelo menos por onde eu ando, vejo fila de mendigos nas calçadas com seus pedidos de esmola angustiantes, dizendo que têm fome, algo de cortar o coração.
Como, em toda sociedade, existem aqueles que pensam conservadoramente, um amigo, para o qual eu contei este fato, retrucou: “quanto melhor a representação, maior a chance de se receber a esmola e, ainda, de maior valor”. Supondo verdadeira esta afirmação, de qualquer forma, ainda resta a dúvida: “Por que ele passou a aceitar esta humilhação para obter algum trocado, uma vez que ela não era uma prática em passado recente?” Acho que realmente as barrigas devem estar reclamando mais.
As ruas estão mais sujas, os mendigos estão sempre com suas trouxas em carrinhos de compras velhos, cheios de folhas de papelão, que servem para isolá-los do frio das calçadas. A parcela de mendigos com comportamento desequilibrado aumentou também, o que é compreensível porque a miséria vem junto com a fome, a humilhação, o desespero, a depressão, enfim, ela traz o desequilíbrio mental.
Os mendigos se aglomeram nas portas das igrejas, pois descobriram que seus frequentadores, em geral, acreditam que suas almas irão para o céu, se forem generosos. Portanto, a porta da igreja é o local exato onde eles dão esmolas, pensando em aliviar suas culpas e garantir o reino do céu.
Sobre mendigos nas portas das igrejas, lembro a história do jovem casal, filhos de dois caciques da política fluminense, que iam casar e escolheram uma das três igrejas coladas, existentes na Rua Primeiro de Março no Centro do Rio. Como os mendigos poderiam constranger os convidados e tornar feias as fotos, atendendo ao pedido de um dos pais, uma fundação estadual que abriga desamparados os coletou de forma nada gentil antes da cerimônia.
No entanto, eles deixaram o seu fedor, o que quase enfartou a responsável pela cerimônia. Desodorizantes de ambientes foram comprados às pressas e o ar da entrada da igreja foi pulverizado para tirar o “cheiro da miséria”. Assim, sugiro o número médio de mendigos na porta de igrejas como um componente da avaliação do IDH de um país.
O Brasil de Temer parece, cada vez mais, com o Brasil de FHC. Malditos os economistas e os políticos neoliberais que são os planejadores e executores das catástrofes sociais. São competentes ao assassinar os mais carentes, por inanição ou falta de atendimento médico, e em arruinar uma nação. Competentes ao transferir renda e riqueza da grande massa para a oligarquia dominante e grupos no exterior.
Entre o parágrafo anterior e este, passaram-se duas semanas, tempo em que este artigo dormitou no computador e eu mudei de opinião. Pensei melhor: o governo Temer é muito pior do que o de FHC, tanto que o título do artigo, que seria “Déjà vu”, foi transformado no atual. Conscientizei-me de que Temer está ultrapassando pontos onde FHC teve escrúpulos em avançar.
Por medo do fracasso na aprovação de medidas socialmente incorretas ou por ainda ter algum constrangimento ético, FHC não propôs as agressões sociais, defendidas hoje sem o mínimo de pudor por Temer. Este deve ter como lema a frase de um seu provável ídolo, Jarbas Passarinho: “às favas com todos os escrúpulos de consciência”.
Hoje, temos a barbárie introduzida nas nossas convivências políticas e sociais, ou seja, uma involução social humilhante para a espécie. O grupo promotor das mudanças lembra o assassino que mata o único que o defende, um defensor dos direitos humanos que o julga como irresponsável social, que deve ser guardado em prisão, mas que tem direito à vida. O pobre é o construtor do acúmulo de renda e riqueza do tal grupo, no entanto, ele encurta a vida deste pobre.
Não há nenhuma condescendência com os menos dotados e os incapazes. Trata-se da nova política de “Solidariedade zero”. Os subdotados têm que ser explorados porque é o que lhes cabe, se quiserem sobreviver. Assim, eles são culpados das suas condições. Tantos humanistas dedicaram suas vidas para obterem algumas conquistas sociais e elas são perdidas em um dia de votação do Congresso, cujos membros em sua maioria são seres mal formados, indignos de representar o povo.
Mas estes não são os únicos malditos. Tão ou mais malditos são muitos dos proprietários da grande mídia nacional. Se, para uma sociedade, as diversas questões fossem bem explicadas, ela nunca adotaria posições contra si própria.
Então, a mídia tradicional conta para o povo versões mentirosas sobre os acontecimentos. A espoliação nunca é, obviamente, contada, pois esta mídia é ferramenta dos dominadores. Economistas não liberais, sindicalistas e lideranças de esquerda não têm suas posições transmitidas na mídia tradicional.
Contudo, os executores do mal para o povo não se concentram no Executivo, no Legislativo e na mídia. Existem os malditos dentre os interpretadores das leis e julgadores dos membros da sociedade acusados de desvios. Tais malditos pactuariam com a oligarquia contra o povo. Existem até os da falsa oposição, que aparentam não ser malditos, mas só até chegarem ao poder.
O recebimento dos salários do Judiciário e do Legislativo, em um país de maioria pobre e miserável, em uma interpretação ampla do conceito de Justiça, se constitui em ato imoral. O cúmulo ocorre com os salários de juízes, quando flagrados em ato de corrupção, pois há a tradição de serem “condenados” a uma aposentadoria antecipada com o salário integral!
É um momento triste da história da sociedade brasileira. Desde os primeiros anos da exploração humana no Brasil, que inclui a dos nativos, dos africanos trazidos à força para cá e dos portugueses sem fidalguia, tem-se observado ciclos em que ora o humanismo consegue suplantar a barbárie, ora os donos do capital e do poder são os que impõem os seus interesses.
Hoje, por exemplo, tenta-se impor a precarização das condições do trabalho, além de muitas outras perdas sociais. Em uma sociedade de castas de fato, como a nossa, a existência delas já é um obstáculo para a conquista de melhorias no bem-estar social, que repercutiriam até na civilidade. Vive-se um momento de negação dos valores éticos rudimentares.
Por exemplo, bandidos pés-de-chinelo pensam: “Roubam todos em todos os lugares e a toda hora, por que não posso roubar também?” Arrisco dizer que o banditismo aumenta em fase de grande desordem social, porque o neoliberalismo exacerbado atual é o banditismo colocado em lei, ou seja, o banditismo legal. Enfim, o exemplo vindo de cima.
Medidas variadas têm sido tomadas pelo capital internacional em diversos países, principalmente naqueles não soberanos. Até background teórico foi criado para justificar o que na realidade é a exploração. São implantadas “modernizações” das relações internacionais, como o livre fluxo de mercadorias e do próprio capital, e “flexibilizações” de medidas de proteção das sociedades. O interessante é que a “modernização” do livre fluxo de seres humanos no planeta não é relevante. Por isso, muitos deles se afogam no Mediterrâneo.
Finalmente, nada aconteceria sem a atuação deletéria dela, a mãe de todos nossos males. Na arquitetura da dominação de países e suas sociedades, a principal ferramenta é a mídia, autora de versões fictícias dos eventos, deturpadora da lógica causal e hipnotizadora das sociedades. Os membros destas se transformam em alienados que votam contra seus próprios interesses e apregoam os mesmos argumentos que ela, tentáculo do capital, lhes dita. São os escravos inconscientes da mídia, de triste condição. Neste quadro, é muito difícil formar uma nação.
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