Artigo

O Brasil em Primeiro Lugar

Data da publicação: 28/01/2021

 

Dirigir um caminhão de carga pelas estradas brasileiras não é uma tarefa fácil. Exige habilidades específicas, dedicação exclusiva, desprendimento pessoal e muita coragem. Ser caminhoneiro significa estar disposto a conviver com longos afastamentos da família, a enfrentar o risco de acidentes provocados pela má conservação das vias e a se expor aos assaltos e roubos de carga que ocorrem, diariamente, no País. É uma vida dura, solitária e sofrida.

Justamente pelas longas jornadas de trabalho, a escolaridade dos caminhoneiros tende a permanecer baixa. Com base em dados da PNAD-IBGE, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) aponta que os níveis de escolaridade e de renda desses profissionais não evoluíram, mesmo após a promulgação da Lei dos Caminhoneiros (Lei nº 13.103, de 02/03/2015), que estabeleceu regras para o exercício da profissão. Segundo a pesquisa, apenas 60% dos caminhoneiros completou o ensino fundamental e, destes, somente a metade concluíu, também, o ensino médio completo. Essa deficiência de formação, no entanto, não impediu que a categoria desse, em maio de 2018, uma exemplar aula de economia, política e gestão às autoridades de Brasília e aos gestores da Petrobras. Ao exigir e obter a redução do preço do óleo diesel, os caminhoneiros colocaram em cheque, diante de toda a Nação, a política de preços dos combustíveis praticada pela Petrobras.

Após a descoberta do Pré-Sal, a Petrobras investiu pesadamente na produção de óleo e gás natural e na modernização do seu parque de refino. No ano de 2010, foram investidos US$45 bilhóes e a empresa aprovou a aplicação de recursos semelhantes nos anos seguintes, até 2014. Os resultados desse esforço foram recompensados pela altíssima produtividade dos poços do Pré-Sal e, no parque de refino, pela instalação de unidades modernas, atualizadas tecnologicamente, complexas e flexíveis, comparáveis, em seu conjunto, ao que há de melhor em todo o mundo. Produzindo petróleo a baixo custo e dotada de um parque de refino moderno e eficiente, a Petrobras adquiriu condições para fornecer ao consumidor brasileiro combustíveis a preços muito inferiores aos do mercado internacional.

A partir de 2016, entretanto, o governo obrigou a Petrobras a praticar uma política de alinhamento dos preços internos dos combustíveis com o câmbio e com os preços internacionais. Essa política de paridade internacional faz com que os consumidores brasileiros paguem muito mais caro pelos combustíveis produzidos no País, em especial a gasolina, o diesel e o gás de cozinha. Preços internos mais altos favorecem a importação de produtos já refinados, com maior valor agregado, e elevam o nível de exportação do petróleo produzido no Brasil . O “trade-off” dessa operação é prejudicial ao País, pois, aumenta o gasto com divisas e afeta, negativamente, o saldo da nossa balança comercial.

Prejudica, também, a Petrobras, uma vez que a importação de volumes crescentes de derivados resulta em perda de “market-share”, ociosidade do parque de refino e redução dos resultados da companhia.
A política de paridade internacional atende unicamente aos interesses do ente abstrato que costumamos chamar de Mercado. Internacionalizado e apátrida, o Mercado se preocupa unicamente com lucros e prejuízos e não tem qualquer compromisso com o nosso desenvolvimento. Elevar os preços internos dos combustíveis agrada o Mercado porque viabiliza a importação de derivados por outros agentes, a maioria estrangeiros, reduz a participação da Petrobras no abastecimento nacional, estimula a venda de ativos de refino e de logística da estatal e abre oportunidades para que outras empresas, também estrangeiras, atuem no setor de óleo e gás brasileiro. Como os principais grupos empresariais nacionais foram impedidos de transacionar com a Petrobras, a partir dos processos movidos pela operação Lava Jato, o resultado final dessa política será a desnacionalização da indústria de petróleo brasileira. Processo análogo já ocorre no setor elétrico, onde, nos últimos quatro anos, 95% do capital comprador de ativos foi de origem estrangeira.

A mobilização dos caminhoneiros em maio de 2018 paralisou o País. A principal reivindicação da categoria atingiu o coraçãp da política de preços praticada oela Petrobras, que resultava em preços cada vez nais elevados e imprevisíveis do óleo diesel. O governo Temer não resistiu à paralisação do sistema de transporte rodoviário nacional e terminou por assinar um acordo com as associações de caminhoneiros, determinando, entre outras providências, que a Petrobras reduzisse o preço do diesel em 10% e o mantivesse congelado por trinta dias.

Esse acordo suspendeu a política de paridade de preços e desarticulou o negócio de importação de combustíveis. A consequente recuperação do “market-share” de diesel (15%) e gasolina (6%), em face da redução da importação de derivados por terceiros, aumentou o lucro da Petrobras no 2º trimestre de 2018, demonstrando ser possível obter melhores resultados com preços mais baixos.

Encerrada a greve, no entanto, o governo, em pouco tempo, retomou a política de paridade internacional, abandonando, na prática, as promessas feitas à categoria. As negociações, desde então, não prosperaram. Insatisfeitas, as lideranças dos caminhoneiros sinalizaram, recentemente, uma nova paralisação, prevista para o início do próximo mês de fevereiro. A principal reivindicação continua relacionada à política de preços da Petrobras, pois, as despesas com o diesel significam de 50 a 60% do valor da viagem. O presidente da Associação Nacional do Transporte Autônomo do Brasil (ANTB), José Roberto Stringasci, afirmou que “A Petrobras não foi criada para gerar riqueza para meia dúzia, a Petrobras é nossa e tem que ajudar o povo brasileiro e o Brasil. Queremos preços nacionais para os combustíveis, com reajuste a cada seis meses ou um ano”.

O patriotismo verdadeiro traz sempre a verdade à tona. Deflagrada uma nova greve, inércia e má gestão terão um confronto com 2 milhões de caminhoneiros, numa parada que pode significar a busca do “Brasil Primeiro!”

Fontes: PNAD/IBGE e ESALQ/USP
Em janeiro de 2021

*Eugenio Miguel Mancini Scheleder é engenheiro e trabalhou na Petrobras. Também ocupou cargos de direção nos ministérios de Minas e Energia e do Planejamento, de 1991 a 2005.

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