A recente eleição no Canadá derrotou, por grande maioria, um governo conservador e sua política econômica de austeridade fiscal, estilo Joaquim Levy, que já durava dez anos. O novo Primeiro Ministro, Justin Trudeau, venceu propondo três anos de orçamentos deficitários, não por amor à desordem financeira, mas para viabilizar investimentos públicos que promovam a aceleração do desenvolvimento e permitam a geração de empregos.
O Canadá não parece estar na situação da Grécia, colonizada e governada pela trinca FMI-Banco Central Europeu-Alemanha. A Grécia rejeitou em plebiscito mais uma temporada de sacrifícios inúteis mas foi obrigada a sujeitar-se a um empobrecimento ainda maior, no qual, como no Brasil da presente recessão, todos perdem, menos os bancos e os ricos, que lucram e ganham cada vez mais.
Ao tomar posse, Trudeau anunciou que o Canadá suspenderia imediatamente a participação de sua força aérea nos bombardeios realizados pelos Estados Unidos na Síria com o objetivo de combater os terroristas do Estado Islâmico, mas também para apressar a derrubada do governo de Bashar AL-Assad. E o noticiário registrava que Trudeau pretendia também taxar as grandes fortunas, na contramão da ortodoxia neoliberal que governou o Canadá nos últimos dez anos.
No mesmo momento em que nossa TV dava ao público brasileiro escasso conhecimento da virada canadense rumo ao desenvolvimento, o canal GloboNews transmitiu, no programa “Navegador”, voltado para a inovação tecnológica, mas aberto a outras inovações, um rápido debate, suscitado pelo antropólogo Hermano Viana, a respeito de uma nova moda intelectual europeia, a teoria do não crescimento econômico.
A moda é nova, mas a ideia é bem antiga e de tempos em tempos reaparece em novo cenário e com novo figurino. O básico da ideia é que as economias não podem crescer indefinidamente, até porque os recursos de nosso planeta são finitos e, além disso, fazemos tudo para dissipá-los e para destruir o meio ambiente que permite a existência da vida humana entre nós. O jeito, então, para evitar o suicídio coletivo da humanidade, seria deter o crescimento econômico de modo a permitir a poupança e a preservação desses recursos pelos próximos séculos ou milênios.
É uma ideia tentadora para quem vive no andar de cima de qualquer região do mundo, mesmo as mais miseráveis, e vem sempre acompanhada dos mesmos raciocínios. Por exemplo, não se pode imaginar um mundo em que todos tenham automóvel, afinal somos 7 bilhões de seres humanos em todo o planeta. Nesse debate surgiu outro raciocínio, que já assustava há mais de vinte anos, às vésperas da Rio 92, a conferência da ONU sobre ambiente e desenvolvimento.
Na época o governo da China, encarando a questão do ponto de vista da saúde e da alimentação públicas, anunciou que pretendia tornar acessível a todas as sua famílias o uso da geladeira. A população chinesa já andava pela casa do bilhão e tanta geladeira em funcionamento simultâneo envenenaria a atmosfera – não só a atmosfera dos chineses como a dos países ocidentais, onde todo mundo já tem geladeira há muito tempo. Não seria melhor, então, deixar sem geladeira essa distante gentinha amarela?
Felizmente alguém lembrou, no debate, que os países mais ricos podem deixar de crescer ou crescer menos, mas não os países mais pobres. O Canadá é um país rico. O Brasil é uma das dez maiores economias industriais do mundo (já foi a sétima, mas não para de cair). Nem o Brasil nem o Canadá, entretanto, podem deixar de crescer. Mal sabemos aqui o que acontece no Canadá, mas sabemos do que acontece no Brasil, condenado a decrescer 3% este ano e, tudo indica, outro tanto em 2016.
Uma alternativa, que não foi apontada no simpático e instigante debate da GloboNews, seria reduzir a desigualdade e a concentração de renda no mundo, que só aumentam com as políticas neoliberais. O livro já clássico do francês Thomas Piketty, O Capital no século XXI, tornou quase popular a noção do 90 por 1, de que a minoria mais rica de 1 por cento do mundo, possui mais que a maioria de 90 por cento dos seres humanos.
Quanto ao caso brasileiro, peço licença para citar o parágrafo conclusivo de meu livro Getúlio Vargas e as leis trabalhistas no Brasil: “Na década de 1930, a terceira do século 20, o primeiro governo de Getúlio Vargas deu início ao processo que levaria o Brasil, trinta anos depois, a 60% de participação dos salários na renda nacional. Na década atual, a segunda do século 21, estamos longe dos 60%: no início desta década, a participação dos salários era de 43% da renda nacional. Segundo o jornal Valor Econômico, o Brasil de hoje apresenta outro contaste perturbador e perigoso: os 10% mais pobres da população detêm apenas 1,1% da riqueza do país, enquanto os 10% mais ricos possuem 41,9%.