Artigo

O desenvolvimento brasileiro, questão antiga ou coisa de agora?

Data da publicação: 12/11/2015
Autor(es): Edson Monteiro

Introdução

Bem jovem, já me desagradava saber que desenvolvimento social e desenvolvimento econômico podem estar dissociados.

Lembro-me bem que um de meus professores de ginásio, ao saber desse meu gratuito desagrado, pediu-me uma explicação.

E eu, um adolescente em seus quinze anos, simplesmente respondi que “você pode ser rico sem ser solidário”, isto é, ter uma fortuna somente para si, nada contribuindo para a sociedade. Ele me pareceu ter compreendido a metáfora.

Na origem da consciência intelectual — penso que ela começa o seu enraizamento proximamamente dos dezesseis anos — eu já manifestava uma reação ao “status quo” do ambiente em que vivia. Uma comunidade próxima ao morro da Providência, na rua Ebroíno Uruguai, numa casa que dividíamos com um casal português, seu Alfredo e dona Natália, proprietários. Não éramos favelados, é verdade, mas tínhamos forte proximidade física com aquela que fora a primeira favela do Rio de Janeiro. Convivíamos com a vida difícil daqueles vizinhos do morro.

Eu preferi dizer consciência intelectual do que consciência política porque o intelecto é mais generalista, chega na frente e decorre menos das injunções de poder — política na essência — e bem mais do ambiente em que você vive e das influências de família e coleguinhas de colégio. Um exemplo de consciência intelectual, integrante nesse caso do mundo moral, foi o discernimento entre o bem e o mal, lições familiares sobre comportamento, recomendações sobre evitar relacionamento com certos colegas e pessoas, independentemente do fato de serem vizinhos. Ou seja, pessoas que mesmo vivendo o contexto físico idêntico, experimentam valores diferentes, sobrevindo o preconceito previdente, conquanto cruel, do “você tem que tomar cuidado para não se misturar com quem não presta!”. “Pois assim agindo, tal comportamento poderá garantir-lhe o pertencimento futuro ao grupo economicamente desenvolvido e é claro que sua vida poderá vir a ser boa, também socialmente falando”. Mas veja que isto não é definitivo, principalmente em se tratando do geral da sociedade. Lima Barreto sempre me foi um forte exemplo: um gênio, capaz e perdido!

O Brasil compreende um território geologicamente rico. Aqui incluo seus recursos hídricos e sua posição no planeta, o que lhe confere sol e chuva, clima quente, temperado e frio, uma costa atlântica imensa e, recentemente a essa escrita, um tesouro energético fóssil incomparável.

Para exploração racional de tão rica natureza — o que se pode denominar de forma discricionária “desenvolvimento econômico, de base industrial” — não tem acontecido que sua gente (mais de 200 milhões de habitantes no momento) tenha vindo a participar da geração dos seus resultados e usufruir deles. Afinal, basta que um alienígena — qualquer dominador de caráter econômico e/ou tecnológico — se aproprie de tal prerrogativa, seja por meio de força ou por acordos tolerados pelos Poderes Constituídos para que a população fique “a ver navios”. Aquele estranho poderá produzir um desenvolvimento econômico de grande significação sem pressupor desenvolvimento social. É o caso típico dos processos de colonização tão conhecidos. Todos eles, nas suas diferentes formas, são concepções escravagistas suportadas civilmente por salários supostamente justos, mas incapazes de permitir tranquilidade às camadas de trabalhadores de baixa formação profissional — que são a maioria da população. E que são mantidos nessa condição intelectual inferior, para garantia de sua disponibilidade ao colonizador.

A história brasileira, por exemplo, é pródiga em episódios que se enquadram no exposto, sendo dispensável detalhá-los aqui. O que eu quero ressaltar é que — bem nacionalmente falando — tais incidência funestas ao povo sintetizam a primeira frase desta conversa. A dissociação entre os desenvolvimentos econômico e social significam, verdadeiramente, ausência de desenvolvimento “nacional”, ou simplesmente “vocação para eterno colono”. Não cometerei aqui a ingenuidade de achar que poderosos do capital, bem desenvolvidos economicamente no ambiente tupiniquim, venham concordar — ainda que teoricamente — com a minha opinião, pois bem sei das benesses distribuídas a uma minoria que vende ou entrega “essências de nacionalidade” para prosseguir no seu “status” incompatível com os direitos pátrios da maioria do povo. Esses, sem dúvida, não verão com simpatia as minhas palavras.

Dito isto, deixando revelada a minha ideologia — a de que desenvolvimento efetivo pressupõe desenvolvimento econômico e desenvolvimento social simultâneos —, peço licença para abordar o substantivo abstrato engenharia, única e exclusiva ferramenta potencialmente capacitada — por absoluta pertinência, como penso — para implantar um desenvolvimento integral, onde o social e o econômico são como irmãos siameses.

Engenharia

Já disse, em trabalho anterior* feito a quatro mãos com o colega Francis Bogossian, que o substantivo engenharia é abstrato, pois só se torna concreto quando o povo vê a obra ou o serviço. Por mais simples que seja a afirmação, ela encerra um conceito de alta significância: “engenheirar” envolve objetivos, planejamento inicial macro, projetos, planejamento micro e execução. Reúne, portanto, muito conhecimento e muita responsabilidade, mas antes da última das etapas, o povo nada vê, o povo nada sente, o povo vive no abstrato do que será concluído, mesmo que esteja fazendo parte de algum dos grupos responsáveis por cada etapa. O conjunto inteligente que se estrutura desde os objetivos é a engenharia que, coerentemente com o que afirmei no terceiro parágrafo da Introdução, pode ser brasileira ou estrangeira, desde que o escolhido seja capaz de alcançar o final da execução. Em ambos os casos, haverá desenvolvimento econômico — excluindo-se exemplos de pura megalomania — mas veja o que diz uma monumental publicação do Clube de Engenharia**, de 1967, bem a propósito de minha ideologia:

“ (…) é pacífico o entendimento de que a necessidade de desenvolvimento econômico e social do País torna imperiosa a existência de uma engenharia nacional compromissada com esse desenvolvimento (entendo que o integral) e que esteja permanentemente se atualizando e buscando encontrar soluções próprias para os nossos problemas”

“Os técnicos nacionais devem estar na vanguarda do processo de desenvolvimento e, portanto o seu trabalho deve ser estimulado e valorizado, numa ação orientada para o crescimento de nosso patrimônio técnico-científico. A simples contratação de firmas estrangeiras de engenharia, em substituição a técnicos e firmas nacionais, para a solução de problemas específicos e até mesmo para a definição de políticas setoriais, constitui um retrocesso dentro de nosso processo evolutivo e concorre para aumentar a distância que nos separa dos países desenvolvidos”.

Mas, como o povo tem limitadas possibilidades de conscientização e interação com as tratativas dos Poderes nessa questão, resta à própria classe dos engenheiros a tentativa de esclarecer e influenciar as decisões.

Na mesma publicação do Clube acima mencionada, concluiu-se, àquela época, pelo estabelecimento das seguintes normas:

a) Os estudos, consultorias, projetos, obras ou serviços de engenharia, relativos a empreendimentos em território brasileiro, serão como regra geral, realizados por entidades, firmas ou técnicos nacionais;

b) Para esse efeito, serão consideradas firmas nacionais aquelas legalmente habilitadas a funcionar no País, com sede e foro no território nacional, sem subordinação a empresas estrangeiras, e cujo capital seja, na sua maioria, pertencente a brasileiros aqui domicialiados;

c) A assistência técnica externa terá caráter supletivo, podendo, excepcionalmente, ser prestada sob a forma de consórcio entre firmas nacionais, e estrangeiras, desde que, perante os órgãos de fiscalizção do exercício da engenharia, fique demonstrada a sua imprescindibilidade e cabendo sempre que possivel o comando dos trabalhos às firmas nacionais;

d) A assistência técnica externa diretamente a órgãos governamentais brasileiros, quando de comprovada necessidade, será feita preferencialmente em nível de governo para governo.

Conclusões

Os Princípios que nortearam aquela publicação são coerentes com minha visão ideológica, porque reunem postulados práticos que instrumentalizam a engenharia nacional no sentido de estabelecer simultaneidade nos desenvolvimentos econômico e social.

É verdade que o respeito às normas acima significa uma reserva de mercado — utilizando-se a nomenclatura de agora. Mas o que importa destacar nessa discussão, em termos tão significativos quanto aqueles de 1967, é que o desenvolvimento pleno do País somente virá com a nacionalização integral da prática da engenharia. Isto inclui a preservação da cultura técnica nacional — patrimônio tecnológico das empresas de engenharia brasileiras —, a disseminação do emprego viabilizado pela formação universitária operacional e avançada, a existência de um projeto nacional de desenvolvimento, com planejamento de longo prazo que garanta a todas as camadas da sociedade a participação profissional direta e indireta nos empreendimentos que, no final das contas, deverá se destinar ao benefício do País — isto é, seu povo.

Hoje, 2015 — ano quase encerrado — vive-se no Brasil um quadro de fragilidade que torna aqueles estudos de 1967 bem atuais. E por quê? Porque, assim como naquela oportunidade, quando a engenharia brasileira deparava-se com um processo de desmoralização técnica apoiado em fantasia — algo ridículo, se lembramos que o Brasil vinha de um período de crescimento industrial que se traduzia em crescimento, independentemente dos solavancos políticos e das injunções estrangeiras de fundo geopolítico —, também agora, deixando nítido o caráter abstrato da engenharia, o povo, incapaz por natureza, de viver uma engenharia concreta — obra pronta —, é agredido por decisões esdrúxulas como interrupções de obras e serviços já concluídos em cerca de 90% da execução, quase concretizados, e adoção de modelos econômicos que priorizam a arrecadação financeira ao invés de investimentos produtivos — situação vivida pela Petrobrás e pelo Poder Público convivente com juros e impostos estratosféricos que ampliam — indiscutivelmente — a inflação, e toda a natureza de déficits que se possam listar.

Aos engenheiros, personificando a profissão, cabe esclarecer às camadas mais preparadas da população, àqueles que, mesmo não desfazendo o caráter abstrato da engenharia, consigam intelectualmente absorver sua concretude antes de uma obra concluída. Afinal eles existem e alguns atuam nos Poderes Públicos…

Será que no País há médicos que desconhecem a necessidade da engenharia para a busca de sua infraestrutura específica? Ficarei nesse exemplo-pergunta, por julgá-lo suficientemente forte para descortinar o contexto em que vive a saúde no Brasil. Os engenheiros precisam sensibilizar os médicos a compreender a realidade de que sem engenharia — e engenharia brasileira — o futuro de sua nobre profissão é discutível, pelo menos se praticado em sua terra natal.

Enfim, denunciemos as ideias monetaristas, que além de equivocadas, podem estar guardando uma intenção malévola contrária ao verdadeiro desenvolvimento econômico-social do País, pelo qual entendemos ser possível a tão sonhada soberania nacional.

Referências:

* – Artigo “O abstrato no momento brasileiro”, Jornal do Commercio, Francis Bogossian e Edson Monteiro, (08 de agosto de 2015).

** – Livro “A luta pela engenharia brasileira”, editado pelo Clube de Engenharia, (maio de 1967), Comissão Permanente de Defesa da Engenharia Brasileira: “Wilson Ribeiro Gonçalves, Jaime Rotstein, Hélio de Almeida, Octávio Cantanhede e Celso Juarez de Lacerda”.