O ex-Presidente Jimmy Carter, que governou os Estados Unidos de 1977 a 1981, anunciou que está com câncer ou cânceres no cérebro e tem a vida “nas mãos de Deus”. Como já chegou aos 90 anos, ele podia, antes mesmo da doença, considerar-se mais perto do fim. Isso acontece no momento em que chega perto do fim o mandato de outro Presidente, Barack Obama, que tem com Carter a identidade singular de também não ter tomado a iniciativa de intervir pela força das armas em qualquer outro país.
Outra identidade é que ambos foram os primeiros de sua espécie: Carter o primeiro sulista a ter como candidato democrata o apoio do movimento negro e também o primeiro sulista a ser eleito Presidente, pelo menos desde a Guerra da Sucessão, mais de cem anos antes; e Obama o primeiro negro a ocupar a Presidência.
Os antecessores de ambos estiveram metidos em muitas intervenções e várias guerras. Dos Presidentes republicanos, o segundo George Bush no Afeganistão e no Iraque, o primeiro Bush na Guerra do Kuwait contra o Iraque; Richard Nixon e seu Vice e breve sucessor Gerald Ford no Vietnam. Dos antecessores democratas, Bill Clinton intrveio na antiga Iugoslávia, Lyndon Johnson no Vietnam e John Kennedy tentou invadir Cuba – isso para ficarmos apenas nos episódios maiores do último meio século.
Carter não só não invadiu país nenhum, como promoveu a paz entre Israel e o Egito. Obama, agora, reconcilia os Estados Unidos com Cuba e até assina um acordo nuclear com o Irã.
Com o Brasil do regime militar Carter teve dois problemas mais sérios, mas nunca interveio.
O governo do Presidente Geisel firmou com a então Alemanha Ocidental um grande acordo nuclear que os Estados Unidos temiam e não queriam, na suposição de que qualquer projeto nuclear de fins pacíficos abre também as portas à bomba atômica. Um acordo muito menor com a mesma Alemanha, vinte anos antes, no segundo governo Vargas, apenas para a compra de equipamentos de pesquisa, levou os Estados Unidos em 1954 a conseguirem o confisco desses equipamentos no porto de Hamburgo, onde seriam embarcados para o Brasil. Nos anos 70, o governo Carter não gostou, mas não interveio.
O segundo problema foi o dos direitos humanos. Carter mandou ao Brasil sua mulher, Rosalyn, que teve conversas ásperas com Geisel e ouviu denúncias até do Cardeal Arns. Ao contrário da diplomacia inglesa, muito mais sofisticada, a diplomacia americana não entendeu que Geisel lutava contra a tortura e corria riscos tanto nessa luta quanto ao empenhar-se em seu projeto de abertura. A pretexto da questão dos direitos humanos, mas no fundo por causa do acordo nuclear com a Alemanha, o Departamento de Estado norte-americano decidiu suspender verbas de um programa de assistência militar ao Brasil. Geisel aproveitou para romper o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos, que vigorava desde a década de 1950. De novo Carter não interveio.
Se fosse reeleito em 1980, Carter poderia ter conduzido os Estados Unidos e a parcela enorme da política mundial que eles controlavam sem a mesma entrega de seu sucessor Ronald Reagan ao arrastão neoliberal que começava a assolar o mundo. Mas foi derrotado, nas eleições de 1980, pelo fracasso de sua tentativa de acabar pacificamente com a invasão da embaixada nos Estados Unidos no Irã e o longo sequestro de uma porção de americanos por um bando de fanáticos. Paradoxalmente, esses fanáticos deram a vitória, nas eleições norte-americanas, à corrente que seria a de seus maiores inimigos e a sanções contra o Irã que só agora, com Obama, podem estar chegando ao fim.
O fim próximo de Jimmy Carter, anunciado serenamente por ele mesmo, suscita o reexame da história do último meio século e do papel nela desempenhado pelos homens que a lideraram. O reacionarismo que derrotou Carter em 1980 já não pode atingir o destino pessoal de Obama, que cumpre seu segundo mandato presidencial e não tem mais o direito de disputar qualquer eleição. Mas coloca no caminho de sua sucessão um grande número de republicanos retrógrados à frente dois quais aparece nas pesquisas o empresário Donald Trump, que consegue a façanha de ser pior até que o segundo Bush, o pior Presidente, segundo todos os estudos, em mais de duzentos anos de história dos Estados Unidos.