Artigo

O mito chinês

Data da publicação: 18/12/2020

Como o trovão e o raio, o sol e a lua, que o homem primitivo temeu e os fez deuses e demônios, a abissal ignorância sobre a China permite que a nova Hollywood – dos twitter, youtube, facebook, instagram etc – crie fantasiosa realidade e nos empurre para o medo do demônio amarelo que, ainda mais, é comunista.

Um prato cheio para os terraplanistas dos fujões tipo Olavos de Carvalho que se alienam nos Estados Unidos da América (EUA) para não enfrentar a realidade da vida brasileira. E tem mais, se não tiverem mínima noção do mandarim escrito, nem se arrisquem a tratar do pensamento chinês.

O idioma chinês tem seis mil anos. Pense meu caro leitor, que a carta de Pero Vaz de Caminha e os regulamentos régios, que orientaram os primeiros passos organizadores do Brasil, são de difícil leitura, senão de conteúdo quase indecifrável para imensa maioria dos letrados. E têm apenas 500 anos. Há mil anos esta escrita estaria em latim, e ainda seria mais difícil de entender. O mandarim é a mesma língua, com simplificação ao tempo de Mao Tse Tung (anos 1950), e a evolução dos próprios hábitos da sociedade, no mesmo lugar, há seis milênios.

Nenhum livro sobre o pensamento chinês, qualquer que seja o idioma em que se desenvolva, poderá estar correto sem o uso dos pictogramas. E isso se deve ao pensamento não ser fundado em uma epistemologia idealmente construída, mas totalmente imerso na realidade. Não é uma abstração que lhe dará ferramentas para chegar ao real, é no aprofundamento da efetiva realidade que se constrói o pensamento chinês. O pictograma é a expressão dessa realidade. Não me recordo quem disse que se estuda a filosofia chinesa dando voltas em torno dos pictogramas.

Permitam-me um exemplo. Quando um autor chinês escreve primeiro, em qualquer ordenação, seja o lugar num torneio ou o mandato eletivo, ela iniciará este conjunto com um prefixo formador de ordinal, um classificador. Sem um classificador – dì, ge, zhang – o numeral não quantifica o substantivo. Exemplo: dì yi será primeiro; dì’èr, segundo. Depois ele precisará do que se trata e poderá usar mais de um pictograma. Se estiver se referindo a um empréstimo, escreverá o pictograma de tomar emprestado (jiè). Assim “dí yí jié” significa primeira prestação. O pensamento chinês se inscreve no real, não se sobrepõe a ele.

O modo de pensar que surge de conceitos apriorísticos, no mandarim, idioma sem flexões, é a mais viva tradução do real. Estas reflexões estão nos mestres orientais e em ocidentais que vem estudando o pensamento e, em consequência, a escrita chinesa que relaciono alguns para os que não se conformem em repetir slogans ideológicos e políticos: Léon Vandermeersch, Rémi Mathieu, Anne Cheng e Michael Nylan.

A base do pensamento chinês é a transmitido por Confúcio nos Analectos. Confúcio é das raras personalidades da história do mundo que sobreviveu na cultura universal além de sua figura, do local em que viveu e do seu tempo. Buda e Cristo foram os outros.

Antes de discutirmos a realidade geopolítica atual, creio ser proveitoso analisar dois momentos históricos da China e seus pensamentos.

Os han constituem o maior grupo étnico da China, representado quase 92% da população, cerca de um bilhão e 250 milhões de pessoas (18% da população mundial). A dinastia governamental dos han, que levou sua concepção de mundo, se registra no entorno do início da era cristã: cerca de 200 a.C. a 200 d.C.

A visão denominada holística dos han, descrita pelo Mestre de Huainam, é que diferentes caminhos levam ao mesmo ponto. Busca portanto a vista panorâmica, onde se tenha melhor visão de conjunto, que também seja integradora, em conjunto coerente e inclusivo.

É quase um lugar comum a referência ao tempo na vida chinesa: paciência, estratégia, respostas. Mas ouso refletir que esta posição da melhor visão de conjunto não se forma rapidamente. Imagino que se esteja galgando a montanha das variáveis para melhor perceber o todo e conhecer todas suas partes. Não se conclua portanto que a falta de resposta às constantes agressões que o governo bolsonário lança contra China é aceitação ou receio. Nada menos provável. Estarão os dirigentes chineses examinando todas as fragilidades do Brasil e destes governantes para agir no momento mais propício. E teremos que amargar a idiotice destes governantes e suas submissões irresponsáveis aos interesses imperiais dos EUA e ao controle da administração brasileira à banca, ao sistema financeiro internacional.

Não devemos nos submeter a ninguém. Precisamos conhecer-nos. Ter plena consciência de ser a nação mais rica em recursos naturais do planeta: em terras agriculturáveis, em água e sol, em toda sorte de minérios, inclusive os valorizadíssimos nióbio e lítio, exportados in natura para maior lucro dos intermediários e industriais estrangeiros. Nada nos falta, exceto governantes capazes e nacionalistas. Que o novo ano nos traga esta mudança!

Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado.

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