Artigo

O sentido de uma bioeconomia ou de um ecodesenvolvimento

Data da publicação: 08/10/2014
Autor(es): Leonardo Boff

A atual eleição presidencial no Brasil trouxe à tona, mais uma vez, a questão do desenvolvimento, um tema clássico da macroeconomia global. Trata-se de um assunto de absoluta gravidade, assim como as ameaças às nossas vidas e à nossa civilização, que podem ser destruídas tanto pela máquina nuclear química e biológica quanto pelo crescente aquecimento global — uma ameaça devastadora, como sugerem muitos cientistas, suficiente para destruir grande parte da vida como a conhecemos e colocar a raça humana em risco. Essa informação sequer é divulgada, seja por ignorância ou porque os candidatos perceberiam que teriam que mudar tudo.

Como diz a Carta da Terra: “O destino nos convoca a um novo começo”. Ninguém teve tamanha audácia, nem mesmo Marina Silva, que — e este é o seu grande mérito — inventou o paradigma da sustentabilidade. Eis o que podemos afirmar com certeza: não podemos continuar como as coisas estão. O preço da nossa sobrevivência é uma mudança radical na forma como habitamos a Terra. A proposta de ecodesenvolvimento ou bioeconomia, apresentada por Ladislaw Dowbor e Ignacy Sachs, entre outros, nos incentiva a caminhar nessa direção.

Um dos primeiros a perceber a relação intrínseca entre economia e biologia foi o matemático e economista romeno Nicolas Georgescu Roegen (1906-1994). Contrariando o pensamento dominante, este autor, já na década de 1960, chamou a atenção para a insustentabilidade do crescimento devido à natureza limitada dos bens e serviços da Terra. Começou-se a falar em decrescimento econômico em prol da sustentabilidade ambiental e da equidade social (www.degrowth.net). Esse decrescimento, ou melhor, “crescimento”, significa reduzir o crescimento quantitativo para dar mais importância ao crescimento qualitativo, ou seja, preservar os bens e serviços necessários para as gerações futuras. A bioeconomia, na verdade, é um subsistema do sistema natural, que é sempre limitado e, portanto, objeto de constante atenção humana. A economia deve acompanhar e respeitar os níveis de preservação ou regeneração da natureza (ver as teses de Roegen na entrevista de Andrei Chechin ao IHU (28 de outubro de 2011)).

Um modelo similar, denominado Ecodesenvolvimento e Bioeconomia, é apresentado, entre outros, pelo já mencionado professor de economia da PUC-SP, Ladislaw Dowbor, que segue os passos de outro economista, Ignacy Sachs, polonês, naturalizado francês e brasileiro por amor. Tendo chegado ao Brasil em 1941, trabalhou aqui por vários anos e atualmente dirige um Centro de Estudos Brasileiros na Universidade de Paris. É um economista que atua em questões ecológicas desde 1980 e foi provavelmente o primeiro a abordar essas questões no contexto do Antropoceno. Ou seja, no contexto da pressão extremamente forte que as atividades humanas exercem sobre os ecossistemas e sobre o planeta Terra como um todo, à beira de perder seu equilíbrio sistêmico, revelado por eventos extremos. O Antropoceno, portanto, inauguraria uma nova era geológica na qual os humanos são o fator de risco global, um meteoro perigoso, insidioso e ruinoso. Sachs leva em consideração esses novos dados no discurso ecológico-social.

As análises de Dowbor e Sachs combinam economia, ecologia, justiça e inclusão social. A partir daí, o conceito de sustentabilidade torna-se possível, mesmo dentro das limitações impostas pela predominância do modo de produção industrial consumista, individualista, predatório e poluente.

Ambos estão convencidos de que a sustentabilidade aceitável não será alcançada sem reduções significativas nas desigualdades sociais, inclusão cidadã por meio da participação popular no processo democrático, respeito às diferenças culturais e a introdução de valores éticos de respeito a toda a vida e cuidado contínuo com o meio ambiente. Uma vez atingidos esses objetivos, as condições para um desenvolvimento sustentável equitativo serão criadas.

A sustentabilidade exige uma certa equidade social, ou seja, uma “nivelamento médio entre países pobres e ricos”, e uma distribuição mais ou menos equitativa dos custos e benefícios do desenvolvimento. Assim, por exemplo, os países mais pobres têm o direito de expandir sua pegada ecológica (a quantidade de terra, água, nutrientes e energia que necessitam para atender às suas necessidades), enquanto os países mais ricos devem reduzi-la ou diminuí-la. Não se trata de adotar a teoria equívoca do decrescimento, mas de redirecionar o desenvolvimento, descarbonizar a produção, reduzir o impacto ambiental e favorecer a prevalência de valores intangíveis como generosidade, cooperação, solidariedade e compaixão. Dowbor e Sachs reiteram enfaticamente que a solidariedade é um elemento essencial e constitutivo do fenômeno humano, e o individualismo cruel que testemunhamos hoje, expressão de competição desenfreada e ganância por acumulação, significa um crescimento que destrói os laços de convivência e, portanto, torna a sociedade inevitavelmente insustentável. E deles dois surge essa bela expressão “civilização da biocivilização”, uma civilização que coloca a vida, a Terra, os ecossistemas e cada pessoa no centro das atenções. Daí emerge, em sua bela linguagem, a Terra da Boa Esperança (ver “Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir”, entrevista na Magna Carta, 29 de agosto de 2011).

Esta proposta me parece uma das mais sensatas e responsáveis, considerando os riscos que o planeta e o futuro da espécie humana enfrentam. A proposta da dopoh (http://dowbor.org) e de Sachs merece ser considerada por demonstrar grande funcionalidade e viabilidade.

Publicado em 18/10/2014 em Leonardoboff.org.