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Onde estão nossos militares nacionalistas?

Data da publicação: 20/09/2019

Em 1979 um ministro de Minas e Energia e militar de carreira, César Cals, mandou um telegrama para a direção da Petrobrás ordenando que fossem entregues todos os estudos de todas as áreas que as multinacionais quisessem para que elas escolhessem. Quem recebeu o telegrama na Petrobrás foi o então diretor de Exploração, Carlos Walter Marinho Campos, que comandou a ida para o mar que resultou na descoberta da Bacia de Campos em 1974. Carlos Walter, que até então não se importara com os contratos de risco assinados a partir de 76, ficou revoltado quando quiseram meter as mãos na Bacia de Campos. Ele chamou o então presidente da Sociedade Brasileira de Geologia (SBG), que também ocupava cargo na Exploração da Petrobrás, o geólogo Celso Ponte, e pediu-lhe para fazer a denúncia e evitar que a Bacia de Campos fosse entregue aos gringos.

Através do geólogo Frederico Laier (meu pai), Celso conseguiu contactar o então senador por Alagoas Teotônio Vilela (o pai). Convencido da seriedade da denúncia, Teotônio veio ao Rio para ver pessoalmente os dados que os geólogos tinham para provar que a Petrobrás já havia iniciado seus estudos nas áreas de águas profundas da Bacia de Campos. Celso preparou um dossiê que entregou ao senador Teotônio. No dia 14 de abril de 1980, Teotônio pediu a palavra e fez a denúncia: com um simples telegrama César Cals estava tentando mudar as regras dos contratos de risco para beneficiar as multinacionais estrangeiras.

A reação dos congressistas nacionalistas foi imediata. O PTB saiu em defesa da Petrobrás e do petróleo nacional estatal. Outros partidos também. Os jornais de 15 de abril não traziam o acontecido em suas manchetes de capa. A exceção era A Tribuna da Imprensa, do jornalista Hélio Fernandes, que ostentava na capa “Teotônio convoca os militares para conter César Cals“.

Os militares nacionalistas atenderam ao chamado. O general Andrada Serpa, que comandava o Departamento de Pessoal do Exército, foi um destes representantes da “brava gente brasileira” ao criticar publicamente a política econômica entreguista do governo Figueiredo. Ele foi afastado de suas funções por telefone no dia 16, ainda naquela semana. Em reportagem na Veja estaria explicado o afastamento: “não pelo que falou, mas porquê falou”. Eram os anos de chumbo. E nem mesmo os militares estavam à salvo. Nós dias seguintes, o Jornal do Brasil também publicou alguma coisa. A Tribuna continuava firme. E assim, aquela tentativa naufragou, pois os setores nacionalistas civis e militares se organizaram para derrotá-la.

O que teríamos perdido se a Bacia de Campos tivesse sido entregue?

Já em 1984, descobrimos o primeiro gigante do pós-sal com Albacora (que descobriríamos depois, também tem Pré-Sal). Em 1985 seria a vez de Marlim, que já produziu mais de 2 bilhões de barris para a sociedade brasileira. Em 1986, descobriu-se Albacora Leste. E em 1987, descobriram-se os campos Marlim Leste e Marlim Sul. As descobertas de campos gigantes continuaram mesmo após a quebra oficial do monopólio, em 1997, por FHC.

Jubarte no norte da Bacia de Campos, o gigante do pós-sal de onde saiu o primeiro óleo do Pré-Sal, em 2008, foi descoberto na primeira metade dos anos 2000. Foi graças à produção desta Bacia que obtivemos a auto-suficiência volumétrica em 2006 e nos mantivemos perto desta até 2013, quando a Petrobrás fez 60 anos.

Em 2010 começava a produção em Lula. Primeiro campo supergigante do Brasil descoberto no pré-sal por Tupi, Lula foi desenvolvido em tempo recorde após a descoberta em 2006 e os avanços tecnológicos utilizados renderam à Petrobrás seu terceiro prêmio OTC em 2015.

Em 2014 e 2015, o maior campo produtor era Roncador, um gigante do pós-sal descoberto em 1996 e desenvolvido nos 2000. Com a entrada de Lula e do gigante Sapinhoá, Santos passou a frente de Campos. Em 2018 a bacia de Campos já havia produzido mais de 12 bilhões de Barris de petróleo. Mas somando apenas o volume in place de seus gigantes temos cerca de 57 bilhões de barris. E aplicando um fator de recuperação de 30% (em Marlim, o fator de recuperação já é maior) temos cerca de 17 bilhões de barris recuperáveis. Mas destes volumes recuperáveis produzimos uma parte, mas ainda há bilhões de barris a recuperar. Isto sem contar o pré-sal em muitos destes campos do pós-sal de Campos que nem sequer aparece nos sumários exploratórios da ANP. Tudo isto jamais teria sido nosso se não fosse pela coragem de fazer a denúncia e de fazer a defesa do interesse nacional.

Vivemos uma distopia onde os que se dizem nacionalistas hoje entregam ao estrangeiro Yankee a Base de Alcântara, entregam a Embraer, querem entregar a Eletrobrás, a Petrobrás e até a Casa da Moeda. A Petrobrás querem entregar com requinte de sadismo esquartejando-a e vendendo-a por partes. “Com STF, com tudo”. Não é estranho que a Agência Nacional do Petróleo queira entregar até informações estratégicas da Petrobrás para favorecer os gringos?

Hoje também temos um ministro de Minas e Energia militar, o Almirante Bento Albuquerque. São assinadas por ele as resoluções do leilão do Excedente da Cessão Onerosa. Onde estão nossos militares nacionalistas que deixam entregar uma província petrolífera que é a maior descoberta em mais de três décadas?

Não há outro pré-sal a descobrir. Conhecemos a estratigrafia e a evolução das bacias brasileiras. O Pré-sal é resultado de o esforço de várias gerações durante décadas. Lula já é o maior campo produtor em águas ultraprofundas do mundo. Búzios tem 1,7 vezes o volume de óleo in place de Lula. Búzios será ainda maior em produção. Mas será que vale à pena antecipar esta produção para atender às necessidades dos EUA e de seus aliados europeus?

A geração de riqueza, o PIB de uma nação, está diretamente relacionada com seu consumo de energia. A energia que querem entregar nos fará falta em breve. Mentem os que apregoam o fim do petróleo como fonte de energia importante. A transição energética levará décadas. E além de fonte de energia, o petróleo é matéria prima na petroquímica. Mentiram da mesma forma em 2015, quando Serra propôs o fim da exclusividade da operação única da Petrobrás e falavam do Pré-Sal como se o mesmo não produzisse. Na época, o pré-sal batia sucessivos recordes à medida em que as unidades de produção definitivas entravam em produção em Santos e em que os poços em Campos eram conectados à infraestrutura já existente nos campos do pós-sal.

Patrícia Laier é geóloga e conselheira da AEPET

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